domingo, 27 de março de 2011

“Os jovens não gostam de Filosofia?!” – “Quem disse!?”




Prof.: Epitácio Rodrigues

Michael de Montaige, disse certa vez: é melhor uma cabeça feita do que uma cabeça cheia. Entre os professores da área é comum reclamações de que os jovens “não curtem” filosofia. Esse desinteresse é justificado com o discurso do sintoma desta geração que não gosta de pensar. Sobre esse assunto, gostaria de apresentar algumas considerações. A primeira observação é a seguinte: não gostar de filosofia não é o mesmo que não gostar de pensar. Identificar o ser filósofo com o ser pensador é querer determinar a Filosofia como a única forma autêntica de pensar. Isso é um ontologismo ingênuo e arbitrário, pois, se é verdade que a filosofia tem a racionalidade como sua marca característica, não é toda racionalidade ou exercício de pensamento que é filosófico. A Filosofia trabalha com uma forma muito específica de pensar: o pensar por conceito. Além desta, existem outras como o pensar geográfico, histórico, sociológico, matemático, artístico... Todas modos autênticos de pensar, refletir e analisar criticamente a realidade humana.
A segunda observação diz respeito ao histórico dessa disciplina na educação básica do nosso país, mas especificamente do ensino médio. Todos nós sabemos que os jovens brasileiros não têm uma história de convivência com a Filosofia. São filhos de uma geração que nem sequer estudou essa disciplina no ensino médio, já que ela foi retirada do currículo do ensino médio na década de 60 e só retornou como disciplina obrigatória em 2006. Portanto, enquanto nós, os professores, estamos administrando as lacunas didáticas dessa ausência intencional e perniciosa, os jovens ainda estão se acostumando com o nome filosofia, que nem fazia parte do seu vocabulário cotidiano.
Por fim, é preciso saber com qual modelo de filosofia eles estão tendo contato? Nas escolas, normalmente esses jovens são obrigados a estudar uma longa história das idéias filosóficas, sem grandes atrativos ou relevância imediata para os seus conflitos, anseios e aspirações mais imediatos. No máximo, esse modelo de filosofia lhes oferecerá um pouco de erudição. Já os autores que escrevem livros com rotulações de filosofia para jovens, não raro, consideram suficiente apresentar textos resumidos e superficiais sobre temas como liberdade, paixão, amizade e congêneres, vendendo a falsa ilusão de que eles, os jovens leitores, serão autênticos aprendizes de filósofo. Vejo aí dois problemas graves: primeiro, nesses textos os autores pensam pelos jovens, decidem por eles os pontos de vistas ou pensamentos que devem ser adotados, não possibilitando ao leitor um exercício racio-conceitual de compreensão do seu mundo e da sua vida; segundo, quem escreve é quem, mais uma vez, determina quais conteúdos filosóficos devem encher a cabeça dos jovens.
No nosso entender, os conteúdos tradicionalmente considerados filosóficos têm um inquestionável valor, mas quem se sentiria motivado a querer estudar filosofia depois de um texto Heidegger, logo de cara, ou os intermináveis diálogos da República de Platão, ou ainda as sutilezas de Aristóteles e Tomás de Aquino, numa linguagem altamente metafísica, ou ainda a Crítica da Razão Pura de Kant e ou a Fenomenologia do Espírito de Hegel.
A grande dívida de gratidão que a Filosofia tem com os jovens atenienses, que escreveram as discussões engendradas nas praças públicas, só foi possível porque, Sócrates, um senhor senil, ousou ouvir dos jovens o que realmente era pertinente para eles, sobre o que eles queriam filosofar. Uma ousadia que lhe custou a própria vida, sob a acusação de corruptor da juventude.
Não quero aqui pregar um menosprezo pelos conteúdos filosóficos tradicionais, mas o simplesmente chamar a atenção para algo que os existencialistas já aludiam na primeira metade do século passado: o conteúdo filosófico por excelência é tudo que diz respeito ao homem concreto e cotidiano - suas angústias, sua relações interpessoais truncadas, sua desarmonia com a história vida, com o universo e com os valores, suas amarras e desconfianças sobre o sentido último da vida. Nesse sentido, concordamos com Sautet, quando afirma:

a filosofia não depende de seus assuntos. Não é uma ‘matéria’ a ser ensinada nem um campo a cultivar; é um estado de espírito, um modo de se servir do próprio intelecto. O filósofo não tem um objeto próprio. Parte das idéias aceitas, das opiniões do senso comum, das ideologias dominantes, das revelações religiosas, das respostas dadas pela ciência, para submetê-las a um exame. Tudo, portanto, é objeto de sua reflexão. O neófito não tem nenhuma necessidade de construir para si uma montanha de assuntos apropriados a essa disciplina. Eles não existem. Não há especificidade do objeto da filosofia: filosofar é questionar, no sentido mais banal do termo, aquilo que já está dado como resposta e que, na verdade, não convém.” (Um café para Sócrates.1999, p. 35).

Penso que não devemos somente mostrar os conteúdos que a filosofia tem para eles; mas também ousar perguntar e ouvir os conteúdos que eles têm para a Filosofia. Quem sabe assim os jovens com os quais interagimos em sala comecem a curtir o lance de pensar por conceito.

Ensaio SOBRE A OPINIÃO

“Ah, como uma cabeça banal se parece com outra! Elas realmente foram todas moldadas na mesma forma! A cada uma delas ocorre a mesma ide...