quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Por que estudar Filosofia no Ensino Médio?




Epitácio Rodrigues
Professor de Filosofia

Já encontrei várias vezes essa mesma indagação e também várias respostas diferentes. Mas percebo que existe um certo romantismo e uma tentativa de justificar o caráter não utilitário da Filosofia no contexto atual. A questão precisa ser respondida com muita serenidade e a partir do foco certo. O jovem do Ensino Médio não deve estudar Filosofia porque ela vai ajudá-lo a desenvolver o senso crítico, como se ela fosse a única forma de saber capaz de fazê-lo pensar criticamente. Aqui devo até deixar muito claro que a Filosofia pode sim fazer-nos pensar criticamente, mas ela também pode ser usada para justificar ideologicamente certas posições políticas. Não é somente por uma questão de formação da consciência crítica, pois o jovem do Ensino Médio pode ser levado a pensar de acordo com interesses ideológicos viciados também.
Quando se diz que a Filosofia é um saber voltado à formação do jovem para a cidadania, devemos lembrar que isso é uma responsabilidade de todo o processo de educação formal. Ademais fica sempre no ar uma indagação sobre o que se pensa por cidadania nos setores da educação do estado Brasileiro. Noutras palavras, a formação da consciência crítica e a formação para o exercício da cidadania são razões plausíveis, porém ainda muito românticas e pouco esclarecidas. Elas são razões insuficientes para justificar a presença obrigatória da filosofia no ensino médio.
Outro engano é querer que a Filosofia seja a cura do mal de não pensar. Aliás, quando se ouve falar em filosofia para jovens, passa-se, comumente, a impressão equivocada de que os jovens não pensam. Essa é uma forma infeliz de se apresentar essa nova proposta que é, inegavelmente, de grande valor formativo. Porém, o que precisa ser esclarecido é que se trata de uma proposta de reeducação - não de domesticação - da construção de raciocínio dos jovens, na qual se procure romper com a prática reflexiva dispersa, assistemática e acentuadamente funcional que nos condiciona a pensar apenas as tarefas do dia-a-dia. O resultado disso é uma compreensão confusa, fragmentada e superficial da nossa existência e da nossa própria situação.
A importância da Filosofia para os jovens educandos não é tirá-los da ignorância, como se eles fossem incapazes de pensar, mas ajudá-los a usar o seu potencial intelectivo de um modo menos assistemático e mais profundo. Quando se utiliza o pensamento ordenada e conscientemente, ganha-se tempo, chega-se a conclusões mais acertadas e resolve-se melhor os desafios que fazem parte da nossa vida.
A juventude é um tempo de transição, por isso mesmo marcada por descobertas. É também o momento em que a conjuntura social começa a cobrar-lhes responsabilidade pelos seus atos. Ora, a Filosofia, como instrumento de re-educação do pensamento conceitual, pode ajudar os jovens entender melhor a realidade e os tornar mais livres. Afinal, cada vez mais cedo o jovem é instigado a se posicionar frente a fatos ou situações que envolvem interesses de toda a sociedade. Por isso, simplesmente dizer “sim” ou “não”, sem uma avaliação mais criteriosamente dos possíveis impactos, não é liberdade, mas inconseqüência.
Diante da pergunta: por que estudar Filosofia no Ensino Médio? A resposta deve ser muito clara. Pela mesma razão que se deve estudar História, Geografia, Matemática etc. Ou seja, a educação é um processo de transmissão e reelaboração de conhecimentos social e historicamente construídos pelo ser humano, tendo em vista o desenvolvimento das condições materiais de sua própria sobrevivência na terra. Noutras palavras, estuda-se história porque somos seres históricos e por isso desenvolvemos uma forma de construção de conhecimento que nos possibilite situar-nos tempo, preservando a nossa memória como elemento fundamental de construção de nossa identidade social no tempo. Estudamos Geografia porque somos seres que existem dentro de um espaço complexo e simbólico que chamamos de espaço geográfico, e por essa razão desenvolvemos um modo de pensar e construir conhecimentos dentro de uma representação de espacialidade física e humana. Por que estudamos Matemática? Porque, para nossa sobrevivência, temos a necessidade de quantificar a nossa própria relação com o espaço, com os seres e com os objetos em geral. Ou seja, a realidade é marcada pela unidade e pela pluralidade e, para nos relacionarmos com outros indivíduos e com a natureza como um todo, somos obrigados a desenvolver um modo de pensar e compreender a realidade a partir das referências quantitativas.
Assim, a História, a Geografia, a Matemática e todos os outros modos de conhecimentos resultam de uma necessidade existencial: o provimento das condições epistemológicas e materiais que garantam a nossa sobrevivência na terra. Essas ciências são apenas sistematizações de conhecimentos humanos desenvolvidos para a satisfação das nossas próprias necessidades e nascem da condição humana de provedor das suas condições simbólicas e materiais de existência. Surge então a indagação: como a Filosofia se insere nessa dinâmica? A Filosofia, dentro desse processo, se justifica pela intrínseca necessidade que temos de encontrar sentido nas coisas. Nas palavras de Severino(2007):

Todo esforço da consciência filosófica da realidade é um fim em si mesma na exata medida em que a existência humana como um todo é sua meta! Todo esforço da consciência filosófica na busca do sentido das coisas tem, na verdade, a finalidade de compreender de maneira integrada o próprio sentido da existência do homem! Temos, então, de fato, uma nova pragmaticidade: o homem não consegue viver e existir apenas como um fato bruto, ele sente necessidade inevitável de compreender sua própria existência. Portanto, o esforço despendido pela consciência no seu refletir filosófico não é só mero diletantismo intelectual, nem puro desvario ideológico, nem tentativa de representação do mundo para fins pragmáticos. É antes a busca insistente do significado mais profundo da sua existência, sem dúvida alguma para torná-lo mais adequada a si mesmo! (p.24-25).

Ou seja, a Filosofia, no seu aspecto global e originário, nasce da necessidade humana de encontrar ou construir o sentido da sua própria existência, para além das experiências imediatas e pragmáticas do dia-a-dia. Ela tem, portanto, a dimensão de busca às respostas mais teleológicas para o que somos, o que fazemos, o que pensamos, o que dizemos e o que esperamos. Isso, por si só, explica e justifica a razão de ser da própria Filosofia. Mas fica a indagação: quem não filosofa não tem uma vida com sentido? Seria uma injustiça afirmar tal coisa. Porém, o que se explicita aqui é que a Filosofia nasce de um esforço para fundamentar a nossa própria existência sobre uma base conceitual quando os discursos míticos, as explicações religiosas e o dogmatismo ingênuo do senso comum se mostraram insatisfatórios aos espíritos mais aguçados e ávidos de uma fundamentação coerente, consistente e racional da sua própria razão de ser-no-mundo. Com isso, já aponto para uma justificação plausível à presença da Filosofia no Ensino Médio. Essa busca de uma fundamentação racional das diversas dimensões do ser humano, alicerçada sobre uma base conceitual, gerou um modo de pensar que não está presente em nenhumas das outras disciplinas estudadas no Ensino Médio. Ou seja, existe uma forma de pensar e construir conhecimentos que somente a Filosofia dispõe e que pode auxiliar os jovens a lançar as bases para uma compreensão da realidade que seja menos reativa e naturalizante e passe a ter uma postura mais problematizadora, mais crítica, mais analítica e que se habitue a buscar o fundamentos das ideias, dos discursos e das práticas humanas, entendendo-as como expressões de posições políticas e ideológicas.
Em resumo, podemos dizer que a razão para se estudar Filosofia, de modo geral, nasce da humana necessidade de dar sentido à existência como ser-no-mundo. Depois, aos jovens, o estudo da Filosofia se justifica porque essa busca pelo sentido das coisas gerou um modo de construção de conhecimento conceitual da realidade que possui inegável valor para a formação integral do ser humano e que eles, portanto, merecem e têm o direito de ter acesso a essa forma de saber elaborado e sistematizado chamado Filosofia.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A ESCOLA DE FRANKFURT – Texto I.



(conteúdo para o 4º bimestre do 2º ano do Ensino Médio)

A ESCOLA DA FRANKFURT: Uma Teoria Crítica contra a situação existente
Escola de Frankfurt é o nome dado ao grupo de pensadores alemães do Instituto de Pesquisas sociais de Frankfurt, fundada em 1920. Sua produção ficou conhecida como Teoria Crítica. Entre eles destacaram-se Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamim, Herbert Marcuse, Erich Fromm e Jürgen Habermas.
Apesar de haver grandes diferenças de pensamento entre esses autores, identificamos neles a preocupação comum de estudar variados e aspectos da vida social, de modo a compor uma teoria crítica da sociedade como um todo. Para tanto, investigaram as relações existentes entre os campos da economia, da psicologia, da história e da antropologia.
Os pontos de partidas fundamentais de suas reflexões foram a teoria marxista (na verdade, uma leitura bastante original dessa teoria) e a teoria freudiana, que trouxe à tona elementos novos sobre o psiquismo das pessoas. Mas há também outras influências, como as de Hegel, Kant ou do sociólogo Max Weber.
A escola de Frankfurt concentrou seu interesse na análise da sociedade de massa, termo que busca caracterizar a sociedade atual, na qual o avanço tecnológico é colocado a serviço da reprodução da lógica capitalista, enfatizando o consumo e a diversão como formas de garantir o apaziguamento e a diluição dos problemas sociais.

Adorno e Horkheimer
Nessa análise, que se desdobra em vários aspectos, um tema muito presente é a crítica da razão. De acordo com Max Horkheimer (18895-1973) e Theodor Adorno (1906-1969), a razão iluminista, que visava a emancipação dos indivíduos e o progresso social, terminou por levar a uma maior dominação das pessoas em virtude justamente do desenvolvimento tecnológico-industrial. Horkheimer acreditava que o problema estava na própria razão controladora e instrumental, que busca sempre a dominação, tanto da natureza quanto do próprio ser humano.
Em um texto de autoria de Horkheimer e Adorno, A dialética do esclarecimento, de 1947, o os dois fazem dura crítica ao iluminismo, que estimulou o desenvolvimento dessa razão controladora e instrumental que predomina na sociedade contemporânea. Denunciam também o desencantamento do mundo, a deturpação das consciências individuais, a assimilação dos indivíduos ao sistema social dominante.
Em resumo, Horkheimer e Adorno denunciam a morte da razão crítica, asfixiada pelas relações de produção capitalista. Se denúncias semelhantes já haviam sido feitas no campo do marxismo, o que há de característico nos filósofos da Escola de Frankfurt e a desesperança em relação à possibilidade de transformação dessa realidade social. Isso se deveria a uma ausência de consciência revolucionária no proletariado (trabalhadores), que teria sido assimilado, absorvido pelo sistema capitalista, seja pelas conquistas trabalhistas alcançadas, seja pela alienação de suas consciências promovidas pela indústria cultural.
Indústria Cultural é um termo difundido por Adorno e Horkheimer da diversão vulgar, veiculada pela televisão, rádio, revistas, jornais, músicas, propagandas etc. Através da indústria cultural e da diversão se obteria a homogeneização dos comportamentos, a massificação das pessoas.
A falta de perspectiva da transformação social levou Adorno a se refugiar na teoria estética, por entender que o campo da arte é o único reduto autêntico da razão emancipatória e da crítica à opressão social. (COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 15 ed. reform. e ampli. São Paulo. Saraiva. pp.233-234)
 

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A Origem do Dia do Professor no Brasil


   O Dia do Professor é comemorado no dia 15 de outubro. Mas poucos sabem como e quando surgiu este costume no Brasil.
    No dia 15 de outubro de 1827 (dia consagrado à educadora Santa Tereza D’Ávila), D. Pedro I baixou um Decreto Imperial que criou o Ensino Elementar no Brasil. Pelo decreto, “todas as cidades, vilas e lugarejos tivessem suas escolas de primeiras letras”. Esse decreto falava de bastante coisa: descentralização do ensino, o salário dos professores, as matérias básicas que todos os alunos deveriam aprender e até como os professores deveriam ser contratados. A idéia, inovadora e revolucionária, teria sido ótima - caso tivesse sido cumprida.
   Mas foi somente em 1947, 120 anos após o referido decreto, que ocorreu a primeira comemoração de um dia dedicado ao Professor.
   Começou em São Paulo, em uma pequena escola no número 1520 da Rua Augusta, onde existia o Ginásio Caetano de Campos, conhecido como “Caetaninho”. O longo período letivo do segundo semestre ia de 01 de junho a 15 de dezembro, com apenas 10 dias de férias em todo este período. Quatro professores tiveram a idéia de organizar um dia de parada para se evitar a estafa – e também de congraçamento e análise de rumos para o restante do ano.
    O professor Salomão Becker sugeriu que o encontro se desse no dia de 15 de outubro, data em que, na sua cidade natal, professores e alunos traziam doces de casa para uma pequena confraternização. Com os professores Alfredo Gomes, Antônio Pereira e Claudino Busko, a idéia estava lançada, para depois crescer e implantar-se por todo o Brasil.
   A celebração, que se mostrou um sucesso, espalhou-se pela cidade e pelo país nos anos seguintes, até ser oficializada nacionalmente como feriado escolar pelo Decreto Federal 52.682, de 14 de outubro de 1963. O Decreto definia a essência e razão do feriado: "Para comemorar condignamente o Dia do Professor, os estabelecimentos de ensino farão promover solenidades, em que se enalteça a função do mestre na sociedade moderna, fazendo participar os alunos e as famílias".

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

FILOSOFIA POLÍTICA: PODER, GOVERNO, DEMOCRACIA E DITADURA

(COTRIM,Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas, 15ª ed. reform. e ampl. São Paulo. Saraiva, 2002, pp. 290-295. 309-312)
POLÍTICA E PODER
A política como parte da teoria do poder social

O termo política vem do grego polis (cidade-Estado), servindo para designar, desde a Antiguidade, o campo da atividade humana que se refere à cidade, ao Estado e às coisas de interesse público.
A obra de Aristóteles intitulada Política é considerada um dos primeiros tratados sistemáticos sobre a arte e a ciência de governa a polis. Foi devido, em grande medida, a essa obra clássica que o termo política se firmou nas línguas ocidentais.
Para Aristóteles, a política era uma continuação da ética, só que aplicada à vida pública. Assim, depois de refletir sobre o modo de vida que conduz á felicidade do homem em Ética a Nicômaco, Aristóteles investigou em Política as instituições públicas e as formas de governo capazes de propicias uma maneira melhor de viver em sociedade. Aristóteles considerava essa investigação fundamental, pois, segundo ele, “o homem é por natureza um animal social”.
Esse conceito grego de política como esfera de realização do bem comum se tornou um conceito clássico e permanente até os nossos dias, mesmo que seja como um ideal a ser alcançado.
No entanto, conforme assimilou o filósofo e jurista italiano contemporâneo Norberto Bobbio, o conceito moderno de política está estritamente ligado ao de poder. Essa ligação é enfatizada na celebra definição dada pelos cientistas políticos norte-americanos H. D. Lasswell e A. Klapan: “Política é o processo de formação, distribuição e exercício do poder”.

A TIPOLOGIA DAS TRÊS FORMAS DO PODER
Os estudos de política geralmente iniciam com uma análise do fenômeno do poder social. Bertrand Russel definiu-o da seguinte maneira: “Poder é a posse dos meios que levam à produção de feitos desejados”.
Em outras palavras, o indivíduo que detém os meios de poder torna-se capaz de exercer várias formas de domínio e, por meio delas, pode alcançar os efeitos que desejar.
O fenômeno do poder costuma ser dividido em duas categorias: o poder do homem sobre a natureza e o poder do homem sobre os outros homens. Frequentemente, essas duas categorias de poder andam juntas, uma influindo na outra.
A ciência política estuda, sobretudo, o poder do homem sobre outros homens, isto é, o poder social, mas também se interessa pelo poder sobre a natureza, porque essa categoria de domínio também se transforma em instrumento de poder social.
Se levarmos em conta o meio do qual se serve o detentor do poder para conseguir os feitos desejados, destacam-se três formas de poder: o econômico, o ideológico e o político.
O poder econômico utiliza a posse de certos bens socialmente necessários para induzir aqueles que não os possuem a adotar determinados comportamentos, como, por exemplo, realizar determinado trabalho.
O poder ideológico utiliza a posse de certas idéias, valores, doutrinas para influenciar a conduta alheia, induzindo as pessoas a determinados modos de pensar e agir.
O poder político utiliza a posse dos meios de coerção social, isto é, o uso da força física considerada legal ou autorizada pelo direito vigente na sociedade.

O que têm em comum essas três formas de poder é que elas contribuem conjuntamente para instituir e manter sociedades de desiguais divididas em fortes e fracos, com base no poder político; ricos e pobres, como base poder econômico; em sábios e ignorantes, com base no poder ideológico. Genericamente, em superiores e inferiores. (BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. Para uma teoria geral da política, p.83)

O poder econômico preocupa-se em garantir o domínio da riqueza controlando a organização das forças produtivas (por exemplo: o tipo de produção e o alcance de consumo das mercadorias). O poder ideológico preocupa-se m garantir o domínio sobre o saber controlando a organização do consenso social (por exemplo: os meios de comunicação de massa – televisão, jornais, rádios, revistas etc.). E o poder político preocupa-se em garantir o domínio da força institucional e jurídica controlando os instrumentos de coerção social (por exemplo: forças armadas, órgãos de fiscalização, polícia, tribunais etc.).

Como poder cujo meio específico é a força, de longe o meio mais eficaz para condicionar os comportamentos, o poder político é, em toda a sociedade de desiguais, o poder supremo, ou seja, o poder ao qual todos os demais estão de algum modo subordinados.
BOBBIO, Norberto. et alii. Dicionário de política, p.995-96.

O ESTADO

Essa instituição todo-poderosa da sociedade
O Estado é uma das mais complexas instituições sociais criadas e desenvolvidas pelo home ao longo da história. Muitos estudiosos procuraram compreender a realidade do Estado, mas foi o pensador alemão Max Weber quem elaborou uma das melhores definições, largamente conhecida e utilizada pelos cientistas sociais e políticos.
Segundo Weber, o estado é a instituição política que, dirigida por um governo soberano, detém o monopólio do uso da força física, em determinado território, subordinando a sociedade que nele vive.

A origem do Estado
Nem sempre o estado existiu. Diversas comunidades, do passado e do presente, organizaram-se sem ele. Nelas não havia classes socas e as funções políticas eram distribuídas pelo conjunto dos membros da comunidade.
Num determinado momento da história de algumas sociedades, com o aprofundamento da divisão social do trabalho, certas funções político-administrativas foram assumidas por um grupo separado de pessoas. Esse grupo passou a deter o poder de impor normas à vida coletiva. Assim surgiu o governo, por meio do qual foi se desenvolvendo o Estado.

A função do Estado
Qual é a função do Estado em relação à sociedade? Dentre as muitas respostas para essa pergunta, vamos destacar duas: uma, fornecida pela corrente liberal, e a outra pela corrente marxista.
Resposta liberal: o que “deve ser” o Estado
Para o pensamento liberal, finalidade do Estado é agir como mediador dos conflitos entre os diversos grupos sociais, conflitos inevitáveis entre os homens. O estado deve promover a conciliação dos grupos sociais, amortecendo os choques dos setores divergentes para evitar a desagregação da sociedade. A função do estado é, portanto, a de alcançar harmonia entre os grupos rivais, preservando os interesses do bem comum.
Entre os pensadores liberais clássicos destacam-se John Locke e Jean Jacques Rousseau.
Resposta marxista: o que o estado “é”
Para o pensamento marxista, o estado não é um simples mediador das lutas de classe. É uma instituição que interfere nessa luta de modo parcial, quase sempre tomando partido das classes socais dominantes. Assim, a função do Estado é garantir o domínio de classe.
Isso ocorre por sua origem. Nascido dos conflitos de classe, o estado tornou-se a instituição controlada pela classe mais poderosa, a classe dominante. Assim, na maior parte dos Estados históricos, os direitos concedidos aos cidadãos são regulados de acordo com as posses dos referidos cidadãos, pelo que se evidencia ser o estado um organismo para a proteção dos que possuem contra os não possuem. (ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, p. 194)
Os fundadores dessa corrente são Karl Marx e Friedrich Engels.

REGIMES POLÍTICOS
As relações entre a sociedade civil e o Estado
Na linguagem política moderna, tornou-se comum estabelecer a contraposição: sociedade civil versus Estado.
Nessa contraposição, o Estado costuma ser entendido como a instituição que exerce o poder coercitivo (a força) por intermédio de suas diversas funções, tanto na administração pública como no judiciário e no legislativo.
Por sua vez, a sociedade civil costuma ser definida como largo campo das relações sociais que se desenvolvem fora do poder institucional do estado. Fazem parte da sociedade civil, por exemplo, os sindicatos, as empresas, as escolas, as igrejas, os clubes, os movimentos populares, as associações culturais.
O relacionamento entre os membros da sociedade civil provoca o surgimento das mais diversas questões econômicas, ideológicas, culturais etc. Questões que, muitas vezes, criam conflitos entre pessoas ou grupos. Em face desses conflitos, o Estado é chamado a intervir.
Nas relações entre Estado e sociedade civil, os partidos políticos desempenham uma função importante: podem atuar como ponte entre a sociedade civil e o Estado, pois não pertencem, por inteiro, nem ao Estado nem à sociedade civil. Assim, cabe aos partidos políticos captar os desejos, as aspirações da sociedade civil, e encaminhá-los para o campo da decisão política do Estado.
Conforme a época e o ligar, o tipo de relacionamento entre Estado e sociedade civil varia bastante. Assim, as relações entre governantes e governados podem tender tanto para um esquema fechado, caracterizado pela opressão e autoritarismo do estado sobre a sociedade, como para um esquema aberto, evidenciado pela maior participação política da sociedade nas questões do estado e pelo respeito que o poder público confere aos direitos individuais e coletivos.
Regime político é justamente o modo característico pelo qual o Estado se relaciona com a sociedade civil.
 Na linguagem política atual, os regimes políticos são classificados em dois tipos fundamentais: democracia e ditadura.

DEMOCRACIA: A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DO POVO
Democracia é uma palavra de origem grega que significa poder do povo (demo, “povo”; cracia, “poder”).
Foi a antiga cidade grega de Atenas que deixou ao mundo ocidental uma das mais citadas referências de regime democrático. Em Atenas, os cidadãos (pequena parcela da população ateniense) participavam diretamente das assembléias e decidiam os rumos políticos da cidade. Havia, portanto, em Atenas, uma democracia direta.
Em nossa época, a democracia direta praticamente não existe mais. Os Estados foram ficando, com o tempo, muito complexos, os territórios extensos e as populações numerosas. Tornou-se inviável a proposta de os próprios cidadãos exercerem diretamente o poder. Assim, a democracia deixou de ser o governo direto do povo. O que encontramos, atualmente, é a democracia representativa, em que os cidadãos elegem seus representantes políticos para o governo do Estado.
O ideal de democracia representativa é ser o governo dos representantes do povo. Representantes que deveriam exercer o poder pelo povo e para o povo.
Nos dias de hoje, um Estado costuma ser considerado democrático quando apresenta as seguintes características:
·      Participação política do povo – o povo exerce o direito de participar das decisões políticas elegendo seus representantes no poder público. Geralmente, essa participação é garantida através do direito ao voto direto e secreto, em eleições periódicas. Existem, ainda, outras formas de manifestação política do povo: o plebiscito, o referendo, as reuniões populares (passeatas, associações em praça pública etc.).
·      Divisão funcional do poder político – o poder político do Estado não fica concentrado num único órgão. Ao contrário, apresenta-se dividido em vários órgãos, que se agrupam em torno das seguintes funções típicas: função legislativa (elaboração das leis); função executiva (execução das leis pela administração pública); função jurisdicional (aplicação das leis e distribuição da justiça). Nos regimes democráticos, deve existir independência e harmonia entre os poderes legislativo, executivo e judiciário.
·      Vigência do estado de direito – O poder político é exercido dentro dos limites traçados pela lei a todos imposta. A lei, assim, subordina tanto o Estado como a sociedade. Onde vigora o Estado de direito, o cidadão respeita o Estado. Mas o Estado também respeita os direitos do cidadão, como, por exemplo, o direito á liberdade de pensamento, expressão, associação, imprensa, locomoção etc. \Na democracia,
O governo deve ser de muitos para resistir à imposição de poucos, e o poder deve limitado pelas normas para evitar o arbítrio discrimiatáorio de quem o exerce. O reconhecimento destas regras tem como objetivo conseguir na vida coletiva o salto qualitativo da passagem do reino da violência para o reino da não-violência, através da domesticação do poder pelo direito. (LAFER, Celso. Trecho do discurso proferido na abertura da 47ª Assembléia da ONU. O Estado de São Paulo, 22.set. 1992.)

DITADURA: CONCENTRAÇÃO DO PODER POLÍTICO
Ditadura é uma palavra de origem latina, derivada de dictare, “ditar ordens”. Na antiga república romana, ditador era o magistrado que detinha temporariamente plenos poderes, após ser leito para enfrentar situações excepcionais, como, por exemplo, os casos de guerra. Seu mandato era limitado a seis meses, embora houvesse a possibilidade de renovação, dependendo da gravidade das circunstâncias.
Comparado com suas origens históricas, o conceito de ditadura conservou apenas esse caráter de poder excepcional, concentrado nas mãos do governo. Atualmente, um Estado costuma se considerado ditatorial quando apresenta as seguintes características:
·      Eliminação da participação popular nas decisões políticas – O povo não tem nenhuma participação no processo de escolha dos ocupantes do poder político. Não existem eleições periódicas (ou, quando existem, são eleições fraudulentas) e são proibidas as manifestações públicas de caráter político.
·      Concentração do poder político – O poder político fica centralizado nas mãos de um único governante (ditadura pessoal) ou de um órgão colegiado de governo (ditadura colegiada). Geralmente, o ditador é membro do poder executivo. O poder legislativo e o poder judiciário são aniquilados ou bastante enfraquecidos.
·      Inexistência do estado de direito – O poder ditatorial é exercido sem limitação jurídica. As leis só valem para a sociedade. O ditador está acima das leis. E, nessa condição, costuma desrespeitar todos os direitos fundamentais do cidadão, principalmente o direito de livre expressão e a liberdade de associação política.
·      Fortalecimento dos órgãos de repressão – As ditaduras montam um forte mecanismo de repressão policial destinado a perseguir brutalmente todos os cidadãos considerados adversários da ditadura. Esses órgãos de repressão espalham pânico na sociedade, implantam um verdadeiro terrorismo de Estado, utilizando terríveis métodos de tortura e de morte.
·      Controle dos meios de comunicação de massa – As ditaduras procuram controlar todos os meios de comunicação de massa, como programas de rádio e de televisão, espetáculos de teatro, filmes exibidos pelo cinema, jornais e revistas etc. Monta-se um departamento autoritário de censura oficial destinado a proibir tudo aquilo que é considerado contra o governo. Somente são aprovadas as mensagens públicas julgadas favoráveis ao governo ditatorial.
Uso desses instrumentos de controle e opressão podem ser historicamente analisados em diversos regimes ditatoriais de nosso século. Exemplos: as ditaduras implantadas por Hitler (Alemanha nazista), Stálin (União Soviética), Fidel Castro ( Cuba), Pinochet (Chile), Getúlio Vargas (Brasil), Franco (Espanha) e regimes militares como os que vigoraram na Argentina, Brasil etc.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

AS ESCOLAS FILOSÓFICAS NO PERÍODO DO HELENISMO


Prof.: Epitácio Rodrigues


   Depois da morte de Platão e de Aristóteles, os dois grandes nomes da Filosofia clássica grega e o advento do helenismo com Alexandre Magno, os novos filósofos mudam consideravelmente o rumo das suas investigações e as novas escolas filosóficas buscam responder como orientar a vida para encontrar a verdadeira felicidade, numa forma de organização político social, na qual os interesses coletivos cedem lugar aos interesses privados, e o conceito de cidadão desaparece, dando origem ao conceito de individuo. As principais escolas filosóficas da época são: epicurismo, estoicismo, ceticismo e ecletismo.

1. Epicurismo
   Epicuro de Samos (341-270 a.C) fundou sua escola na cidade de Atenas em 306. Ela se manteve por mais de seis séculos, e se propagou depois a Roma e Oriente. De seus escritos restaram somente alguns fragmentos: máximas capitais, Cartas e Sobre a Natureza.
Ensina a seus discípulos a ataraxia (= imperturbabilidade); para consegui-la, é preciso viver às ocultas, fugindo de empreendimentos. Sua filosofia está fundamentada numa visão atomista e materialista da natureza e da alma humana.
   Para Epicuro, a filosofia tem a missão de libertar o homem das turbulências que o agitam. “Deves servir à filosofia só para alcançar a verdadeira liberdade”. O que perturba o ser humano são quatro erros, dos quais ele se liberta só quando os domina e reconhece que são somente opiniões. São eles: temor dos deuses, medo da morte, ânsia dos prazeres, tristeza pelas dores. A filosofia nos oferece os quatros remédios para desprendermo-nos desses erros, através de um verdadeiro conhecimento do mundo e uma verdadeira doutrina da natureza.
   Temor dos Deuses. Os deuses existem em sua divindade, em perfeita serenidade nos espaços intermundanos que os separam dos homens, alimentados pelos afluxos de átomos que equilibram o fluxo de átomos. Frente aos deuses o homem deve ter uma atitude de desinteresse, e não de culto servil de imploração e conjuros, alimentados pelo interesse e temor aos deuses.
  Temor da Morte. Epicuro considera o medo da morte um temor e sofrimento desnecessário, pois o nosso nascimento é apenas o resultado de um entrechoque de átomos que se combinam originando essa unidade psicossomática que somos nós. A morte é somente a desagregação corpórea (onde reside a nossa sensibilidade) dessa unidade psicossomática, de tal forma que não sentiremos mais nada quando isso acontecer. Noutras palavras, nunca nos encontraremos com a morte, pois, enquanto existimos, ela não existe para nós, e quando ela chega, nós é que não existimos mais para ela, pois perdemos a capacidade de sentir.
   Ânsia de prazeres. O verdadeiro critério de avaliação do bem e do mal é o prazer e a dor. Todos nós tendemos para o prazer, mas nem todo prazer nos conduz à felicidade; os prazeres sensuais só nos acarretam mais dor, pois a dor é proporcionada por nossas necessidades; portanto, não é este o caminho do verdadeiro prazer. Assim transmuta o prazer fugaz, pregado pelo hedonismo, em um prazer perene e permanente, que coincida com toda ausência de dor.
   Temor à dor. Como dissemos antes, o prazer fugaz só acentua mais ainda a dor e a infelicidade no homem. Mas esse não é o verdadeiro prazer. O prazer perfeito não é mais que o cessar de todo desejo e de necessidades, o que só se obtêm limitando as necessidades, único meio para conseguir a calma, a imperturbabilidade (ataraxia) e a ausência de toda dor (aponía), que o sábio deve perseguir. Mediante este domínio o homem é capaz de renunciar a um prazer que não é mais que fonte de dor, e transformar um mal que é fonte de prazer perene. Neste domínio o homem chega à contemplação da verdade.

2. Estoicismo
   Zenão de Citio (336-263 a.C ) fundou a Escola do pórtico (stoá). Professa uma física panteísta (A Razão é a alma do mundo). Por conseguinte, a regra suprema é viver conforme a natureza e procurar a apatia ou insensibilidade frente a bens e males. Esta escola teve famosos discípulos latinos: Sêneca (4 - 65 d.C.), o preceptor de Nero, Epicteto (50-138 d.C.), escravo liberto, o imperador Marco Aurélio (121-180 d.C.).
   O homem, na filosofia estóica, é apenas um órgão desse imenso organismo chamado universo, um ser a mais dentre os seres da natureza, e sua alma é apenas uma centelha ou faísca da manifestação da alma divina ou Razão universal. Por isso, a sua liberdade consiste exatamente em compreender e conformar suas ações e vontade às leis da Razão universal, que é a razão perfeita. O estóico deve aceitar e seguir serenamente e com alegria interior a razão universal. Daí a máxima estóica “segue a natureza que é teu guia”. Epitecto, filósofo estóico, resume essa concepção de liberdade, afirmando: “Até hoje não houve coisa alguma que me trouxesse impedimento ou coação. Por quê? Porque sempre dispus minha vontade segundo a Vontade de Deus. Quer Deus que eu tenha febre? também eu quero”. Ou seja, o ideal de liberdade consiste em compreender essa inexorabilidade do universo regido segundo as leis do Logos ou Razão universal e colocar-se em harmonia com ela, numa atitude de profunda resignação da vontade.
   Como a ética estóica defende a felicidade como fim que dá sentido à vida e ao agir humano, ela é considerada finalista e eudemonista. Porém, a vinculação da ética a uma cosmologia monista e materialista , dá ao homem e o seu ideal de felicidade uma compreensão, em muitos aspectos, diferente da aristotélica. Para os estóicos, a vida feliz consiste numa disposição da vontade para aceitar, com serenidade, as coisas como elas são. Isso não significa uma anulação da liberdade, pois além da heróica aceitação da natureza, a ética defende que o homem pode ser livre, basta saber distinguir quais coisas e acontecimentos independem de sua vontade e que, portanto, ele não tem poder sobre elas, por exemplo: sua saúde, morte, etc.. que devem ser tratadas como realidades indiferentes. Mas, pode decidir sobre suas paixões e seus juízos. As paixões são consideradas irracionais e nos afastam da vida segundo a razão, por isso, o homem sábio é aquele capaz de viver a apatheia - apatia, no sentido filosófico estóico -, isto é, a indiferença em relação às emoções e as paixões e, através dela, alcançar a ataraxia, ou seja, o ideal de serenidade ou imperturbabilidade da alma alcançada quando se domina ou elimina as paixões e emoções.

3. Ceticismo
   “O termo cetiscismo vem do sképsis, que significa “investigação”, “procura ele quer indicar mais precisamente que a sabedoria não consiste no conhecimento da verdade, mas na sua procura. De fato, o ceticismo sustenta que o homem não pode conhecer a verdade, mas somente procurá-la.
Conhecer a verdade compete a Deus; investigá-la, ao homem. Existem, pois, duas espécies de sabedoria: uma divina, e outra que consiste na investigação da verdade.
   Antes de Platão e Aristóteles, já se desenvolvera a Grécia uma orientação filosófica essencialmente cética, o famoso movimento dos sofistas. Ele se revigorou e se difundiu largamente durante o período do helenismo, principalmente depois que se tornou a doutrina oficial da escola de Platão, a Academia.
   Os principais expoentes do ceticismo são Pírron, Carnéades e Sexto Empírico.
   Pírron é considerado geralmente como fundador do movimento; viveu entre 360 e 270 a.C. depois de participar, como cavaleiro, da campanha de Alexandre Magno no Oriente, voltou para Elís, sua pátria, onde fundou uma escola de Filosofia. Ensinou uma forma de ceticismo radical.
   Partindo do princípio de que as coisas são inatingíveis ao conhecimento humano, Pírron conclui que para o homem a única atitude cabível é a suspensão (epoché) total do juízo; não se pode afirmar de coisa alguma que seja verdadeira ou falsa, justa ou injusta, e assim por diante.
   Essa suspensão do juízo leva a considerar todas as coisas como indiferentes ao homem e, consequentemente, anão dar preferência a uma coisa em relação à outra.
  De modo que a suspensão do juízo já é, por si mesma, uma ataraxia, ausência de qualquer perturbação e paixão. A felicidade consiste, portanto, na suspensão do juízo.
   As doutrinas de Pírron tiveram larga acolhida na Academia. Isto aconteceu quando os platônicos, persuadidos da validade das críticas de Aristóteles, abandonaram a teoria das Ideias. Tirada a base sobre a qual se apoiava a confiança de Platão no conhecimento humano, não restava aos platônicos outra saída senão refugiar-se no ceticismo.
   Para distinguir a escola platônica que permaneceu fiel aos ensinamentos do mestre de que, abandonando a teoria das idéias, aceitou a posição cética, a primeira foi chamada Velha Academia, e a segunda, Nova Academia. Os principais expoentes desta última são Carnéades e sexto Empírico.
Carnéades (214-129 a.C.) tempera o ceticismo radical de Pírron, admitindo para o homem a possibilidade de conhecer o que é provável, apesar de não lhe reconhecer o poder de atingir a verdade. Para ele, o sábio é aquele que, embora sabendo que a verdade é inatingível, não desiste de procurá-la assiduamente. Na vida prática, o sábio segue o que lhe parece mais próximo da verdade e do bem, o que tem a seu favor mais razões para ser considerado como válido, mesmo que não se manifeste como absolutamente certo e indiscutível.
   Sexto empírico (século II d.C) dá ao ceticismo a exposição mais sistemática e rigorosa. Por vários motivos julga ele que o único sistema filosófico possível é o ceticismo. Os principais são os dois seguintes: a) o profundo desacordo entre os filósofos em relação a qualquer problema; b) os enganos dos sentidos: o conhecimento varia segundo as condições do sujeito (circunstâncias, saúde), segundo as condições do objeto (distancia, posição, ambiente, massas corpóreas) e segundo as relações (freqüência dos acontecimentos).
   Com Sexto Empírico o ceticismo fecha-se em uma posição fenomenística que faz mais do que anular a própria possibilidade do saber, porque limita o conhecimento aos fenômenos e às suas relações experimentáveis, eliminando toda indagação em torno das coisas transcendentes, inverificáveis. Toda indagação metafísica é considerada vã porque fundada no princípio de causalidade e no processo silogístico. Ora, Sexto empírico contesta, ao princípio de causalidade, sucessão de fatos concomitantes ou consecutivos. Quanto ao silogismo, ele o considera um exercício formalístico vazio, que encerra o pensamento num círculo-vicioso. Sexto Empírico não reconhece o valor da lógica apodítica de Aristóteles e se abandona à contigência dos acontecimentos.” (MONDIN, Battista, p.166-118)

4. O Ecletismo

   A palavra ecletismo vem do grego ekléktikós de eklegein: esconder). Hilton Japiassú e Danilo Marcondes definiram o ecletismo como um “método filosófico que consiste em retirar dos diferentes sistemas de pensamento certos elementos ou teses para difundi-los num novo sistema.” (Dicionário Básico de Filosofia, p. 81). Noutras palavras, o ecletismo era uma mistura de proposições e teorias filosóficas, não raro de modo superficial, na qual se buscava captar o melhor dos sistemas filosóficos.
Nas palavras que seguem apresentaremos uma caracterização do ecletismo feita pelo historiador da filosofia Battista Mondin: “entende-se por ecletismo a atitude filosófica para qual a procura da verdade não se esgota em apenas uma forma sistemática e dedica-se por isso a coordenar e harmonizar entre si elementos de verdade escolhidos em diversos sistemas.
   O ecletismo desenvolve-se durante o período alexandrino como reação ao cepticismo.
   Diante do desacordo cada vez mais grave e profundo entre os filósofos, os cépticos, como vimos, tinham perdido totalmente a confiança na capacidade da razão humana em atingir a verdade. Já os ecléticos, diante dessa situação, não julgam correto perder o ânimo, por que, segundo eles, o desacordo é sinal de incapacidade da razão não para atingir a verdade, mas para abranger a verdade com um único olhar. Para eles, o desacordo dos filósofos deve-se ao fato de que, não podendo a fraca mente humana abarcar toda a verdade com um só olhar, um filósofo limita a sua investigação a um aspecto e outro filósofo a outro aspecto. Assim, estudando aspectos diferentes da realidade, é natural que cheguem a conclusões diferentes. Por isso, para se chegar uma compreensão adequada das coisas, não se deve confiar em um só filósofo, mas é necessário reunir as conclusões das pesquisas dos melhores entre eles. É o que procuram fazer os ecléticos do período helenístico: para organizarem um sistema filosófico mais completo, reúnem os melhores aspectos das doutrinas de Platão, Aristóteles, Epicuro e Zenão de Citio.”( Curso de Filosofia, p. 118).
   Um dos maiores representantes e expoente do ecletismo foi o filósofo romano Cícero, rejeitando o Epicurismo, adere ao pensamento platônico, aristotélico e estóico. Também, os padres da Igreja, apesar da ênfase dado ao platonismo, na construção do pensamento cristão, usam elementos vindos também o estoicismo. Também O Ecletismo foi uma corrente filosófica que mais influenciou os pensadores brasileiros no surgimento das primeiras manifestações filosóficas no Brasil.

domingo, 5 de setembro de 2010

AUGUSTO COMTE: A HISTÓRIA COMO PROGRESSO DO INTELECTO HUMANO

Prof. Rodrigues

    O filósofo francês Augusto Comte (1798-1857), vivendo num período em que os ideais de reforma social estavam muito presente nos discursos de intelectuais como Saint Simon, de quem foi secretário por um tempo, inova ao defender que a organização ou ordem social repousa sobre um sistema de crenças e idéias, isto é, num sistema intelectual. Assim, a reforma intelectual ou filosófica se torna condição necessária de possibilidade de uma reforma social (Cf. CORDON, 1983, p. 23). Noutros termos, sem uma mudança de sistema nas idéias, não haverá revolução política. A partir desta constatação, Augusto Comte desenvolve um verdadeiro sistema filosófico estruturado em três momentos básicos: o primeiro é uma filosofia da história, na qual procura elucidar o desenvolvimento do espírito humano para justificar a filosofia positiva; o outro se caracteriza pela fundamentação e classificação das ciências; e, por fim, apresenta a sociologia como ciência capaz de determinar a estrutura e os processos de reforma social, mediante a transformação das instituições. Foi também intenção de Comte proceder a uma reforma religiosa ou fundar uma nova religião. (GIONNOTTI in: COMTE, 1996, p. 8)
    Na primeira parte do seu pensamento, Augusto Comte se esforça para justificar historicamente a filosofia positiva, partindo de uma consideração na qual concebe “a história da sociedade como sendo sobretudo dominada pela história do espírito humano” (CORDON, 1983, p. 27). Isso significa que a história, enquanto ordem social e progresso da sociedade, é o resultado e a manifestação do progresso do intelecto humano; assim, a sua filosofia da história é, em última instancia, a história do progresso do espírito humano.

     Para explicar convenientemente a verdadeira natureza e o caráter próprio da filosofia positiva, é indispensável ter, de início, uma visão geral sobre a marcha progressiva do espírito humano, considerado em seu conjunto, pois uma concepção qualquer só pode ser bem conhecida por sua história. (COMTE, 1996, p. 22)

    A filosofia da história comteana, inquirindo sobre “a marcha progressiva do espírito humano” chega a conclusão de que existe uma lei fundamental, sobre a qual estão sujeitas as principais concepções e ramos do conhecimento no decurso da história. Segundo essa lei, o intelecto humano passa por três estágios diferentes e sucessivos. Mas, para se entender o sentido da afirmação de Comte, é preciso considerar, previamente as categorias de ordem, progresso e estado que são o suporte da sua compreensão da história.
   O termo “ordem” ou “época orgânica”, para Comte, refere-se à configuração estável da sociedade numa época determinada, como resultado de sua conexão, estrutura e unidade sistemática interna. Porém, embora se trate de ordem social, ela é fundamentalmente ordem intelectual, da qual a estrutura social é uma expressão. Isso porque “a unidade, convivência e ordem social e o progresso da sociedade que é a história repousam num sistema de crenças e idéias, num sistema intelectual” (CORDON, 1983, p. 23). Outra característica do conceito de ordem como unidade sistemática estável, é que ele é não é imutável, pois uma época orgânica dá lugar a outra época orgânica. A passagem de uma ordem ou época orgânica a outra é chamada de progresso ou época crítica. O progresso na ordem da sociedade não é simplesmente transição, mas desenvolvimento: passar de uma ordem a outra é progredir.
    O estado é outro conceito importante, porém muito próximo de ordem, trata-se da unidade sistemática e estrutural do espírito humano, numa época orgânica. O estado é também estágio, não tem caráter definitivo. Na verdade, o espírito humano passa por três estágios sucessivos.

   Cada uma de nossas concepções principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados históricos diferentes: estado teológico ou fictício, est6ado metafísico ou abstrato, estado científico ou positivo. [...] Daí três sorte de filosofia, ou de sistemas gerais de concepções sobre o conjunto de fenômenos, que se excluem mutuamente: a primeira é o ponto de partida necessário da inteligência humana; a terceira, seu estado fixo e definitivo; a segunda, unicamente destinada a servir de transição ( COMTE, 1996, p. 24)

    O espírito humano, no estado teológico pretende conhecer a natureza das coisas, partindo da indagação sobre o porquê de sua existência. A explicação apela para causas últimas, sobrenaturais e ocultas como responsáveis por todos os fenômenos e acontecimentos. Nesse estado, considerado o ponto de partida da inteligência humana, é possível se constatar uma evolução do saber que vai do fetichismo, passa pelo politeísmo e chega ao monoteísmo. O saber se apóia na visão do poder e na produção da imaginação. O conhecimento é de caráter absoluto.
    No estado metafísico a pergunta ainda é pelo porquê das coisas e dos fenômenos, todavia, a explicação já expressa uma certa racionalização, na medida em que não se atribui mais a entidades sobrenaturais a causa dos fenômenos, mas a natureza das próprias coisas e fenômenos. Todavia, o saber ainda continua assentado sobre a imaginação, pois apesar de ser mais imanente, o conhecimento ainda é de caráter absoluto e se apóia na afirmação de entidades e propriedades imutáveis, necessárias e independentes em relação às circunstancias e variações das coisas em concreto. Este estágio representa um progresso em relação ao teológico e prepara o estágio positivo.
    Quando o intelecto atinge o estágio científico ou positivo, considerado por Comte o estágio definitivo, a pergunta não é mais sobre o porquê das coisas, da sua causa ou essência, senão pelo como acontecem os fenômenos e a regularidade ou lei em que aparecem. O conhecimento abandona a pretensão de absoluto e passa a ter um caráter relativo. A imaginação cede lugar a razão que, mediante a observação e o raciocínio sobre os fenômenos ou fatos observados, se compromete apenas a descrevê-los em suas regularidades.
    Pode-se dizer que Augusto Comte elabora uma filosofia da história, cujo objeto de investigação é o saber humano e a finalidade imediata é examinar o desenvolvimento ou progresso do intelecto, segundo a lei fundamental dos estágios, desde o início como estado teológico até sua maturação como estado cientifico ou positivo.
    As idéias de Comte serviram de suporte teórico para o movimento de Proclamação da República, em 1889. De fato, os militares, estudiosos dessa filosofia viam na Monarquia uma ordem política fundada no primeiro estágio da humanidade, o estagio teológico, no qual idéia de um deus rei do universo servia de base para a organização social na qual um homem reina soberanamente sobre os demais. Graças a essa influência, as palavras que sintetizam seu pensamento, Ordem e Progresso, estão ainda hoje impressas na nossa bandeira.
   Depois de apresentar sumariamente algumas das idéias de Augusto Comte, considero oportuno deixar alguns questionamentos: primeiro, podemos conceber estes estágios de categórico, no qual sempre supera o outro? A religião é uma compreensão ingênua da vida e da realidade que deve ser superada, ou é mais umas das inúmeras formas válidas de compreensão do mundo? O progresso da humanidade pode ser identificado com o desenvolvimento da ciência, sem que isso represente um prejuízo para o próprio ser humano?

Referência Bibliografia:
CORDON, Juan Manuel Navarro & MARTINEZ, Tomas Calvo. História da Filosofia: os filósofos, os textos 3º Vol - Filosofia Contemporânea. Lisboa, Edições 70, 1983.
COMTE, Augusto. Curso de Filosofia Positiva. In: Col. Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1996.
GIANOTTI, José Artur. In: Augusto Comte. Col Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
REZENDE, Antonio. Curso de Filosofia. 14ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2008.

Ensaio SOBRE A OPINIÃO

“Ah, como uma cabeça banal se parece com outra! Elas realmente foram todas moldadas na mesma forma! A cada uma delas ocorre a mesma ide...