sábado, 10 de dezembro de 2011

Religião: a multiplicidade do fenômeno e o ontologismo do discurso conceitual


 Epitácio Rodrigues

A compreensão do fenômeno religioso não se explica apenas a partir de um conhecimento etimológico ou conceitual. Noutras palavras, não será suficiente dizer que a palavra religião provém do termo latino religio, que, por sua vez, resulta da aglutinação do prefixo latino re (outra vez, de novo) e o verbo ligare (ligar, unir, vincular). Passando o sentido da palavra, uma compreensão de religião como o restabelecimento de um vínculo do ser humano com o mistério. Ainda que aponte para uma direção mais ou menos compreensível, inúmeras perguntas ficam no obscurantismo da generalidade conceitual. Também não é menos problemática a definição apresentada por Danilo Marcondes e Hilton Japiassú, no Dicionário Básico de Filosofia, segundo a qual a religião “é um a conjunto cultural e suscetível de articular todo um sistema de crenças em Deus ou num sobrenatural e um código de gestos, de práticas e de celebrações rituais” (2006, p. 239).
Para se entender melhor a diversidade do fenômeno religioso é importante considerar a história dessa experiência, observando, para além da unidade conceitual, as múltiplas formas do ser humano relacionar-se com o mistério, seja ele imanente ou transcendente, nas diversas culturas ao longo da história. Nesse sentido, Piazza, na obra Religiões da Humanidade,[1] apresenta uma ordenação das religiões em quatro grandes sistemas, observando o objetivo mais teleológico a que cada uma delas se propõe na relação com o mistério, desconsiderando a classificação tradicional em monoteísta, politeísta, panteísta etc... Assim, apesar de suas peculiaridades, elas são agrupadas em religiões de integração, de servidão, de libertação e de salvação.
Na categoria de integração estão englobadas aquelas manifestações religiosas mais primitivas nas quais as ações dos indivíduos aparecem voltadas à satisfação das necessidades básica e mais imediatas do ser humano: comer, beber... tais religiões se caracterizam pela divinização da natureza e pela busca de integração dos indivíduos à dinâmica dessa mesma natureza. Dentre elas podemos citar as práticas rituais dos siberianos, dos africanos e dos índios brasileiros.
As religiões de servidão, segundo o autor, seriam aquelas cujos deuses são apresentados como grandes senhores do céu, da terra e das regiões inferiores. O homem religioso sente-se impelido a prestar serviços rituais e homenagens às divindades em troca de benefícios imediatos. Não raro, as divindades são retratadas com características acentuadamente humanas, sejam boas ou ruins. Fazem parte desse grupo, por exemplo, as religiões da Grécia e Roma antigas.
Contudo, em suas relações com o sagrado, o ser humano não é visto apenas como um ser dependente e de certo modo passivo em referência ao mistério. Em algumas formas, a base do movimento centra-se na capacidade operativa do próprio ser humano. São as religiões de libertação, nas quais estão agrupadas as experiências religiosas em que o ser humano é visto em situação degradante, cuja libertação supõe a utilização de meios éticos e técnicos, de acordo com o tipo de concepção cosmológica, antropológica ou teológica. Piazza ilustra esse fato, elucidando que o monoteísmo judaico preconiza uma libertação no sentido ético, alicerçado na observância de certos mandamentos da Torah. No panteísmo, a libertação ganha uma dimensão mais cósmica do homem com a divindade, como é o caso do hinduísmo. Já para as religiões monistas, como por exemplo o budismo, a liberdade é de caráter mais psicológico e consiste no esforço humano de superação das contingências de sua natureza.
Por fim, existem as religiões de salvação, nas quais o ser humano é explicado e entendido a partir de uma narrativa sagrada de sua origem e natureza, seguida de uma queda ou pecado que gera a ruptura com o transcendente. As manifestações dessas formas religiosas, em grande medida, estão perpassadas por um esforço de súplica e busca de reparação dos pecados e suas consequências realizado apenas pela divindade, não raro, após a morte. Ou seja, é muito comum nas religiões de salvação a presença de uma escatologia. Pertencem ao grupo das religiões soteriológicas o islamismo e o cristianismo.
Quando ouvimos falar em religião, frequentemente incorremos no risco de realizar um ontologismo religioso no qual a experiência com o mistério aparece como única e absoluta. A sistematização do autor, ainda que seu intento seja agrupar, põe em evidencia a amplidão do assunto e sua complexidade ao longo da história do ser humano.


[1] PIAZZA, O. Waldomiro. Religiões da Humanidade. 3ª ed. São Paulo: Loyola, 1996.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Campanha contra Lula: por que não sair do ódio pessoal para a cidadania?

Epitácio Rodrigues

No ultimo dia 30/10/2011, o filósofo Ghiraldelli Jr. postou um texto intitulado Lula, doente, enfrenta alguns Caims, no qual se posiciona sobre a Campanha na internet “Lula, trate-se pelo SUS”. Muitos internautas discordaram de seu posicionamento a respeito do assunto. Pessoalmente, julgo a campanha a expressão de um comportamento motivado por razões de caráter mais emocional e ódio pessoal e de certo modo demagógica. Cito o exemplo do ex-vice presidente José de Alencar (que fique bem claro: não quero aqui defender que deviam ter feito tal campanha contra ele, pois o bom senso não me permite sugerir tal coisa), apenas para elucidar o fato dele não ter recebido um tratamento similar dos protagonistas da campanha, evidencia que se trata de uma mágoa pessoal destinada ao ex-presidente.
Não vou aqui discorrer sobre o paradoxo que foi a gestão do ex-presidente e sua oscilação entre o social e o liberal; as várias situações de escândalos e corrupção envolvendo gente do seu partido e da base aliada e seu “silêncio conveniente”, dentro de um sistema de democracia liberal que teve o seu governo. Apesar disso, não se pode negar que houve uma melhoria na vida de um número considerável de cidadãos das classes populares. Mas, abstraindo da total falta de bom senso que motiva esse movimento contra o Lula, ele coloca uma questão em evidência. Para os internautas/pessoas que defendem a campanha, o SUS aparece como um sinal de punição ao ex-presidente. Aqui duas coisas precisam ser consideradas: a primeira é que a saúde, que desde Marshall se insere dentro dos chamados direitos sociais, não recebe a atenção devida do poder público. Mas, a segunda questão, e com certeza a mais importante,  diz respeito à  responsabilidade dos brasileiros sobre o assunto. A campanha revela uma responsabilização unilateral e individual, alicerçada numa certa miopia na compreensão de cidadania, na medida em que se culpabiliza um ex-chefe de estado, mas cada pessoa fica na sua zona de conforto, omitindo-se de realizar por, exemplo, uma campanha de reivindicação ao poder público no que se refere ao cumprimento adequado dos direitos sociais dos brasileiros, inclusive a saúde. Ao final, fica uma sensação de que temos muitos faladores, movidos por ódio e desequilíbrios emocionais e poucos pensadores e cidadãos conscientes e ativos. Se uma das finalidades da educação neste estado, de cunho fortemente liberal, é formar para o exercício da cidadania, por que, ao invés de fazer campanha contra um cidadão que está enfermo, um ex-operário, nordestino, que chegou a ser presidente, não mobilizar os cidadãos online para uma campanha que vai realmente ter um retorno no caminho de uma cidadania plena?

domingo, 9 de outubro de 2011

MINHA PROFISSÃO? FILÓSOFO!




Epitácio Rodrigues

Nos últimos anos, com a obrigatoriedade do ensino da Filosofia em nível médio, começou também a surgir adolescentes interessados em conhecer melhor essa profissão e as possibilidades de ascensão profissional nesse campo específico do saber. Ademais, percebe-se uma popularização do termo, deixando de ser uma prerrogativa de quem escreve algo de original nesse campo, e passa ser quem tem uma formação acadêmica nessa área do saber.
Para sanar as dúvidas mais comuns, este texto apresenta as características mais gerais da profissão de filósofo, tendo como base a própria CBO do Ministério do Trabalho e Emprego e o Guia de Profissões.
O que seria um filósofo? De acordo com a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) instituída no dia 09 de outubro de 2002, portaria n º 397, os filósofos (código do CBO 2514-05), são descritos como profissionais que “refletem crítica e sistematicamente sobre o ser e o destino do homem e do mundo, por meio da assimilação dos clássicos do pensamento e da realização de pesquisas sobre temas filosóficos, tais como ética, epistemologia, estética, ontologia, metafísica, política, lógica, cultura etc., com a finalidade de formar e orientar pessoas e assessorar organizações.” O mesmo órgão fala de condições gerais de exercício: “Atuam, principalmente, em atividades culturais, editoriais, educacionais, de pesquisa, de recursos humanos e em organismos afins, podendo exercer mais de uma ocupação. É comum, como professor e pesquisador. Nesses casos, são classificados pela atividade predominante. Trabalham em ambientes fechados, de forma individual, podendo, ocasionalmente, formar equipes. É comum, terem seus trabalhos divulgados através de livros, revistas, jornais e outros meios.”
A formação ocorre em Universidades e/ou Faculdades com o superior em Filosofia. No que se refere à atuação no mercado de trabalho, o filósofo pode atuar na carreira acadêmica, como professor e pesquisador; nas áreas de consultoria de empresa e instituições não-governamentais, na elaboração de códigos ética profissional e/ou institucional, assessoria em partidos políticos e no jornalismo especializado e também como professor na educação básica.
Os desdobramentos da atuação, conforme o CBO, podem ser assim apresentados:
1. Refletir sobre o ser e o destino do homem e do mundo: refletir sobre a história da filosofia; analisar o processo simbólico e suas manifestações; analisar a arte, a obra de arte e a experiência estética; analisar a religião e suas diversas manifestações; refletir sobre o processo de criação e validação do conhecimento lógico e científico; analisar as descobertas científicas e seu impacto social, teórico e tecnológico; refletir sobre os valores éticos e morais; refletir sobre a política e relações de poder; refletir sobre as questões centrais do homem contemporâneo; refletir sobre a história e as transformações histórico-sociais.
2. Realizar pesquisa acadêmica: envolve desde a elaboração e viabilização de projeto de pesquisa, a metodologia de pesquisa, o levantamento bibliográfico e a consulta aos arquivos especializados; além de promover o debater teórico com seus pares e especialistas de outras áreas.
3. Pesquisar a história da filosofia e temas filosóficos: aqui envolve todo o processo hermenêutico e analítico da profissão, desde a leitura analítica de textos filosóficos e não-filosóficos; interpretar textos e a relação entre as idéias e seu contexto; promover debates e analisar crítica e comparativamente as tradições filosóficas.
4. Divulgar conhecimentos e resultados: elaborar relatórios e textos filosóficos, artigos de divulgação; proferir palestras e participar de debates em seminários, congressos, conferências e na mídia e em outros eventos culturais. Ministrar cursos sobre temas e questões filosóficas ou temas de outras áreas, numa abordagem filosófica.
5. Assessorar pessoas e organizações: Orientar pessoas e instituições e emitir pareceres; participar de bancas de concurso; assessorar organizações governamentais e não governamentais, entidades culturais e de ensino, a mídia, editoras, agências financiadoras de pesquisa. Faz parte da atuação também a participação em comissões de ética e bioética.
6. Coordenar atividades de caráter intelectual: coordenar grupos de estudo, equipes de pesquisa teórica, publicações. Organizar seminários, organizar colóquios, congressos e coordenar cursos.
A pessoa que se forma em filosofia, para ser um bom profissional, deve procurar desenvolver algumas competências pessoais: cognitivas, comunicativas e culturais. O que equivale a dizer: demonstrar capacidade de reflexão e especulação, cultivar atitude crítica e rigor metodológico; demonstrar capacidade de argumentação e capacidade didática. Ser capaz de expressar-se oralmente com fluência e também através da expressão escrita. Além disso, ter uma aptidão para leitura em nível especializado.
O filósofo deve tornar um hábito cotidiano o raciocínio analítico, o senso apurado de observação da realidade, a produção de pensamento conceitual ou abstrato, o senso da dúvida e do questionamento diante do mundo e das coisas.

Bibliografia:

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

10% do PIB para a educação já!

Tomar as ruas, lutar por direitos, assumir bandeiras coletivas, eis a função social real de nos movermos todos pela educação
                                                                                                                             23/09/2011
                                                                                                                        Roberta Traspadini

1. A educação pede socorro:
O orçamento geral da União de 2010 foi de R$1,4 trilhão de reais. Este valor é dividido, como gasto público, com base nas prioridades do Governo Federal. Foram destinados R$635 bilhões (44,93%) do total do orçamento a pagamentos de juros e amortizações das dívidas do Governo Federal, enquanto a educação recebeu somente 2,89% do valor total.
Neste processo de priorizar o pagamento das dívidas e o financiamento de projetos do capital, crescem as iniciativas sociais de “recuperação da educação pública brasileira”, protagonizadas pelas organizações sem fins lucrativos (ONG´s).
Amigos da Escola e Todos pela Educação são exemplos da lógica dominante de aparente socorro do público pelo privado, que mascara a condução política dos recursos públicos pelo grande capital.
O projeto Todos pela educação criado em 2006, traça 5 metas para o período de 2006-2022 que, segundo seus porta-vozes, deverão reverter o quadro de dependência e sujeição histórica da fração mais pobre da sociedade brasileira.
As metas são: 1) Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; 2) Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; 3) Todo aluno com aprendizado adequado à sua série; 4) Todo jovem com o Ensino Médio concluído até os 19 anos; 5) Investimento em Educação ampliado e bem gerido.
Entre os patrocinadores do projeto estão: Santander, Dpaschoal, institutos Unibanco, HSBC, Camargo Correa, Odebrecht, Itaú Social, Gerdau, Fundações Bradesco, Suzano papel e celulose. A Rede Globo entra como parceira e Amigos da Escola e Microsoft, apoiadores.
Estas pessoas jurídicas acima são o corpo social do grande capital, cuja razão real de ser, é desconhecida por grande parte da sociedade brasileira. O que caracteriza a responsabilidade social? Quanto uma fundação que executa atividades como estas, pode isentar-se de parte dos impostos devidos sobre sua base de lucros no ano corrente?
Também chama a atenção no site Amigos da Escola a concepção de trabalho voluntário, a partir da consciência individual sobre a participação para um futuro inclusivo para fração da sociedade.
Em nenhum destes programas o problema central da educação nos remete ao processo político dos gastos públicos brasileiros que transforma o essencial em periférico, como é o caso da educação.
Estes projetos contam com todos os recursos para propagandear suas verdades, uma vez que consolidam a concepção do voluntário cidadão que está servindo ao futuro da Nação, ao destinar seu tempo e coração a estas ações.
Os trabalhadores voluntários merecem nossa atenção, dada a disputa que necessitamos realizar. Mas os que convocam, são usurpadores do tempo, do trabalho, da cidadania participativa concreta.
2. Luta pela educação como direito:
O que estes projetos ocultam, na faceta de amigos e todos pela escola, é a real necessidade do direito democrático e popular do povo brasileiro de exigir e lutar por/pela:
- uma educação pública de qualidade com o compromisso do Estado de cumprir com sua função republicana de destinar uma verba compatível com aquilo que recebe de impostos de sua sociedade. 10% do PIB para a educação já.
- condições dignas de trabalho e de remuneração para os educadores e funcionários públicos da educação, que têm atuado, a partir dos salários que recebem como voluntários pela justiça social.
- garantia de acesso-permanência da criança e do jovem na escola e de uma aprendizagem de saberes múltiplos que remetam o papel essencial da escola na vida destes sujeitos. A escola como espaço fomentador de beleza e cultivo, próprio para gerar algo para além de seus muros: a realização dos sonhos potencializada pela educação pública de qualidade.
- realização de uma alimentação escolar digna. Na atualidade, tanto as crianças como as merendas são tratadas como recursos em disputa a serem barateados.
- conformação de um serviço público prioritário, em que não se terceirizem funções estratégicas do cuidar, como a limpeza, a segurança e a manutenção geral do ambiente escolar.

3. Sujeitos de direitos x amigos da escola:
Agiremos em prol da educação como cidadãos se deixarmos de sermos amigos e passarmos à condição de sujeitos de direitos e deveres em pé de igualdade. Isto requer ver a escola não a partir do que cada um possa dar, mas pela instituição do caráter legítimo e legal de que todos devem ter acesso à educação de qualidade, como direito.
Tomar as ruas, lutar por direitos, assumir bandeiras coletivas, eis a função social real de nos movermos todos pela educação.
Gerar um antivalor à educação projetada pelo capital, associado à governança pública, cuja ação é a de substituir direito por benevolência, recursos públicos por trabalho voluntário, consciência de classe por doação individual de seus saberes.
A movimentação social da educação mineira, há mais de 100 dias em greve, nos dá ares reais da necessidade de reversão do histórico quadro de precarização da educação pública. Mexeu com o professor, mexeu conosco em qualquer parte do País e do mundo!
A escola pública brasileira não necessita de amigos. Necessita de políticas públicas que consolidem direitos e garantam a prioridade na formação da infância e da juventude. Há um projeto em disputa. É necessário que compremos a briga, que declaremos nossas diferenças, que instituamos nossas verdades frente à fantasia organizada pelo grande capital.
fonte: http://www.brasildefato.com.br/content/10-do-pib-para-educa%C3%A7%C3%A3o-j%C3%A1:acesso:26/09/2011

sábado, 24 de setembro de 2011

A DEMON-CRACIA QUE NÓS TEMOS

 Epitácio Rodrigues
Viva a democracia
Onde o juiz, arbitrariamente, arbitra na base da canetada para satisfazer pretensões subjetivas, num “direito culinário”, ao gosto do chef(e).

Viva a democracia
Onde o legislativo é camaleão, sem cor, sem identidade, mas tem valor- desde que seja econômico – e que “partido” é só o espólio que lhe toca dos valores distribuídos pelo executivo.

Viva a democracia
Onde o povo tem o direito de eleger uma imagem maquiada de salvador da pátria - o que não faz um marqueteiro? - e vê ser empossado um ditador para representar a promoção da sua miséria, de seu abandono e descaso.

Viva a democracia
Onde o um grupo de analfabetos políticos - que transformam associações de moradores, escolas, igrejas em currais eleitorais; que vendem seus concidadãos como bois num rebanho em troca de migalhas - acham que fazem um grande serviço público, como autênticos representantes da comunidade. O pior idiota é o que idiotiza os outros.

Viva a democracia
Celebrada no dia 07 de setembro, num desfile instituído pela ditadura militar. Dia em que o cidadão simples pode desfilar, orgulhoso, ao lado das forças repressoras do estado, que lhe desce o cassetete no dia 06 e no dia 08 de setembro e lhe chama de “vagabundo”.

Viva a democracia,
Porque depois dela o que se chamava tirania perdeu todo o significado.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Aos que nos ajudam na busca do nosso próprio Caminho


 
Epitácio Rodrigues

“Primeiro levaram os negros. Mas não me importei com isso. Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários. Mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis. Mas não me importei com isso, porque eu não era miserável. Depois agarraram uns desempregados. Mas como tenho meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo”.
Bertold Brecht

Quem escreve quase nunca se dá conta, mas um bom escritor é também um grande professor. Por isso, gostaria de escrever algo a partir do outro enfoque. Não mais da posição de quem “ensina”, mas de quem aprende. Escrevo como um aluno, pensando nos professores de milhões de brasileiros. Escrevo o sentimento de um grande número de jovens e adultos que ao ler certos escritos, ao beber das fontes dessa literatura, questionam outros discursos.
Os escritores são pessoas que, ao ousarem escrever, lançam-se ao público: seus sonhos, seus ideais, sua visão de mundo. Pessoa que, por seus escritos e suas idéias, tornam-se amados e odiados; através deles podem manter viva a utopia de um mundo mais justo, mais fraterno, mais humano. Pregadores de uma utopia que grita para ser topia, de um sonho prenhe do desejo de ser real.
Em todos os seus escritos: literários, filosóficos, psicológicos e humanísticos, encontramos - cada leitor a seu modo - motivações para continuar apostando no poder transformador da base, na emergência de um pensar, de um crer, de um sonhar e de um fazer libertadores.
Aprendizes, isto é o que somos. Temos consciência de sermos considerados, não poucas vezes, meros números na estatística de vendas. Figuras abstratas, designadas genérica e impessoalmente, como “os leitores”. Pessoas que fazem nome do escritor permanecer no palco da mídia, da literatura; seja este o propósito primeiro do escritor ou não, ao produzir a sua obra.
O que o escritor não sabe é que apesar de nunca termos sentados em uma cadeira, numa sala confortável (o que é raro encontrar) para ouvi-los, todos nos consideramos seus alunos. Entendemos os seus escritos, e através deles criamos laços afetivos com seus autores. Usamos suas idéias para compreender o mundo que nos cerca. Achamos em suas palavras razões para acreditar em nós mesmos, no poder e agir solidários, apesar de toda a realidade tópica apontar-nos um mundo obscuro e sem grandes perspectivas. Sim senhores, acreditamos porque a maioria de nós, “os leitores”, não lemos os seus escritos como pesquisadores, caçadores de argumentos para reforçar ou dar mais pesos científico às teses acadêmicas. Não! Muitos de nós lemos os seus textos, antes de tudo, como caçadores de esperança.

domingo, 18 de setembro de 2011

Viva o Pais do Futebol, mas os brasileiros???

Epitácio Rodrigues

O Brasil é o país do futebol. Quem nunca ouviu essa frase bonitinha, dita para reforçar a velha política de pão e circo? O que eu não consigo entender é como um país pode direcionar seu governo para um evento que acontecerá em 2014 e deixar um turbilhão de questões sociais à margem da sua administração. Como um país pode destinar uma previsão orçamentária de 17, 52 bilhões de reais para obras de infraestrutura para o evento copa, isso equivale a 120% a mais que a África destinou para o mesmo evento, cerca de 7, 968 bilhões, para construção e reforma de estádio e infraestrutura para os turistas e argumentar que não tem dinheiro para investir na educação?
Não ignoro que a copa pode gerar empregos temporários para um bom número de trabalhadores, que os organizadores e analistas estimam que circulem pelas cidades que sediarão a copa no Brasil, em um mês, cerca de 500 mil turistas, o que, segundo afirmam, corresponde a 10% do total de turistas recebidos em um ano inteiro. Além de jornalistas, voluntários e convidados da FIFA.
O que não consigo entender é porque o governo ignore que, só neste ano de 2011, profissionais, servidores públicos de várias categorias, foram obrigados a entrar em greve, por falta de salário justo, carreira e condições adequadas de trabalho: Quem não lembra dos bombeiros que foram agredidos por policiais militares por reinivndicarem seus direitos; policiais civis, professores da rede federal, estadual e municipal em vários estados da federação. Para a copa, o Brasil tem mais de 17 bilhões destinados a arrumar a casa e ficar bem na fita. Mas para os brasileiros, servidores públicos, têm a força policial. O governador do estado do Ceará e seus impropérios e falta de educação contra os professores do estado; a greve de Minas, da Bahia, do Maranhão, só pra citar alguns casos. As doenças historicamente erradicadas, ressurgindo a todo vapor. Os números de casos de meningite que são pouco divulgados pelos meios de comunicação.
Já que no país do futebol, os brasileiros não têm espaço nem de gandula. Só resta dizer: “Viva o Brasil, país do futebol”, enquanto morrem os brasileiros.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A Felicidade e seus sentidos




Epitácio Rodrigues

A linguagem é a expressão grandiloquente do nosso esforço para codificar o mistério que somos para nós mesmos. Por isso, compreender o ser humano é interpretar o que ele diz. Falando de outro modo, a arte de expressar não tem nas palavras um fim em si mesmo. Não queremos comunicar palavras, mas a nós mesmos através delas. Sem a percepção disto, as palavras ficam reduzidas a sinais herméticos e ab-surdos. Disso resulta que o conhecimento mais profundo das experiências humanas passa pela escuta da eloquência originária que a cada trouxe palavra à vida.
Por isso, na busca do entendimento do que seja a Felicidade, o caminho pelo qual decidimos trilhar é o da perscruta dessa palavra nas suas origens, no lugar sonoro que a trouxe à vida: a cultura grega.
Os gregos, no período clássico antigo, faziam uso de três palavras para designar a felicidade: eutyxía, makaría e eudaimonía. Porém, cada uma delas possui uma acentuação diferente. No caso da Eutyxía parece expressar uma compreensão de felicidade voltada basicamente para o bom êxito, como sugere a etimologia do termo: eu-adv. bom, boa, bem e tyxē s.f. – sorte, fortuna, êxito. Seu uso é menos frequente em relação aos outros termos.
No que se refere à palavra makaría, embora seja considerada sinônimo de felicidade - eudaimonia -, é utilizada, frequentemente, para designar um estado de satisfação humana completa e desvinculada das vicissitudes do mundo. Sendo, portanto, o ideal de satisfação humana independente da relação do homem com o mundo e, por isso, limitada à esfera contemplativa e religiosa[1] É nesse sentido de vinculação com a contemplação que se deve entender as afirmações de Aristóteles, na Ética à Nicômaco:

A atividade dos deuses, que ultrapassa todos os outros pela bem-aventurança, deve ser contemplativa; e entre as atividades humanas, a que mais afinidade tem com esta é a que mais deve participar da felicidade. [...] ao passo que nenhum dos outros animais é feliz, visto não participarem de modo algum da contemplação. (2002, p.232 e p. 36)

Assim, embora o filósofo use, às vezes, makaría como alternativa à eudaimonía, aquela está sempre associada à idéia de contemplação. Do mesmo modo, a ligação de makaría ao universo religioso é amplamente constatada na tradição cristã, que usa o termo mais de cinquenta vezes no Novo Testamento para se referir à felicidade. O discurso das Bem-Aventuranças é um exemplo eloquente a esse respeito: Makárioi oi ptôxoi to pneúmati oti auton estin ê basiléia to ouranon. (felizes ou bem aventurados os pobres em espírito porque deles é o reino dos céus).[2]
No texto se vê claramente uma compreensão de felicidade que aponta para o futuro, apesar do sofrimento presente. Isso explica porque os teólogos da tradição cristã latina sempre rejeitaram o termo, felicitas, para traduzir makaría, mas sempre traduzindo por beatitudo (beatitude, bem-aventurança).
Se o discurso teológico sempre se serviu de makaría, o discurso filosófico grego, tradicionalmente, fez uso do termo eudaimonía para se referir à felicidade. O termo formado pelo advérbio eu-bom e pelo substantivo daimon – gênio (literalmente bom gênio) designa de modo geral um estado de satisfação humana devido à sua situação no mundo e entre os outros seres humanos. Dessa compreensão, podemos observar a presença de quatro elementos fundamentais: a felicidade é vista como um “estado de satisfação”, ressaltando um caráter mais provisório do que uma característica inerente ao ser humano: “eu sou feliz agora” ou “eu estou feliz”. Esse caráter provisório é explicitado pela vinculação à situação. Outro elemento é o caráter mundano, ou seja, é aqui na terra, neste lugar histórico e espacial, o lugar da felicidade. E, por fim, é uma construção humana. Não é uma dádiva divina, mas um desafio humano. É na relação interpessoal e intrapessoal, na relação com a natureza que se constrói esse estado de satisfação, situacional, mundano e humano chamado eudaimonía ou felicidade. Por se tratar de uma construção humana é que os filósofos vão, muito cedo, entender que a eudaimonía é algo a ser ensinado e aprendido. Por isso, os mestres do pensamento humano apresentar-se-ão como pedagogos da felicidade (eudaimonía). Para eles, a felicidade é um sinal inconteste da sabedoria e como caminho a arte de pensar: “Você se torna aquilo que você pensa”, dirá Epicteto. Noutras palavras, a nossa busca é a felicidade; nosso caminho, o pensar nossas ações.


[1] Cf. ABBAGNANO, p 100 e 412.
[2] No texto grego: Makaria oi ptwcoi tw pveumati  oti autwv estiv h Basileia tw ouranwn. (Mt 5,3).

Ensaio SOBRE A OPINIÃO

“Ah, como uma cabeça banal se parece com outra! Elas realmente foram todas moldadas na mesma forma! A cada uma delas ocorre a mesma ide...