I. BIMESTRE
I.
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA
A palavra filosofia
A palavra filosofia
é grega. É composta de duas outras: philo e sophia. Philo quer
dizer “aquele ou aquela que tem um sentimento amigável”, pois deriva de philia,
que significa “amizade e amor fraterno”. Sophia quer dizer “sabedoria” e
dela vem a palavra sophós, “sábio”.
Filosofia significa,
portanto, “amizade pela sabedoria” ou “amor e respeito pelo saber”, e filósofo,
“o que ama ser sábio” ou “tem amizade pelo saber”.
Atribui-se ao
filósofo Pitágoras de Samos a invenção da palavra filosofia. Pitágoras
teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os
homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.
Dizia Pitágoras
que três tipos de pessoas compareciam aos jogos Olímpicos (a festa pública mais
importante da Grécia, na qual havia competições esportivas, concursos
artísticos e teatrais): as que iam para comerciar durante os jogos, ali estando
apenas para satisfazer sua própria cobiça, sem se interessar pelos torneios; as
que iam para competir e fazer brilhar suas próprias pessoas, isto é, os atletas
e artistas (pois, durante os jogos também havia competições de dança,poesia,
música, teatro); e as que iam para assistir aos jogos e torneios, para avaliar
o desempenho e julgar o valor dos que ali se apresentavam. Esse terceiro tipo
de pessoa, dizia Pitágoras, é como o filósofo.
Com isso,
Pitágoras queria dizer que o filósofo não é movido por interesses comerciais ou
financeiros – não coloca o saber como propriedade sua, como uma coisa para ser
comprada e vendida no mercado; também não é movido pelo desejo de competir –
não é um “atleta intelectual”, não faz das idéias e dos conhecimentos uma
habilidade para vencer competidores; mas é movido pelo desejo de observar,
contemplar, julgar e avaliar as coisas, as ações, as pessoas, os
acontecimentos, a vida; em resumo, pelo desejo de saber.
A verdade não
pertence a ninguém (para ser comerciada) nem é um prêmio conquistado por
competição. Ela está diante de todos nós como algo a ser procurado e é
encontrada por todos aqueles que a desejarem, que tiverem olhos para vê-la e
coragem para buscá-la.
A Filosofia
surgiu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade,
insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera,começaram a fazer
perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres
humanos, os acontecimentos naturais e as coisas da natureza podem ser
conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si
mesma.
Em suma, a
Filosofia surgiu quando alguns pensadores gregos se deram conta de que a
verdade do mundo e dos humanos não era algo secreto e misterioso, que
precisasse ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas que, ao
contrário, podia ser conhecida por todos através das operações mentais de raciocínio; e quando
esses pensadores compreenderam que o conhecimento depende apenas do uso correto
do pensamento, que permite que a verdade possa ser conhecida por todos.
Esses pensadores
descobriram também que a linguagem respeita as exigências do pensamento e que,
por esse mesmo motivo, os conhecimentos verdadeiros podem ser transmitidos e
ensinados a todos.
O que perguntavam os primeiros filósofos
Por que os seres
nascem e morrem? Por que os semelhantes dão origem aos semelhantes, de uma
árvore nasce outra árvore, de um cão nasce outro cão, de uma mulher nasce uma
criança? Por que os diferentes também fazem surgir os diferentes: o dia faz
nascer a noite, o inverno faz surgir a primavera, um objeto escuro clareia com
o passas do tempo, enquanto um objeto claro escurece?
Por que tudo
muda? A criança se torna adulta, amadurece, envelhece e desaparece. A paisagem,
cheia de flores na primavera, vai perdendo o verde e as cores no outono, até
ressecar-se e retorcer-se no inverno. Por que um dia luminoso e ensolarado, de
céu azul e brisa suave, repentinamente se torna sombrio, coberto de nuvens,
varrido por ventos furiosos, tomado pela tempestade, pelos raios e trovões?
Por que a doença
invade os corpos, rouba-lhes a cor, a força? Por que o alimento que antes me
agradava, agora, que estou doente, me causa repugnância? Por que o som da
música que antes me embalava, agora, que estou doente, parece um ruído
insuportável?
Por que o que
parecia uno se multiplica em tantos outros? De uma só árvore, quantas flores e
quantos frutos nascem! De uma só gata, quantos gatinhos nascem!
Por que as
coisas se tornam opostas ao que eram? A água do copo, tão transparente e de boa
temperatura, torna-se uma barra dura e gelada, deixa de ser líquida e
transparente para tornar-se sólida e acinzentada. O dia, que começa frio e
gelado, pouco a pouco se torna quente e cheio de calor.
Por que nada
permanece idêntico a si mesmo? De onde vêm os seres? Para onde vão, quando
desaparecem? Por que se transforma? Por que se diferenciam uns dos outros?
Mas, também, por
que tudo parece repetir-se? Depois do dia, a noite; depois da noite, o dia.
Depois do inverno, a primavera, depois da primavera, o verão, depois deste, o
outono, e depois deste, novamente o inverno. De dia, o sol; à noite, a lua e as
estrelas. Na primavera, o mar é tranqüilo e propício à navegação; no inverno,
tempestuosos e inimigos dos homens. O calor leva as águas para o céu e as traz
de volta pelas chuvas. Ninguém nasce adulto ou velho, mas sempre criança, que
se torna adulto e velho.
Foram perguntas
como essas que os primeiros filósofos fizeram e para elas buscaram respostas.
Sem dúvida, a
religião, as tradições e os mitos explicavam todas essas coisas, mas suas
explicações já não satisfaziam aos que interrogavam sobre as causas da mudança,
da permanência, da repetição, da desaparição e do ressurgimento dos seres. Suas
respostas haviam perdido a força explicativa, não convenciam nem satisfaziam a
quem desejava conhecer a verdade sobre o mundo.
O nascimento da Filosofia
Os historiadores
da Filosofia dizem que ela possui data e local de nascimento: fim do século VII
a.C. e início do século VI a.C., nas colônias gregas da Ásia Menor, na cidade
de Mileto. E o primeiro filósofo foi Tales de Mileto.
Além de possuir
data e local de nascimento e de possuir seu primeiro autor, a Filosofia possui
um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia. A palavra cosmologia
é composta de duas outras: cosmo (kósmos), que significa “ordem e
organização do mundo” ou “o mundo ordenado e organizado”, e logia, que
vem da palavra logos, que significa “pensamento racional, discurso
racional, conhecimento”. Assim, a Filosofia nasce como conhecimento racional
da ordem do mundo ou da natureza, donde cosmologia.
Ao nascer, a
Filosofia tem dívidas coma sabedoria dos orientais, não só porque as viagens
colocaram os gregos em contato com os conhecimentos produzidos por outros povos
(egípcios, persas, babilônios, assírios e caldeus), mas também porque os dois
maiores formadores da cultura grega antiga, os poetas Homero e Hesíodo,
encontraram nos mitos e nas religiões dos povos orientais e nas culturas que
precederam a grega os elementos para elaborar a mitologia grega, que, depois,
seria transformada racionalmente pelos filósofos.
Os gregos,
porém, imprimiram mudanças profundas ao que receberam do Oriente e das culturas
precedentes. Dessas mudanças, podemos mencionar quatro, que nos dão uma idéia
da originalidade grega:
1. Com relação aos mitos: quando
comparamos os mitos orientais, cretenses, micênicos, minóicos e os que aparecem
nos poetas Homero e Hesíodo, vemos que eles retiraram os aspectos apavorantes e
monstruosos dos deuses e do início do mundo; humanizaram os deuses, divinizaram
os homens; deram racionalidade as narrativas sobre as origens das coisas, dos
homens, das instituições humanas (como trabalho, as leis, a moral).
2. Com relação aos acontecimentos: os
gregos transformaram em ciência (isto é, num conhecimento racional, abstrato e
universal) aquilo que eram elementos de uma sabedoria prática para o uso direto
da vida. Assim, transformaram em matemática o que os egípcios praticavam como
agrimensura para medir, contar e calcular; transformaram em astronomia a
astrologia praticada por caldeus e babilônios como adivinhação e previsão do
futuro; transformaram em medicina aquilo que, as culturas precedentes, eram
práticas de grupos religiosos secretos para a cura misteriosa das doenças.
3. Com relação à
organização social e política: os gregos não inventaram apenas a ciência ou a
filosofia, mas inventaram também a política. Todas as sociedades anteriores a
eles conheciam a praticavam a autoridade e o governo, mas não inventaram a
política propriamente dita, porque não separavam o poder político de duas
outras formas tradicionais de autoridade: o poder privado do chefe de família e
o poder religioso do sacerdote ou mago.
De fato, nas
sociedades orientais e não-gregas, o poder e o governo eram exercidos como
autoridade absoluta da vontade pessoal e arbitrária de um só homem ou de um
pequeno grupo de homens que possuíam o poder militar, religioso e econômico e
decidiam sobre tudo, sem consultar ninguém e sem justificar suas decisões para
ninguém.
Os gregos
inventaram a política (do grego polis, cidade organizada por leis e
instituições”) porque instituíram práticas pelas quais as decisões eram tomadas
com base em discussões e debates públicos e erma adotadas ou revogadas por voto
em assembléias públicas; porque estabeleceram instituições públicas (tribunais,
assembléias, separação entre autoridade do chefe de família e autoridade
pública, entre autoridade político-militar e autoridade religiosa); e,
sobretudo, porque criaram a idéia da lei e da justiça como expressões da
vontade coletiva pública, e não como imposição da vontade de um só ou de um
grupo, em nome de divindades.
4.
Com relação ao pensamento; diante da herança recebida, os gregos inventaram a
idéia ocidental da razão como um pensamento sistemático que segue
necessariamente regras, normas e leis universais.
1. A consciência
mítica: dimensão criativa e instigadora do imaginário
Mito e Filosofia
Os historiadores da
Filosofia indagam se ela nasceu realizando uma transformação gradual sobre os
mitos gregos ou produzindo uma ruptura radical com os mitos.
O que é um mito?
Mito é uma
narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos
homens, da plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal,
da morte, etc.)
Quem narra o
mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se que o
poeta é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os acontecimentos passados e
permitem que ele veja a origem de todos os seres e de todas as coisas para que
possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra – o mito- é sagrada porque vem de
uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável.
Como o mito
narra a origem do mundo e de tudo o que nele existe?
De três maneiras
principais:
1.
Encontrando o pai e a mãe das coisas e dos seres, isto é, tudo o que existe
decorre de relações sexuais entre forças divinas pessoais. Essas relações geram
os demais deuses: os titãs (seres semi-humanos e semidivinos), os heróis (filhos
de um deus com uma mulher humana ou de uma deusa com um humano), os humanos, os
metais, as plantas, os animais, as qualidades (como quente e frio, seco e
úmido, claro e escuro, bom e mal, justo e injusto, belo e feio, certo e errado,
etc.).
A
narração da origem é assim, uma genealogia, isto é, uma narrativa da
geração dos seres, das coisas, das qualidades por outros seres, que são pais ou
antepassados.
2. Encontrando
uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses que faz surgir alguma coisa no
mundo. Nesse caso, o mito narra ou uma guerra entre as forças divinas, ou uma
aliança entre elas para provocar alguma coisa no mundo dos homens.
É assim, por
exemplo, que o poeta Homero, na Ilíada, que narra a guerra de Tróia,
explica por que, em certas batalhas, os troianos eram vitoriosos e, em outras,
a vitória cabia aos gregos. Os deuses estavam divididos. A cada vez, o rei dos
deuses, Zeus, ficava com um dos partidos, aliava-se comum grupo de fazia um dos
lados vencer uma batalha.
A causa da
guerra, aliás, foi uma rivalidade entre as deusas. Elas apareceram em sonho
para o príncipe troiano Paris, oferecendo a ele seus dons, e ele escolheu a
deusa do amor, Afrodite. As outras deusas, enciumadas, o fizeram raptar a grega
helena, mulher do general grego Menelau. Isso deu início à guerra entre os
humanos.
3. Encontrando
as recompensas ou castigos que os deuses dão a quem os desobedece ou a quem os
obedece. Como o mito narra, por exemplo, o uso do fogo pelos homens? Para os
homens, o fogo é essencial, pois com ele se diferenciam dos animais, porque
tanto passa a cozinhar os alimentos, a iluminar caminhos na noite, a se aquecer
no inverno quanto podem fabricar instrumentos de metal para o trabalho e para a
guerra. O mito conta que um titã, Prometeu, mais amigo dos homens do que dos
deuses, roubou uma centelha de fogo e a trouxe de presente para os humanos.
Prometeu foi castigado (amarrado num rochedo para que as aves de rapina,
eternamente, devorassem seu fígado) e os homens também.
Qual foi o castigo
dos homens? Os deuses criaram uma mulher encantadora, Pandora, a quem foi
entregue uma caixa que conteria coisas maravilhosas, mas que nunca deveria ser
aberta. Pandora foi enviada aos humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar
a eles as maravilhas, abriu a caixa. Dela saíram todas as desgraças, doenças,
pestes, guerras e, sobretudo, a morte. Explica-se, assim, a origem dos males no
mundo.
2. Cosmogonias e
Teogonia
Vemos, portanto,
que o mito narra a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações
sexuais entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens.
Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonias
e teogonias.
A palavra gonia
vem de duas palavras gregas: do verbo gennao (engendrar, gerar, fazer
nascer e crescer) e do substantivo genos (nascimento, gênese,
descendência, gênero, espécie). Gonia, portanto, quer dizer “geração,
nascimento a partir da concepção sexual e do parto”. Cosmos, como já
vimos, que dizer “mundo ordenado e organizado”. Assim, a cosmogonia é a
narrativa sobre o nascimento e a organização do mundo a partir de forças
geradoras (pai e mãe) divinas.
Teogonia é uma palavra
composta de gonia e theos, que, em grego, significa “as coisas
divinas, os seres divinos, os deuses”. A teogonia é, portanto, a narrativa da
origem dos deuses a partir de seus pais antepassados.
Qual é a pergunta dos
estudiosos? É a seguinte: ao surgir, a Filosofia não é uma cosmogonia, e sim
uma cosmologia, uma explicação racional sobre a origem do mundo e sobre as
causas das transformações e repetições das coisas; mas a cosmologia nasce de
uma transformação gradual dos mitos ou de uma ruptura radical com os mitos? A
filosofia continua ou rompe com a cosmogonia e a teogonia?
Os estudiosos
chagaram à conclusão de que as contradições e limitações dos mitos para
explicar a realidade natural e humana levaram a Filosofia a retomá-los, porém
reformulando e racionalizando as narrativas míticas, transformando-as numa
explicação inteiramente nova e diferente.
Quais são as
diferenças entre Filosofia e mito? Podemos apontar três como as mais
importantes:
1. O mito
pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial,
longínquo e fabuloso, voltando-se para o que era antes que tudo existisse tal
como existe no presente; a Filosofia, ao contrário, se preocupa em explicar
como e por que, no passado, no presente e no futuro, as coisas são como são.
2. O mito
narrava a origem por meio de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças
divinas sobrenaturais e personalizadas; a Filosofia, ao contrário, explica a
produção das coisas por elementos naturais primordiais (água ou úmido, fogo ou
quente, ar ou frio, terra ou seco), por meio de causas naturais e impessoais
(ações e movimentos de combinação, composição e separação ente os quatro
elementos primordiais).
Assim, por exemplo, o
mito falava nos deuses Urano, Ponto e Gaia; a Filosofia fala em céu, mar e
terra. O mito narrava a origem dos seres celestes, terrestres e marinhos pelos
casamentos de Gaia (a terra) com Urano (o céu) e Ponto (o mar).
A Filosofia
explica o surgimento do céu, do mar e da terra e dos seres que neles vivem
pelos movimentos e ações de composição, combinação e separação dos quatro
elementos – úmido, seco, quente e frio.
3. O mito não se
importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível, não só porque
esses eram traços próprios da narrativa mítica, como também porque a confiança
e a crença no mito vinham da autoridade religiosa do narrador.
A Filosofia, ao
contrário, não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas
exige que a explicação seja coerente, lógica e racional; além disso, a
autoridade da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a
mesma em todos os seres humanos.
3. Condições
históricas para o surgimento da Filosofia
Podemos apontar
como principais condições históricas para o surgimento da Filosofia na Grécia:
· As viagens
marítimas,
que permitiram aos gregos descobrir que os locais que os mitos diziam habitados
por deuses e titãs eram, na verdade, habitados por outros seres humanos, e que
as regiões dos mares que os mitos diziam habitados por monstros e seres
fabulosos não possuíam nem monstros nem seres fabulosos. As viagens produziram
o desencantamento ou a desmistificação do mundo, que passou, assim, a exigir
uma explicação sobre a sua origem –explicação que o mito já não podia oferecer;
· a invenção do calendário, que é uma forma
de calcular o tempo segundo as estações do ano, as horas do dia, os fatos
importantes quês e repetem, revelando, com isso, uma capacidade de abstração
nova, ou uma percepção do tempo como algo natural, e não como uma força divina
incompreensível;
· a invenção da
moeda,
que permitiu uma forma de troca que não se realiza como escambo ou em espécie
(isto é, coisas trocadas por outras coisas), e sim uma troca abstrata, uma
troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes,
revelando,portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização;
· o surgimento da
vida urbana,
com predomínio do comércio e do artesanato, desenvolvendo técnicas de
fabricação e de troca e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia
proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além
disso, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava
encontrar pontos de poder e prestígio para suplantar o velho poderio da
aristocracia de terras e de sangue, fez com que se procurasse o prestígio pelo
patrocínio e estimulo às artes, ás técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um
ambiente onde a Filosofia poderia surgir;
· a invenção da escrita alfabética, que, como a do
calendário e a da moeda, revela a crescimento da capacidade de abstração e de
generalização, uma vez que a escrita alfabética ou fonética, diferentemente de
outras escritas – como, por exemplo, os hieróglifos dos egípcios ou os
ideogramas dos chineses -, supõe que não se represente uma imagem da coisa que
está sendo dita, mas que se ofereça um sinal ou signo abstrato (uma palavra)
dela.
Além disso,
enquanto nas outras escritas, a cada sinal corresponde uma coisa ou idéia, na
escrita alfabética ou fonética as letras são independentes e podem ser
combinadas de formas variadas em palavras, e estas podem ser distribuídas de
formas variadas para exprimir idéias. Ou seja, nas outras escritas, o signo representa
a coisa assinalada; na escrita alfabética, a palavra designa uma coisa e
exprime uma idéia.
Nas outras
escritas, há a tendência de sacralizar os sinais ou os signos ou de lhes dar um
caráter mágico (acredita-se que eles são as coisas assinaladas e que neles
forças divinas e demoníacas encarnam, de maneira que quem sabe escrever ou usar
sinais tem poder sobre as coisas e sobre os outros), enquanto a escrita
alfabética é inteiramente leiga, abstrata, racional e usada por todos;
· a invenção da política, que introduz três aspectos novos e decisivos para o
nascimento da Filosofia:
1. A idéia da lei como expressão da vontade de
uma coletividade humana que decide por si mesma o que é melhor para si e como
ela definirá suas relações internas. O aspecto legislado e regulado da cidade –
da pólis – servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto
legislado, regulado e ordenado do mundo como um mundo racional.
2. O surgimento de um espaço público, que faz
aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele que era
proferido pelo mito.
Neste, um
poeta-vidente, que recebia das deusas ligadas à memória (a deusa Mnemosyne, mãe
das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação misteriosa ou uma revelação
sobrenatural, dizia aos homens quais eram as decisões dos deuses que eles
deveriam obedecer.
Agora, com
a polis, isto é, a cidade política, surge a palavra como direito de cada
cidadão de emitir em público sua opinião, discuti-la com os outros,
persuadi-los a tomar uma decisão proposta por ele, de tal modo que surge o
discurso político como humana compartilhada, como diálogo, discussão e
deliberação humana, isto é, como decisão racional e exposição dos motivos ou
das razões para fazer ou não fazer alguma coisa.
A política,
valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão
racional, valorizou a pensamento racional e criou condições para que surgisse o
discurso ou a palavra filosófica.
3. A idéia de discussão
pública das opiniões e idéias, pois a política estimula um pensamento e um
discurso que não procuram ser formulados por seitas secretas dos iniciados em
mistérios sagrados, mas que procuram, ao contrário, ser públicos, ensinados,
transmitidos, comunicados e discutidos.
A idéia de um
pensamento que todos podem compreender e discutir, que todos podem comunicar e
transmitir, é fundamental para a Filosofia.
O legado da Filosofia grega para o Ocidente europeu
Entendida como
aspiração ao conhecimento racional, lógico, demonstrativo e sistemático da
realidade natural e humana, da origem e das causas da ordem do mundo e de suas
transformações, da origem e das causas das ações humanas e do pensamento, a
Filosofia é uma instituição cultural tipicamente grega que, por razões
históricas e políticas, veio a tornar-se, no corre dos séculos, o modo de
pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura européia ocidental, da
qual, em decorrência da colonização européia das Américas, nós também fazemos
parte – ainda que de modo inferiorizado e colonizado.
Dizer que a
Filosofia é tipicamente grega não significa, evidentemente, que os outros
povos, tão antigos quanto os gregos ou mais antigos do que eles, como os
chineses, os hindus, os japoneses, os árabes, os persas, os hebreus, os
africanos ou os índios da América não possuam sabedoria, pois possuíam e
possuem. Também não quer dizer que todos esses povos não tivessem desenvolvido
o pensamento e formas de conhecimento da natureza e dos seres humanos, pois
desenvolveram e desenvolvem.
Quando se diz
que a Filosofia é grega, o que se quer dizer é que ela possui certas
características, apresenta certas formas de pensar e de exprimir os
pensamentos, estabelece certas concepções sobre o que sejam a realidade, a
razão, a linguagem, a ação, as técnicas, completamente diferentes das de outros
povos e outras culturas.
Quando nos
acercamos da Filosofia nascente, podemos perceber os principais traços que
definem a atividade filosófica na época de seu nascimento:
· tendência à
racionalidade,
pois os gregos foram os primeiros a definir o ser humano como um animal
racional, a considerar que o pensamento e a linguagem definem a razão, que o
homem é ser dotado de razão e que a racionalidade é seu traço distintivo em
relação a todos os outros seres. Mesmo que a razão humana não possa conhecer
tudo, tudo o que ela pode conhecer, conhece plena e verdadeiramente.
A tendência à
racionalidade significa que a razão humana ou o pensamento é a condição de
todo conhecimento verdadeiro e, por isso mesmo, a própria razão ou o próprio
pensamento deve conhecer as leis, regras, princípios e normas de suas operações
e de seu exercício correto;
· tendência à
argumentação e ao debate para oferecer respostas conclusivas às questões,
dificuldades e problemas, de modo que nenhuma solução seja aceita se não houver
sido demonstrada, isto é, provada racionalmente em conformidade com os
princípios e as regras do pensamento verdadeiro;
·
capacidade de generalização, isto é, de
mostrar que uma explicação tem validade para muitas coisas diferentes ou para
muitos fatos diversos, porque, sob a aparência da diversidade e da variação
percebidas pelos órgãos dos sentidos, o pensamento descobre semelhanças e
identidades. Essa capacidade racional é a síntese (palavra grega que
significa “reunião ou fusão de várias coisas numa união íntima para formar um
todo”).
Por exemplo, para
meus olhos, meu tato e meu olfato, o gelo é diferente da neblina, que é
diferente do vapor de uma chaleira, que é diferente da chuva, que é diferente
da correnteza de um rio. No entanto, o pensamento mostra que se trata sempre de
um mesmo elemento (a água), que passa por diferentes estados e formas (líquido,
sólido, gasoso) em decorrência de causas naturais diferentes (condensação,
liquefação, evaporação).
Reunindo
semelhanças, o pensamento conclui que se trata de uma mesma coisa que aparece
para nossos sentidos de maneiras diferentes e como se fossem, coisas
diferentes. O pensamento generaliza, isto é, encontra sob as diferenças a
identidade ou a semelhança e reúne os traços semelhantes, realizando uma
síntese;
·
capacidade de diferenciação, isto é,
mostrar que fatos ou coisas que aparecem como iguais ou semelhantes são, na
verdade, diferentes, quando examinados pelo pensamento ou pela razão. Essa
capacidade racional para compreender diferenças onde parece haver identidade ou
semelhança é a análise (palavra grega que significa “ação de desligar e
separar, resolução de um todo em suas partes”).
No ano de 1992, no
Brasil, os jovens estudantes pintaram a cara com as cores da bandeira nacional
e saíram às ruas para exigir o impedimento do presidente da República.
Logo depois, os
candidatos a prefeituras municipais contrataram jovens para aparecer na
televisão com a cara pintada, defendendo tais candidaturas. A seguir, as Forças
Armadas brasileiras, para persuadir jovens a servi-las, contrataram jovens
caras-pintadas para aparecer como soldados, marinheiros e aviadores. Ao mesmo
tempo, várias empresas, pretendendo vender seus produtos aos jovens,
contrataram artistas jovens para, de cara pintada, fazer a propaganda de seus
produtos.
Aparentemente,
teríamos sempre a mesma coisa – os jovens rebeldes e conscientes, de cara
pintada, símbolo da esperança do país. No entanto, o pensamento pode mostrar
que, sob a aparência da semelhança percebida, estão as diferenças, pois os
primeiros caras-pintadas fizeram um movimento político espontâneo; os seguintes
fizeram propaganda política para um candidato (e receberam dinheiro para isso);
os terceiros tentaram ajudar as Forças Armadas a aparecer como divertidas e
juvenis, e os últimos, mediante remuneração, estavam transferindo para produtos
industriais (roupas, calçados, vídeos, margarinas, discos, iogurtes) um símbolo
político inteiramente despolitizado e sem nenhuma relação com sua origem.
Separando as aparentes semelhanças, distinguindo-as, o pensamento descobriu
diferenças e realizou uma análise.
Argumentar e
demonstrar por meio de princípios e regras necessárias e universais, apreender
pelo pensamento a unidade real sob a multiplicidade percebida ou, ao contrário,
apreender pelo pensamento a multiplicidade e diversidade reais de algo
percebido como uma unidade ou uma identidade, eis aí algumas das
características do que os gregos chamaram de Filosofia.
Com a Filosofia,
os gregos instituíram para o Ocidente europeu as bases e os princípios
fundamentais do que chamamos razão, racionalidade, ciência, ética, política,
técnica, arte. Aliás, basta observar que são gregas palavras como lógica,
técnica, ética, política, monarquia, anarquia, democracia, física, diálogo,
biologia, semântica, sintaxe, símbolo, alegoria, mito, tragédia, cronologia,
gênese, genealogia, cirurgia, ortopedia, pedagogia, farmácia, psicologia,
ortodoxia, análise, síntese, entre muitas outras, para perceber a influência
decisiva e predominante da Filosofia grega na formulação do pensamento e das
instituições das sociedades européias ocidentais.
Do legado
filosófico grego, podemos destacar como principais contribuições as seguintes:
·
A
idéia de que o conhecimento verdadeiro deve encontra as leis e os princípios
universais e necessários do objeto conhecido e deve demonstrar sua verdade por
meio de provas ou argumentos racionais. Ou seja, em primeiro lugar, a idéia de
que um conhecimento não é algo que alguém impõe a outros, e sim algo que deve
ser compreendido por todos, graças a argumentos, debates e provas racionais,
pois a razão ou a capacidade de pensar e conhecer é a mesma em todos os seres
humanos; e, em segundo lugar, a idéia de que um conhecimento só é verdadeiro
quando explica racionalmente o que é a coisa conhecida, como ela é e por que
ela é.
É assim, por exemplo,
que a matemática deve ser considerada um conhecimento racional verdadeiro, pois
define racionalmente seus objetos: ninguém impõe aos outros que o círculo é uma
figura geométrica em que todos os pontos são eqüidistantes do centro, pois essa
definição simplesmente ensina que, onde quer que haja uma figura desse tipo,
ela será necessariamente um círculo; da mesma maneira, ninguém impõe aos outros
que o triângulo é uma figura geométrica em que a soma dos ângulos internos é
igual à soma de dois ângulos retos, pois essa definição simplesmente mostra
que, onde houver um afigura com tal propriedade, ela será necessariamente um
triângulo.
Além de definir
seus objetos, a matemática não os impõe, e sim os demonstra por meio de
provas (os teoremas) fundados em princípios racionais verdadeiros (os axiomas e
os postulados).
· A idéia de que a
natureza segue uma ordem necessária, e não casual ou acidental. Ou seja, a
idéia de que ela opera obedecendo a leis e princípios necessários – não
poderiam ser outros ou diferentes do que são – e universais – são os mesmos em
toda parte e em todos os tempos.
Ou, em outras
palavras, uma lei natural é necessária porque nenhum ser natural, no
universo inteiro, espaça dela nem pode operar de outra maneira que não desta; e
uma lei da natureza é universal porque é válida para todos os seres
naturais em todos os tempos e lugares.
A idéia de ordem
natural necessária e universal é o fundamento da origem da Filosofia, dando
nascimento à primeira expressão filosófica conhecida, a cosmologia
(conhecimento racional da ordem universal, pois a palavra cosmo vem do
vocabulário grego Kósmos, que significa “ordem e organização do mundo”,
como já foi explicado anteriormente). Essa idéia é, pois, responsável pelo
surgimento do que será chamado de “filosofia da natureza” ou “ciência da
natureza”, ou o que os gregos chamaram de “física” (palavra que deriva do
vocábulo grego physis, natureza).
Assim, por
exemplo, a idéia de que a natureza é uma ordem que segue leis universais e
necessárias levou, no século XVII, Galileu Galilei a demonstrar as leis do
movimento e as leis da queda dos corpos. Ou, ainda naquele mesmo século, levou
Isaac Newton a estabelecer um alei física válida para todos os corpos naturais
ou a lei da gravitação universal. E, no século XX, levou Albert Einstein a
estabelecer um alei válida para toda a matéria e energia do universo, lei que
se exprime na fórmula E=mc² (em que E é a energia, m é a massa e c
é velocidade da luz), segundo a qual a energia é a transformação quer acontece
à massa de um corpo quando sua velocidade é o quadrado da velocidade da luz.
· A idéia de que
as leis necessárias e universais da natureza podem ser plenamente conhecidas
pelo nosso pensamento, isto é, não são conhecimentos misteriosos e secretos,
que precisariam ser revelados por divindades, mas sim conhecimentos que o
pensamento humano, por sua própria força e capacidade, pode alcançar.
·
A
idéia de que e a razão também opera obedecendo a princípios, leis, regras e
normas universais e necessários, como os quais podemos distinguir o verdadeiro
do falso. Em outras palavras, a idéia de que, por sermos racionais, nosso
pensamento é coerente e capaz de conhecer a realidade porque segue leis lógicas
de funcionamento.
Nosso pensamento
diferencia uma afirmação de uma negação porque, na afirmação, atribuímos alguma
coisa a outra coisa (quando afirmamos que “Sócrates é um ser humano”,
atribuímos humanidade a Sócrates) e, na negação, retiramos alguma coisa de
outra (quando dizemos “Este caderno não é verde”, estamos retirando do caderno
a cor verde). Por isso mesmo, nosso pensamento percebe o que é a identidade,
isto é, que devemos sempre e necessariamente afirmar que uma coisa é idêntica a
si mesma (“Sócrates é Sócrates”), pois, se negarmos sua identidade, estaremos
retirando dela ela própria. Graças à afirmação da identidade, o pensamento pode
distinguir e diferenciar os seres (“Sócrates é diferente de Platão e ambos são
diferentes de uma pedra”).
Nosso pensamento
também percebe o que é uma contradição, ou seja, que é impossível afirmar e
negar ao mesmo tempo a mesma coisa de uma outra coisa (“O infinito é ilimitado
e não é ilimitado”), e, por isso, também percebe a diferença entre uma
contradição e uma alternativa, pois, nesta, ou a afirmação será verdadeira e
real e a negação será falsa, ou vice-versa (“Ou haverá guerra ou não haverá
guerra”).
Que importância
pode ter a descoberta de que a razão ou o pensamento obedece à lei da
identidade, da diferença, da contradição e da alternativa? Basta que nos
lembremos como nos contos de fadas, nos mitos religiosos e nas lendas populares
as narrativas são maravilhosas justamente porque nelas não funcionam essas
distinções para que compreendamos que, ao afirmá-las como leis do pensamento
racional, os filósofos gregos estabeleceram a diferença ente ilusão e verdade.
Nosso pensamento
distingue quando uma afirmação é verdadeira ou falsa porque distingue o
não-contraditório do contraditório e porque reconhece o verdadeiro como lago
que se conclui de uma demonstração, de uma prova ou de um argumento racional.
Se alguém
apresentar o seguinte raciocínio: “Todos os homens são mortais. Sócrates é
homem. Logo, Sócrates é mortal”, diremos que a afirmação “Sócrates é mortal” é
verdadeira porque foi concluída de outras afirmações cujas demonstrações também
já foram realizadas e sabemos serem verdadeiras (“Todos os seres que nascem e
percebem existem no tempo. Todos os seres que existem no tempo são mortais”;
“Todos os homens existem no tempo. Todos os homens são mortais”).
· A idéia de que
as práticas humanas dependem da vontade livre, da deliberação e da discussão,
de uma escolha emocional ou racional, de nossas preferências e opiniões, que se
realizam segundo certos valores e padrões, que foram estabelecidos pela
natureza ou pelos próprios seres humanos, e não por imposições misteriosas e
incompreensíveis. Em outras palavras, o agir humano exprime a conduta de um ser
racional dotado de vontade e de liberdade.
· A idéia de que
os acontecimentos naturais e humanos são necessários porque obedecem a leis (da
natureza humana) não exclui a compreensão de que esses acontecimentos, em
certas circunstâncias e sob certas condições, também podem se acidentais, seja
porque um concurso de circunstâncias os faz ocorrer por acaso da natureza, seja
porque as ações humanas dependem das escolhas e deliberações dos homens, em
condições determinadas.
Uma pedra
lançada ao ar cai necessariamente porque pela lei natural da gravitação ela
necessariamente deve cair e não pode deixar de cair; um ser humano é capaz de
locomoção e anda porque as leis anatômicas e fisiológicas que regem o seu corpo
fazem com que ele tenha os meios necessários para isso. No entanto, se uma
pedra, ao cair, atingir a cabeça de um passante, esse acontecimento é
acidental. Por quê? Porque se o passante não estivesse andando por ali naquela
hora a pedra não o atingiria. Assim, a queda da pedra é necessária e o andar de
um ser humano é necessário, mas, se uma pedra cai sobre minha cabeça quando
ando, isto é inteiramente acidental. É o acaso.
No entanto, o
próprio acaso não é desprovido de uma lei natural. Como explica o filósofo
Aristóteles, o acaso é o encontro acidental de duas séries de acontecimentos
que são, cada uma delas, necessárias (é por necessidade natural que a pedra cai
e por necessidade natural que o homem anda). A lei natural do acaso é,
portanto, o encontro acidental de coisas que em si mesmas são necessárias.
Todavia, a
situação das ações humanas é bastante diversa dessa. É verdade que é por uma
necessidade natural ou por uma lei da natureza que ando. Mas é por deliberação
voluntária que ando para ir à escola em vez de andar par ir ao cinema, por
exemplo.
É verdade que é
por uma lei necessária da natureza que os corpos pesados caem, mas é por uma
deliberação humana e por uma escolha voluntária que fabrico uma bomba, a coloco
num avião e a faço despencar sobre Hiroshima. Essa escolha faz com que a ação
humana introduza o possível no mundo, pois o possível é o que pode acontecer ou
deixar de acontecer, dependendo de uma escolha voluntária e livre.
Um dos legados
mais importantes da Filosofia grega é, portanto, a diferença entre o
necessário (o que não pode ser senão como é) e o contingente (o que
pode ser ou não ser), bem como a diferença, no interior do contingente, entre
o caso e o possível. O contingente é o que pode ou não acontecer na
natureza ou ente os homens; o acaso é a contingência nos acontecimentos da
natureza; o possível é a contingência nos acontecimentos humanos.
Dessa maneira,
os filósofos gregos nos deixaram a idéia de que podemos diferenciar entre o
necessário, o acaso e o possível em nossas ações: o necessário é o que não está
em nosso poder escolher, pois acontece e acontecerá sempre, independentemente
de nossa vontade (não depende de nós que o sol brilhe, que haja dia e noite); o
acaso é o que também não está em nosso poder escolher (não escolho que aconteça
uma tempestade justamente quando estou fazendo uma viagem de navio ou de avião,
nem escolho estar num veículo que será atingido por outro, dirigido por um motorista
embriagado); o possível,ao contrário do necessário e do acaso, é exatamente o
que temos poder de escolher e fazer, é o que está em nosso poder.
Essas
diferenciações legadas pela filosofia grega nos permitem evitar tanto o
fatalismo – “tudo é necessário, temos de nos conformar com o destino e nos
resignar com nosso fado” – como a ilusão de que podemos tudo quanto
quisermos, pois a natureza segue leis necessárias que podemos conhecer e nem
tudo é possível por mais que o queiramos.
· A idéia de que
os seres humanos naturalmente aspiram ao conhecimento verdadeiro (porque são
seres racionais), à justiça (porque são seres dotados de vontade livre) e à
felicidade (porque são seres dotados de emoções e desejos), isto é, que os
seres humanos não vivem nem agem cegamente, nem são comandados por forças
extranaturais secretas e misteriosas, mas instituem por si mesmos valores pelos
quais dão sentido às suas ações.
4.
Características do Pensamento filosófico
5. Os
Pré-Socráticos e a cosmologia
O
nascimento, assim, não passa de um agregado de átomos, enquanto a morte é
apenas a destruição desse agrupamento. Nos dois casos, cada átomo permanece
intacto e imutável. Eles se diferenciam, porém, numa série de aspectos, como
tamanho, forma, posição. Há átomos grandes e pequenos, redondos e angulosos, em
pé ou de lado. Suas combinações também variam: os átomos A e N, por exemplo,
podem se reunir com NA ou NA. (ABRÃO, Bernadette. História da Filosofia,
p.24-36)
***
6.
Sofística: contextualização do pensamento dos sofistas
Prof.: Epitácio Rodrigues
In: http://filosofiaprofrodrigues.blogspot.com.
A filosofia,
como sabemos, inicia-se com a preocupação acerca da physis, o princípio originário da natureza e, depois de um período
de investigação, discordância e esfriamento, surge uma nova etapa na história
do pensamento filosófico ocidental. Não se trata de um salto sem nenhuma
relação com a produção filosófica anterior, pois os protagonistas dessa nova
fase estão teoricamente ligados aos seus antecessores. Porém, a falta de
consenso e as disparidades entre as teorias dos pré-socráticos suscitam uma
desconfiança sobre a existência de uma verdade absoluta e eterna (como queria
Parmênides). Por isso, alguns filósofos se esforçam para compreender a
realidade e o próprio conhecimento de uma forma mais dinâmica, marcada pelo
conflito dialético e provisório.
Além disso, as
novas exigências do contexto sócio-político e cultural obrigaram um
redimensionamento da investigação e discussão filosófica, no qual o foco de
interesse e atenção dos filósofos volta-se para o homem e sua relação com a
sociedade. Pode-se mesmo dizer que a ética, a política e, de certo modo, a
questão da verdade, da linguagem estão entre as grandes questões.
As mudanças no
cenário político da Grécia, sobretudo em Atenas, com a saída do regime da
tirania e da oligarquia e entrada numa fase de democracia direta, as decisões
importantes passam a ser tomadas em assembléias, nas quais se sobressaia quem
fosse melhor nos confrontos de opiniões e na capacidade de argumentação. Os
cidadãos de Atenas sentem a necessidade de aprender a arte de argumentar e de
persuadir seus ouvintes e assim garantir que seus interesses pessoais e de sua
classe prevaleçam sobre os demais.
Diante dessa
demanda, surge uma nova classe de professores sábios itinerantes, especialistas
na arte da retórica e na gramática, conhecidos como sofistas. O nome é muito
sugestivo e mostra como eram vistos por todos. Na língua grega a palavra para
designar sábio é sophos, da qual
deriva o termo sofista. Portanto, esses professores tidos como sábios e
conhecedores de uma gama variada de assuntos, se propunham ensinar as técnicas
do discurso para influenciar e persuadir seus adversários no debate político.
Assim, jogos de palavras, técnicas de raciocínios e certo relativismo
filosófico eram estimulados nos procedimentos didáticos dos sofistas.
Os
sofistas ensinavam técnicas de persuasão para os jovens, que aprendiam a
defender a posição ou opinião A, depois a posição ou opinião contrária, não-A,
de modo que, numa assembléia, soubessem ter fortes argumentos a favor ou contra
uma opinião e ganhassem a discussão. (CHAUI, 2001: 37)
No que se refere
à posição filosófica da sofistica, pode-se dizer que, apesar das diferenças
entre eles, o relativismo é um elemento comum em todos os filósofos desse
movimento. Eles defendiam não a existência de uma verdade única e absoluta,
“tudo é relativo ao individuo, ao momento, a um conjunto de fatores e
circunstâncias” (COTRIM, 2002: p. 91).
Por causa desse
relativismo filosófico e da cobrança por seus ensinamentos, os sofistas foram
duramente criticados por seus contemporâneos, os filósofos atenienses, Sócrates
e Platão. Pesava sobre eles a acusação de mercenários, professores que estavam
preocupados apenas em ganhar dinheiro, sem um compromisso com a verdade. Em
poucas palavras, seus ensinamentos nada mais eram que uma produção intencional
da falsidade e o uso da retórica como instrumento de manipulação.
Essas críticas
influenciaram a visão que a posteridade filosófica teria dos sofistas até a
modernidade, quando filósofos e especialistas em cultura grega descortinaram o
caráter tendencioso das colocações de Platão a cerca da sofística.
Os principais
sofistas foram: Licrofon, Pródicos, que teria sido mestre de Sócrates,
Trasímaco, Hípias, Protágoras e Górgias. Como as informações sobre esses
pensadores são muito fragmentadas, vamos apresentar sumariamente apenas os três
últimos, que são considerados os mais notáveis dentre eles:
Hípias de Elis (séc. V a.C.) As informações
sobre Hípias são escassas. Sabemos apenas que ele era um filósofo da primeira
geração de sofistas, sendo citado nos diálogos Platônico Hipias e Protágoras. Era
detentor de um saber enciclopédico e profundo conhecedor de todas as artes. A
seu respeito dirá o filósofo Jacques Maritain:
Hípias,
que brilhava igualmente na Astronomia, Geometria, Aritmética, Fonética,
Rítmica, Música, Pintura, Etnologia, Mnemotécnica, epopéia, Tragédia, epigrama,
Ditirambo e nas exortações morais, que foi embaixador de Elis e aprendeu todos
os ofícios (tendo comparecido uma vez aos jogos olímpicos com uma roupa feita
por suas próprias mãos), lembra um herói da renascença italiana (1963, p. 45).
Platão atribui a
Hípias a distinção entre o que é bom por natureza, sendo eternamente válido, e
o que é conforme a lei, sendo contingente e, por conseguinte, coagindo a
natureza humana. (cf. JAPIASSÚ, 2006: p.131.)
Protágoras de Abdera (c. 490-421
a.C.) O filósofo Protágoras nasceu em Abdera, na Trácia, mas ainda muito jovem
transferiu-se para Atenas. Nesta cidade tornou–se professor de uma multidão de
alunos. É célebre a afirmação de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas,
das que são como são e das que não são como são”. Sintetizando assim o seu
humanismo e seu relativismo filosófico, na medida em que coloca o homem no
centro do conhecimento e condiciona a verdade do conhecimento à opinião da
maioria, podendo variar de acordo com os lugares, as épocas e os interesses.
Górgias de Leontinos (c. 485-+380
a.C.): retórico e filósofo, nascido em Leontinos, região da Sicília, na Itália,
por volta de 485, teria chefiado uma delegação a Atenas, em 427, para conseguir
a interferência ateniense contra Siracusa, que ameaçava a independência das
cidades vizinhas; obteve grande sucesso graças aos seus conhecimentos de
oratória. Volta a Atenas, onde se torna um professor de oratória muito
conhecido e respeitado.
No campo da
filosofia, Górgias leva o relativismo de Protágoras ao ceticismo radical, como
se pode observar no trecho da sua obra intitulada Sobre a natureza, ou seja, sobre o que não é. Ali o filósofo defende
claramente: “Nada existe; se existisse
alguma coisa, não poderíamos conhecê-la, se pudéssemos conhecê-la, não
poderíamos comunicar nosso conhecimento aos outros”. (apud: MONDIN, 1981, p.42).
Qual a
importância dos sofistas? Pode-se dizer que o movimento sofista deu uma grande
contribuição para os estudos de etimologia, gramática e retórica. Além disso,
suas reflexões já trazem germinalmente algumas das grandes questões da Teoria
do Conhecimento e da Filosofia da Linguagem, ramos da filosofia que ocuparam
lugar de destaque no período moderno e contemporâneo.
BIBLIOGRAFIA:
JAPIASSÚ,
Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 4ª ed.
atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, ed. 2006.
DUZOZOI,
Gerard. e ROUSSEL, André. Dicionário de Filosofia. Campinas, São Paulo:
Papirus, 1993.
COTRIM,
Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 15 ed.
reform. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002.
CHAUI,
Marilena. Convite à Filosofia. 12ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2001.
MARCONDES,
Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein.
12ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.
MARITAIN,
Jacques. Elementos de Filosofia I: Introdução Geral à Filosofia. 6ª ed.
Rio de Janeiro: Agir, 1963.
MONDIN,
Battista. Curso de Filosofia. Vol. I: os filósofos do ocidente. 7ª ed.
São Paulo: Paulus, 1981 (col. Filosofia) pp. 42-43.
II
BIMESTRE
II. O PENSAMENTO
DE SÓCRATES
3. Sócrates e os
sofistas
Sócrates
foi contemporâneo dos sofistas e o mais enérgico adversário que eles tiveram.
Seu método de ensino e sua doutrina são o oposto da doutrina e método dos
sofistas. As divergências principais são as seguintes:
a)
Os sofistas buscam o sucesso e ensinam como consegui-lo. Sócrates busca só a
verdade e incita seus discípulos a descobri-la.
b)
Segundo os sofistas, para ter sucesso é necessário fazer carreira. Segundo
Sócrates, para se chegar à verdade, é necessário desapegar-se das riquezas, das
honras, dos prazeres, e entrar no próprio espírito, analisar sinceramente a
própria alma, conhecer a si mesmo,
reconhecer a própria ignorância.
c)
Os sofistas se gabam de saberem tudo e de ensinarem a todos. Sócrates tem a
convicção de que ninguém pode ser mestre dos outros. Ele não é mestre, mas
obstreta (maieuta); não ensina a verdade, mas ajuda seus discípulos a
descobri-la neles mesmos. Não leciona aos discípulos,mas conversa, discute, guia-os
em suas discussões, orienta-os para a descoberta da verdade.
d)
segundo os sofistas, aprender é coisa facílima. Afirmam por isso que por um
preço módico podem garantir aos discípulos o conhecimento da retórica e da arte
de governar. Segundo Sócrates, aprender não é coisa fácil. Muitos diálogos
terminam sem conclusão, sem uma definição da verdade, da bondade, da beleza, da
justiça, etc., sem um desenvolvimento completo do tema proposto. Para Sócrates,
é somente lenta e progressivamente que se chega ao conhecimento da verdade,
esclarecendo as próprias idéias e definindo as questões sempre com mais
precisão.
e)
Para os sofistas, o valor de qualquer conhecimento e de qualquer lei moral é
relativo, subjetivo. Para Sócrates, existem conhecimentos e leis morais de
valor absoluto, objetivo e, portanto, universal. (MONDM,
Batista. Curso de Filosofia. 7ª ed.
São Paulo, Paulus, 1981, pp. 48-49)
Texto I.
O método de
Sócrates
MÉNON:
Você pode me dizer, Sócrates, se a virtude é algo que pode ser ensinado ou que
só adquirimos pela prática? Ou não é nem o ensinamento nem a prática que tornam
o homem virtuoso, mas algum tipo de aptidão natural ou algo assim?
SÓCRATES:
[...] Você deve considerar-me especialmente privilegiado para saber se a
virtude pode ser ensinada ou como pode ser adquirida. O fato é que estou longe
de saber se ela pode ser ensinada, pois sequer tenho idéia do seja virtude
[...] E como poderia saber se uma coisa tem uma determinada propriedade se
sequer sei o que ela é.
SÓCRATES:
Diga-me você próprio o que é a virtude.
MÉNON:
Mas não há nenhuma dificuldade nisso. Em primeiro lugar, se é sobre a virtude
masculina que você deseja saber, então é fácil ver que a virtude de um homem
consiste em ser capaz de conduzir bem seus afazeres de cidadão, de tal forma
que poderá ajudar seus amigos e causar dano a seus inimigos, ao mesmo tempo
tomando cuidado para não prejudicar a si próprio. Ou se você quer saber sobre a
virtude da mulher, esta também pode ser facilmente descrita. Ela deve ser uma
boa dona-de-casa, cuidadosa com seus pertences e obediente a seu marido. Há
ainda uma virtude para as crianças do sexo masculino ou feminino, uma outra
para os velhos, homens livres ou escravos, como você quiser. E há muitos outros
tipos de virtude, de tal forma que ninguém terá dificuldade de dizer o que é.
Para cada ato e para cada momento, em relação a cada função separada, há uma
virtude para cada um de nós, e de modo semelhante, eu diria, um vício.
SÓCRATES:
Acho que tenho sorte. Queria uma virtude e você tem todo um enxame de virtudes
para me oferecer! Mas falando sério, vamos levar adiante esta metáfora do
enxame. Suponha que eu lhe perguntasse o que é uma abelha, qual é a sua
natureza essencial, e você me respondesse que há muitos tipos de abelhas, o que
você diria se eu lhe perguntasse então: mas é por ser abelhas que elas são
muitas e de diferentes tipos, distintas umas das outras? Ou você concordaria
que não é quanto a isso que diferem, mas quanto a outras coisas, outra
qualidade como tamanho ou beleza?
MÉNON:
Eu diria que enquanto abelhas elas não são diferentes umas das outras.
SÓCRATES:
Suponha então que eu lhe peça: é exatamente isso que quero que você me diga.
Qual a característica em relação à qual elas não diferem, mas são todas iguais?
Você tem algo a me dizer, não?
MÉNON:
Sim.
SÓCRATES:
Então faça o mesmo com as virtudes. Mesmo que sejam muitas e de vários tipos,
terão pelo menos algo em comum que faz de todas elas virtudes. É isso que deve
ser levado em conta por quem quiser responder à questão: “o que é a virtude?”
(Texto
extraído e adaptado de MONDIN, Battista. pp50-51 e MARCONDES, Danilo. pp.
46-47)
II. O PENSAMENTO DE PLATÃO
Texto I. Platão
Platão (428-347
a.C.) viveu em Atenas, onde fundou uma escola denominada Academia.
Para melhor
sintetizar as idéias de Platão, recorremos ao Livro VII de A República, onde seu pensamento é ilustrado pelo famoso “mito da
caverna”. Platão imagina uma caverna onde estão acorrentados os homens desde a
infância, de tal forma que, não podendo se voltar para a entrada, apenas
enxergam o fundo da caverna. Aí são projetadas as sombras das coisas que passam
às suas costas, onde há uma fogueira. Se um desses homens conseguisse se soltar
das correntes para contemplar à luz do dia os verdadeiros objetos, quando regressasse, relatando o que viu aos
seus antigos companheiros, esses o tomariam por louco, não acreditando em suas
palavras.
A análise do
mito pode ser feita pelo menos sob dois pontos de vista: o epistemológico (relativo ao conhecimento) e o político (relativo ao poder).
Segundo a
dimensão epistemológica, o mito da caverna é uma alegoria a respeito das duas
principais formas de conhecimento: na teoria
das idéias, Platão distingue o mundo
sensível, dos fenômenos, e o mundo
inteligível, das idéias.
O mundo
sensível, acessível aos sentidos, é o mundo da multiplicidade, do movimento, e
é ilusório, pura sombra do verdadeiro mundo. Assim, mesmo se percebermos
inúmeras abelhas dos mais variados tipos, a idéia
de abelha deve ser uma, imutável, a verdadeira realidade. Com isto Platão
se aproxima do instrumental teórico de Parmênides e, aliando-o aos ensinamentos
de Sócrates, elabora uma teoria original.
Do seu mestre
aproveita a noção nova de logos, e
continuando o processo de compreensão do real, cria a palavra idéias (eidos), para referir-se à intuição intelectual, distinta da
intuição sensível.
Portanto, acima
do ilusório mundo sensível, há o mundo das idéias gerais, das essências
imutáveis que o homem atinge pela contemplação e pela depuração dos enganos dos
sentidos.
Sendo as idéias
a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que participa do
mundo das idéias, do qual é apenas sombra ou cópia. Por exemplo, um cavalo só é
cavalo enquanto participa da idéia de “cavalo em si”. Trata-se da teoria da participação, mais tarde
duramente criticada por Aristóteles.
Para Platão há
uma dialética que fará a alma elevar-se das coisas múltiplas e mutáveis às
idéias unas e imutáveis. As idéias gerais são hierarquizadas, e no topo delas
está a idéia do Bem, a mais alta em perfeição e a mais geral de todas: os seres
e as coisas não existem senão enquanto participam do Bem. E o Bem supremo é
também a Suprema Beleza É o Deus de Platão.
Se lembrarmos o
que foi dito a respeito dos pré-socráticos, podemos verificar que Platão tenta
superar a oposição instalada pelo pensamento de Heráclito, que afirmava a
mutabilidade essencial do ser, e a posição de Parmênides, para o qual o ser é
imóvel. Platão resolve o problema: o mundo das idéias se refere ao ser
parmenídeo, e o mundo dos fenômenos ao devir heraclitiano.
Mas como é
possível aos homens ultrapassarem o mundo das aparências ilusórias? Platão
supõe que os homens já teriam vivido como puro espírito quando contemplaram o
mundo das idéias. Mas tudo esquecem quando se degradam ao se tornaram
prisioneiros do corpo, que é considerado o “túmulo da alma”. Pela teoria da reminiscência, Platão explica
como os sentidos se constituem apenas na ocasião
para despertar nas almas as lembranças adormecidas. Em outras palavras,
conhecer é lembrar. No diálogo Menon,
Platão descreve como um escravo, ao examinar figuras sensíveis que lhe são
oferecidas, é introduzido a “lembrar-se” das idéias e descobre uma verdade
geométrica.
Voltando ao mito
das cavernas: o filósofo (aquele que se libertou das correntes), ao contemplar
a verdadeira realidade e ter passado da opinião
(doxa) à ciência (episteme), deve
retornar ao meio dos homens para orientá-los.
Eis assim a
segunda dimensão do mito, a política, surgida da pergunta: como influenciar os
homens que não vêem? Cabe ao sábio ensinar a governar. Trata-se da necessidade
da ação política, da transformação dos homens e da sociedade, desde que essa
ação seja dirigida pelo modelo ideal contemplado.
(ARANHA,
M. Lúcia & MARTINS, M. Helena P. Filosofando 2ª ed. Rev. São
Paulo: Moderna, 1993, pp. 95-96)
A
utopia platônica: A República
No livro VII de A República, Platão ilustra o seu
pensamento como o famoso mito da caverna [...]. Vimos que o mito pode dar
margem a uma interpretação epistemológica,
pela qual se explica a teoria das idéias platônica. Segunda ela, o filósofo,
representado por aquele que se liberta das correntes ao contemplar a verdadeira
realidade, passa da opinião à ciência
e deve retornar ao meio dos homens para orientá-los.
Deriva daí a
segunda interpretação do mito da caverna, que resulta da dimensão política
surgida da pergunta: como influenciar os homens que não vêem? Cabe ao sábio
ensinar e dirigir. Trata-se da necessidade da ação política, da transformação
dos homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida pelo modelo ideal
contemplado.
É nesse sentido
que Platão imagina uma cidade utópica, a Callipolis
(Cidade Bela). Etimologicamente, utopia
significa “em nenhum lugar” (em grego, ou-topos).
Platão imagina uma cidade que não existe, mas que deve ser o modelo da cidade
ideal.
Partindo do
princípio de que as pessoas são diferentes e por isso devem ocupar lugares e
funções diversas na sociedade, Platão imagina que o Estado, e não a família,
deveria se incumbir da educação das crianças. Para isso, propõe estabelecer-se
uma forma de comunismo em que é eliminada a propriedade e a família, a fim de
evitar a cobiça e os interesses decorrentes dos laços afetivos, além da
degenerescência das ligações inadequadas.
O Estado
orientaria as formas de eugenia para evitar casamentos entre desiguais,
oferecendo melhores condições de reprodução e, ao mesmo tempo, criando creches
para a educação coletiva das crianças.
A educação
promovida pelo Estado deveria, segundo Platão, ser igual para todos até os 20
anos, quando dar-se-ia o primeiro corte identificando as pessoas que, por
possuírem “alma de bronze”, têm a sensibilidade grosseira e por isso devem se
dedicar à agricultura, ao artesanato e ao comércio. Estes cuidariam da subsistência da cidade.
Os outros
continuariam os estudos por mais dez anos, até o segundo corte. Aqueles que
tivessem a “alma de prata” e a virtude da coragem essencial aos guerreiros
constituiriam a guarda do estado, os soldados que cuidariam da defesa da cidade.
Os mais
notáveis, que sobrariam desses cortes, por terem a “alma de ouro”, seriam
instruídos na arte de pensar a dois, ou seja, na arte de dialogar. Estudariam
filosofia, que eleva a alma até o conhecimento mais puro e é a fonte de toda
verdade.
Aos cinquenta
anos, aqueles que passassem como sucesso pela série de provas estariam aptos a
ser admitidos no corpo supremo dos magistrados. Caberia a eles o governo da cidade, o exercício do poder,
pois apenas eles teriam a ciência da política. Sua função seria manter a cidade
coesa. Por serem os mais sábios, também seriam os mais justos, uma vez que
justo é aquele que conhece a justiça. A justiça constitui a principal virtude,
a própria condição das outras virtudes.
Se para Platão a
política é “a arte de governar os homens com o seu consentimento” e o político
é precisamente aquele que conhece essa difícil arte, só poderá ser chefe quem
conhece a ciência política. Por isso a democracia é inadequada, pois desconhece
que a igualdade deve se dar apenas na repartição dos bens, mas nunca no igual
direito ao poder. Para que o Estado seja bem governado, é preciso que “os
filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos”.
Platão propõe um
modelo aristocrático de poder. No entanto, como já vimos, não se trata de uma
aristocracia da riqueza, mas da inteligência, em que o poder é confiado aos
melhores, ou seja, é uma sofocracia.
O rigor do
Estado concebido por Platão ultrapassa de muito a proposta de educação. Se a
virtude suprema é a obediência á lei, o legislador tem de conseguir o seu
cumprimento pela persuasão em primeiro lugar, aguardando a atuação consentida
dos cidadãos livres e racionais. Caso não o consiga, deve usar a força: a
prisão, o exílio ou a morte. Da mesma forma, a censura é justificável quando
visa manter a integridade do Estado.
As formas de governo
Com a utopia,
Platão critica a política do seu tempo e recusa as formas de poder degeneradas.
A aristocracia, por exemplo, pode se corromper em timocracia, quando culto da virtude é substituído pela forma
guerreira; ou em oligarquia, quando
prevalece o gosto pelas riquezas, e o censo é a medida de capacidade para o
exercício do poder.
No Livro VIII de
A República,
Platão explica como essas formas degeneradas podem fazer surgir a democracia. Como vimos, a democracia não
corresponde aos ideais platônicos porque, por definição, o povo é incapaz de
possuir a ciência política. Quando o poder pertence ao povo, é fácil prevalecer
a demagogia, característica do
político que manipula e engana o povo (etimologicamente, “o que conduz o
povo”). Platão critica a noção de igualdade na democracia, pois para ele a
verdadeira igualdade é de ordem geométrica, porque se baseia no valor pessoal
que é sempre desigual (já que uns são melhores do que outros), não considerando
todos igualmente cidadãos.
Por fim, a
democracia levaria fatalmente à tirania,
a pior forma de governo, exercida pela força por um só homem e sem ter por
objetivo o bem-comum. O tirano é a antítese do magistrado-filósofo.
(ARANHA,
M. Lúcia & MARTINS, M. Helena P. Filosofando 2ª ed. Rev. São
Paulo: Moderna, 1993, pp. 193-194)
O Pensamento
de Aristóteles
A
vida de Aristóteles (nascido em 384 a.C., em Estagira, na Trácia, e por isso
chamado o Estagirista) pode ser divida em três fases principais: a primeira
compreende o período em que ele foi discípulo de Platão; a segunda, o período
em que foi preceptor de soberanos; a terceira, o período em que fundou e
dirigiu a sua escola.
Discípulo de Platão
Aristóteles
entrou para a Academia aos dezessete anos e nela permaneceu por mais de vinte,
até a morte de Platão. Enquanto freqüentava a Academia, e ainda depois,
aceitava a filosofia de Platão, isto é, a teoria das Ideias. Nas primeiras
obras (no Diálogo da Filosofia, por
exemplo), ele se considera platônico e manifesta grande respeito e admiração
pelo mestre. Depreende-se disso que descobriu seu sistema aos poucos, enquanto
ia desenvolvendo sua crítica à doutrina das Ideias, crítica já iniciada, aliás,
pelo próprio Platão.
Preceptor de soberanos (347-336
a.C.)
Depois
da morte de Platão, Aristóteles deixou a Academia e se tronou primeiramente
conselheiro de um governante, na Ásia Menor, e mais tarde, em 343, preceptor de
Alexandre Magno. Neste período desenvolveu seu sistema e escreve uma parte da Metafísica.
Com
a subida de Alexandre Magno ao trono, em 336, Aristóteles deixou Tebas e,
depois de uma breve permanência em Estagira, voltou para Atenas.
Fundador da Escola Peripatética
(335-322 a.C.)
Em
Atenas abriu, por conta própria, uma escola que recebeu o nome de
“peripatética” porque ele dava suas preleções num corredor (perípatos) do Liceu. A sua escola era
uma universidade como a de Platão, mas, à diferença desta, dedicava-se
preferencialmente ao estudo das ciências naturais. Morreu em 322 a.C., pouco
depois de seu grande discípulo, Alexandre Magno.
As obras
Aristóteles
escreveu sobre muitos assuntos e deixou em todos os campos a marca indelével do
seu gênio. Nas ciências, as suas classificações das plantas e dos animais se
impuseram por vinte séculos até Lineu.
Na
Lógica constituiu um sistema de leis ao qual se acreditava, até meio século
atrás, que não se poderia acrescentar mais nada. Seus escritos neste campo
foram reunidos em uma obra denominada Órganon
(Instrumento) e dividida em: Categoriae
(Categorias), De interpretatione (Da
interpretação), Priora analytica
(Primeiros analíticos), Analytica
posteriora (Segundos Analíticos), Topica
(Tópicos).
Aristóteles
tornou-se célebre especialmente por suas obras filosóficas. Como mais
importantes podemos citar a Metafísica
(14 livros), a Física (8 livros), a Ética a Nicômaco (10 livros), a Política (8 livros), o Da Alma (3 livros), o Da Geração e da Corrupção (2 livros), a Poética (1 livro, incompleto).
(MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. 7ª ed. São Paulo: Paulus,
1981, pp. 81-82.)
A
Metafísica ou teoria do ser enquanto ser;
Aristóteles
retoma a problemática do conhecimento e se preocupa em definir a ciência como
conhecimento verdadeiro, conhecimento pelas causas, capaz de superar os enganos
da opinião e de compreender a natureza do devir. Mas as analisar a oposição
entre o mundo sensível e o inteligível segundo a tradição de Heráclito,
Parmênides e Platão, Aristóteles recusa as soluções apresentadas e critica
pormenorizadamente o mundo “separado” das idéias platônicas.
A teoria
aristotélica se baseia em três distinções fundamentais, que passamos a
descrever simplificadamente: substância-essência-acidente; ato-potência;
forma-matéria, que por sua vez desembocam na teoria das quatro causas.
Aristóteles
“traz as idéias do céu à terra”: rejeita o mundo das idéias de Platão, fundindo
o mundo sensível e o inteligível no conceito da substância, enquanto “aquilo que é em si mesmo”, ou enquanto
suporte dos atributos.
Ora, quando
dizemos algo de uma substância, podemos nos referir a atributos que lhe convêm
de tal forma que, se lhe faltassem, a substância não seria o que é. Designamos
esses atributos de essência
propriamente dita, e chamamos de acidente
o atributo que a substância pode ter ou não, sem deixar de ser o que é. Então,
a substância individual “este homem” tem como características essenciais os
atributos pelos quais este homem é homem (Aristóteles diria, a essência do
homem é a racionalidade) e outros, acidentais (como ser gordo, velho ou belo),
atributos esses que não mudam o ser do homem em si.
No entanto, o problema
das transformações dos seres ainda não se resolve com os conceitos de essência
e acidente, e por isso Aristóteles recorre às noções de forma e matéria. Matéria é o princípio indeterminado de
que o mundo físico é composto, é “aquilo de que é feito algo”, o que não
coincide exatamente com o que nós entendemos por matéria, na física, por se
caracterizar pela indeterminação. Forma
é “aquilo que faz com que uma coisa seja o que é”.
Todo ser é
constituído de matéria e forma, princípios indissociáveis. Enquanto a forma é o
princípio inteligível, a essência comum aos indivíduos da mesma espécie, pela
qual todos são o que são, a matéria é pura passividade, contendo a forma em
potência. Numa estátua, por exemplo, a matéria (que nesse caso é a matéria
segunda, pois já tem alguma determinação) é o mármore; a forma é a idéia que o
escultor realiza na estátua.
É através da
noção de matéria e forma que se explica o devir. Todo ser tende a tornar atual
a forma que tem em si como potência. Assim, a semente, quando enterrada, tende
a se desenvolver e se transformar no carvalho que era em potência.
Percebe-se aí o
recurso aos dois outros conceitos, de ato
e potência, que explicam como
dois seres diferentes podem entrar em relação, agindo um sobre o outro. O
conceito de potência não deve ser
confundido com força, mas sim com a ausência
de perfeição em um ser capaz de vir a possuí-la. Pois uma potência é a
capacidade de tornar-se alguma coisa e, para tal, é preciso que sofra a ação de
outro ser já em ato. A semente que contém o carvalho em potência foi gerada por
um carvalho em ato.
O movimento é,
pois, a passagem da potência para o ato. O movimento é “o ato de um ser em
potência enquanto tal”, é a potência se atualizando. Tais considerações levam à
distinção dos diversos tipos de movimento e às causas do movimento ou teoria das quatro causas: as mudanças
derivam da causa material, da causa formal, da causa eficiente e da causa
final.
Mesmo ainda
considerando o postulado parmenídeo de que o ser é idêntico ao pensar,
Aristóteles pode superar Parmênides e Platão ao usar os conceitos acima
expostos, pelos quais se compreende a imutabilidade e a mudança, o acidental e
o essencial, o individual e o universal. Se conhecer é lida com conceitos
universais, é também aplicar esses conhecimentos a cada coisa individual. Com
isso, nem é preciso justificar a imobilidade do ser, nem criar o mundo das
essências imutáveis...
Vimos como a
filosofia grega, desde o momento em que se destaca do pensamento mítico,
elabora conceitos para instrumentalizar a razão no esforço de compreensão do
real.
Entre as
diversas e importantes contribuições do pensamento grego, destaca-se o caminho
percorrido por Parmênides, Platão e Aristóteles na busca dos conceitos que
explicassem o ser em geral e que hoje
reconhecemos como sendo o assunto tratado pela parte da filosofia denominada
metafísica.
Há uma
curiosidade em torno da origem do nome metafísica.
Embora sempre façamos referência à metafísica de Aristóteles, ele próprio usava
a denominação filosofia primeira. O
termo metafísica surgiu no século I
a.C., quando Andrônico de Rodes, ao classificar as obras de Aristóteles,
colocou a Filosofia primeira depois
das obras de Física: Meta Física, ou
seja, “depois da Física”.
De qualquer
forma, nada impediu que esse “depois”, puramente espacial, fosse considerado
“além”, no sentido de tratar de assuntos que transcendem a física, que estão
além dela porque ultrapassam as questões postas a partir do conhecimento do
mundo sensível. Portanto, no sentido pelo qual o conhecemos hoje, o termo só
começou a ser aplicado a partir do século V da nossa era.
A filosofia
primeira não é primeira na ordem no conhecer, já que partimos do conhecimento
sensível, mas a que busca as causas mais universais (e portanto as mais
distantes do sentidos) e que são as mais fundamentais na ordem real. Trata-se
da parte nuclear da filosofia, onde se estuda “o ser enquanto ser”, isto é, o
ser independentemente de suas determinações particulares.
É a metafísica
que fornece a todas as outras ciências o fundamento comum, o objeto ao qual
todas se referem e os princípios dos quais dependem. Ou seja, todas as ciências
se referem continuamente ao ser e a diversos conceitos ligados diretamente a
ele, tais como identidade, oposição, diferença, gênero, espécie, todo, parte,
perfeição, unidade, necessidade, possibilidade, realidade etc. Mas nenhuma
ciência examina tais conceitos. É nesse sentido que consideramos que o objeto
da metafísica consiste em examinar o ser e suas propriedades.
(ARANHA,
M. Lúcia & MARTINS, M. Helena P. Filosofando 2ª ed. Rev. São
Paulo: Moderna, 1993, pp. 97-99)
A Ética e Política
Ética
A felicidade consiste na plena realização das
próprias capacidades. Partindo deste princípio, Aristóteles demonstra que a
felicidade do homem não pode consistir nas riquezas, nem nas honrarias, nem nos
prazeres, porque nenhuma dessas coisas representa a plena realização das
capacidades humanas.
O homem é um ser racional. Consequentemente o seu
bem ou a sua felicidade (eudaimonia)
deve consistir na atuação da razão. Segundo Aristóteles, a perfeita atuação da
razão verifica-se na contemplação. Logo, a felicidade do homem consiste na
contemplação.
Mas, não só a contemplação, porque o homem não é
pura razão, nem puro espírito, mas também carne e sentidos. Para que o homem
seja realmente feliz é necessário que sejam satisfeitas todas as suas
faculdades, também as dos sentidos. A satisfação dos sentidos chama-se prazer.
Logo, a verdadeira felicidade é constituída pelo prazer junto com a
contemplação, em harmonia com a contemplação e a seu serviço.
As riquezas não são indispensáveis para a
felicidade, embora certa quantidade de bens seja necessária para que seja
possível ao homem entregar-se à contemplação sem ser perturbado por outras
preocupações.
Como se vê, o ideal aristotélico de felicidade é
semelhante ao ideal descrito por Platão no Filebo:
é uma mistura dosada de prazer e de razão. É um ideal bem menos ascético do que o descrito por Platão na República e do que o seguido por
Sócrates.
Aristóteles não crê que o justo seja propriamente
feliz no meio dos sofrimentos.
O meio para se conseguir a felicidade é a virtude.
Por virtude Aristóteles entende “o hábito de escolher o justo meio”. Quem o
estabelece é o sábio. A definição completa soa assim: “A virtude é uma disposição
para escolher; ela consiste na escolha do justo meio relativo à nossa natureza,
efetuada segundo um princípio racional e fixado pelo homem prudente” [4].
Em outras palavras, a virtude é o hábito de praticar
ações que estejam no meio entre dois excessos. Daí o dito conhecido: “In médio stat virtus” (a virtude está no
meio).
“As ações estão sujeitas a se tornarem imperfeitas
ou por defeito ou por excesso; por exemplo, tanto os exercícios excessivos
quando os escassos prejudicam o vigor; o beber e o comer superabundantes ou
insuficientes arruínam a saúde. O mesmo se dá com a moderação, a coragem e as
outras virtudes; de fato, que foge ou teme todas as coisas e não enfrenta nada,
torna-se tímido; quem, ao contrário, não teme nada, enfrenta qualquer coisa e
se torna temerário; quem goza toda sorte de prazeres e não se abstém de nenhum,
torna-se intemperante; mas quem evita todos os prazeres, torna-se insensível.
De modo que também a moderação e a coragem são arruinadas tanto pelo excesso
como pela deficiência, mas são preservadas pela via do meio”[5]
Como se vê, Aristóteles não identifica a virtude com
o saber, como fizera Platão, mas dá importância também à escolha, a qual
depende mais da vontade do que da razão.
Em seguida Aristóteles divide a virtude em dois grupos
principais: virtudes do intelecto ou dianoéticas
e virtude morais.
As virtudes dianoéticas
são as eu concorrem para o desenvolvimento e o funcionamento das faculdades
intelctivas. Para ele, as virtudes dianoéticas
são cinco: ciência intuitiva (nuos),
ciência intelectiva (episteme),
sabedoria (sophia), arte (téchne) e ciência prática (phrónesis).
A sabedoria é uma síntese de ciência intuitiva e
intelectiva. O seu objeto é o fim, ao passo que o objeto da ciência prática são
os meios.
As virtudes
morais são as que presidem ao controle das paixões e à escolha dos meios
aptos para a consecução do fim. As virtudes morais mais importantes são as
quatro virtudes chamadas cardeais. A prudência corrige o intelecto, isto é,
torna-o capaz de avaliar com exatidão a bondade ou a malícia, em outras
palavras, o caráter moral de uma ação. A temperança corrige o apetite
concupiscível, e a fortaleza, o apetite irascível. A justiça rege o
comportamento do home em relação aos outros homens.
Existem duas espécies principais de justiça: distributiva e corretiva. A primeira diz respeito à reta distribuição, ou seja, à
distribuição, por parte do estado, das honras, dos cargos e dos bens materiais
aos cidadãos, segundo os méritos. A segunda diz respeito à imposição das penas
aos transgressores da lei e à restituição aos legítimos donos daquilo de que
foram privados.
Entre as virtudes examinadas por Aristóteles, ocupa
lugar de relevo a amizade. Segundo ele, a amizade é tão importante que sem ela
não pode haver felicidade. Esta última consiste primariamente no exercício das
virtudes especulativas e secundariamente no exercício das virtudes morais. Quem
se contenta com o exercício das virtudes morais é feliz (eudáimon), quem se dedica especialmente ao exercício das virtudes
especulativas é felicíssimo (eudaimonéstatos).
De modo geral, Aristóteles considera o exercício das virtudes morais como um
meio que facilita o exercício das virtudes especulativas. A essência da
felicidade consiste na contemplação.
A
Política
Segundo Aristóteles, a origem do estado é natural e
não convencional, como afirmavam os sofistas e, em parte, também Platão. Os
homens unem-se para formar a sociedade não em virtude de um pacto, mas
instintivamente, porque de outro modo não poderiam satisfazer a todas as suas necessidades
físicas e intelectuais.
“É evidente”, diz Aristóteles, “que o estado é uma
criação da natureza e que o homem é por natureza um animal político. Se alguém
por natureza e não só acidentalmente, vive fora do Estado, é superior ou
inferior ao homem”. “quem é incapaz de viver em sociedade, ou não precisa dela
por ser auto-suficiente, deve ser um animal ou um Deus”.[6]
O Estado surge pelo seguinte motivo: tornar possível
não só a vida (toũ zen éneka, por
causa da vida), mas também a vida feliz (toũ
eũ zen, por causa “do viver feliz”). O escopo da vida humana é a
felicidade; o escopo do Estado é facilitar a consecução da felicidade. Só o
Estado torna possível a completa realização de todas as capacidades humanas.
Partindo do princípio segundo o qual a finalidade do
Estado é facilitar a consecução do bem-comum, em outras palavras, de que a
finalidade do Estado é o bem-comum, Aristóteles divide as constituições
possíveis em justas e injustas. Há três formas de constituição justa e três de
injusta.
Constituições
justas
são as que servem ao bem-comum e não ao bem dos governantes. Tais são: a monarquia ou o governo de um só que
cuida do bem de todos; a aristocracia
ou o governo dos virtuosos, dos melhores, que cuidam do em de todos, sem
atribuir-se nenhum privilégio; a república
ou a politía, isto é, o governo
popular que cuida do bem de toda a cidade.
Constituições injustas são as que servem ao bem dos
governantes e não ao bem-comum. São elas: a tirania
ou o governo de um só que procura o interesse próprio; a oligarquia ou o governo dos ricos que procuram o bem econômico
pessoal; a democracia ou o comando da
massa popular que quer suprimir toda diferença social em nome da igualdade.
Como
todos os outros pensadores da antiguidade, também Aristóteles justifica a
escravidão: “É evidente”, diz ele, “ que alguns homens são por natureza livres
e outros escravos”.[7]
(MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. 7ª ed. São Paulo:
Paulus, 1981, pp. 101-104.)
A Lógica
(raciocínio lógico formal)
Aristóteles foi
o primeiro a fazer um estudo sistemático dos conceitos (isto e idéias),
procurando descobrir as propriedades que eles têm enquanto produzidos pela
nossa mente, como podem ser unidos e separados, divididos e definidos, e como é
possível tirar conceitos novos de conceitos conhecidos anteriormente. Os
resultados dessas pesquisas se encontram no Órganon,
obra que se divide em cinco livros. Este nome não foi dado pelo autor, mas
pelos estudiosos bizantinos que procuraram reunir todas as obras lógicas de
Aristóteles em um só volume. Órganon
significa “instrumento”; a lógica é, de fato, o instrumento do pensamento.
Para Aristóteles
todas as idéias podem ser reduzidas a dez grandes grupos, chamados predicamentos ou categorias. As dez categorias são: substância, qualidade,
quantidade, ação, paixão, relação, tempo, lugar, posição, hábito.
Todas as idéias
têm compreensão (abrangem certas
características, perfeições ou qualidades), extensões
(isto é, são aplicáveis a certo número de coisas) e predicabilidade. Na
predicabilidade, Aristóteles distingue quatro modos (chamados os quatro predicáveis) de se atribuir uma idéia a
um sujeito: a idéia exprime um elemento essencial, mas não determinante do
sujeito (gênero), ou um elemento
essencial determinante (diferença
específica), ou um elemento acidental próprio ( acidente próprio), ou um elemento puramente acidental (simples acidente).
Porfírio, um
comentador de Aristóteles, acrescentou mais tarde um quinto predicável, a espécie, que se verifica quando o
predicado diz toda a essência do sujeito.
Para deduzir
conceitos novos de conceitos conhecidos anteriormente, Aristóteles elaborou uma
técnica simplicíssima e, em certo sentido, perfeita: o silogismo. Ele consiste
em um grupo de três proposições encadeadas de tal forma que as duas primeiras
impliquem necessariamente a terceira. O silogismo pode ter várias formas, umas
perfeitas, outras imperfeitas; as formas imperfeitas podem ser reduzidas às
perfeitas mediante a conversão ou a transposição das premissas.
Aristóteles fala
também de outra forma de raciocínio, a saber, a indução. À diferença do silogismo (que parte de proposições mais
universais para chegar a proposições menos universais), a indução parte de
casos particulares ou de proposições menos universais para chegar a uma
proposição mais universal. O estudo dedicado por Aristóteles a este tema é
elementar e muito imperfeito. Algumas de suas alusões á indução como processo
para a formação dos conceitos são, todavia, muito importantes.
(MONDIN,
Battista. Curso de Filosofia. 7ª ed.
São Paulo: Paulus, 1981, pp. 83-84.)
FILOSOFIA HELENÍSTICO-ROMANA
Prof.: Epitácio
Rodrigues
Fonte: http://filosofiaprofrodrigues.blogspot.com
Depois da morte
de Platão e de Aristóteles, os dois grandes nomes da Filosofia clássica grega e
o advento do helenismo com Alexandre Magno, os novos filósofos mudam
consideravelmente o rumo das suas investigações e as novas escolas filosóficas
buscam responder como orientar a vida para encontrar a verdadeira felicidade,
numa forma de organização político social, na qual os interesses coletivos
cedem lugar aos interesses privados, e o conceito de cidadão desaparece, dando
origem ao conceito de individuo. As principais escolas filosóficas da época
são: epicurismo, estoicismo, ceticismo e ecletismo.
1.
Epicurismo
Epicuro de Samos (341-270 a.C) fundou sua escola na
cidade de Atenas em 306. Ela se manteve por mais de seis séculos, e se propagou
depois a Roma e Oriente. De seus escritos restaram somente alguns fragmentos: máximas capitais, Cartas e Sobre
a Natureza.
Ensina a seus discípulos a ataraxia (= imperturbabilidade); para
consegui-la, é preciso viver às ocultas, fugindo de empreendimentos. Sua
filosofia está fundamentada numa visão atomista e materialista da natureza e da
alma humana.
Para Epicuro, a filosofia
tem a missão de libertar o homem das turbulências que o agitam. “Deves servir à
filosofia só para alcançar a verdadeira liberdade”. O que perturba o ser humano
são quatro erros, dos quais ele se liberta só quando os domina e reconhece que
são somente opiniões. São eles: temor dos deuses, medo da morte, ânsia dos
prazeres, tristeza pelas dores. A filosofia nos oferece os quatros remédios
para desprendermo-nos desses erros, através de um verdadeiro conhecimento do
mundo e uma verdadeira doutrina da natureza.
Temor dos
Deuses. Os deuses
existem em sua divindade, em perfeita serenidade nos espaços intermundanos que
os separam dos homens, alimentados pelos afluxos de átomos que equilibram o
fluxo de átomos. Frente aos deuses o homem deve ter uma atitude de
desinteresse, e não de culto servil de imploração e conjuros, alimentados pelo
interesse e temor aos deuses.
Temor
da Morte. Epicuro
considera o medo da morte um temor e sofrimento desnecessário, pois o nosso
nascimento é apenas o resultado de um entrechoque de átomos que se combinam
originando essa unidade psicossomática que somos nós. A morte é somente a
desagregação corpórea (onde reside a nossa sensibilidade) dessa unidade
psicossomática, de tal forma que não sentiremos mais nada quando isso
acontecer. Noutras palavras, nunca nos encontraremos com a morte, pois,
enquanto existimos, ela não existe para nós, e quando ela chega, nós é que não
existimos mais para ela, pois perdemos a capacidade de sentir.
Ânsia de prazeres.
O verdadeiro critério de
avaliação do bem e do mal é o prazer e a dor. Todos nós tendemos para o prazer,
mas nem todo prazer nos conduz à felicidade; os prazeres sensuais só nos
acarretam mais dor, pois a dor é proporcionada por nossas necessidades;
portanto, não é este o caminho do verdadeiro prazer. Assim transmuta o prazer
fugaz, pregado pelo hedonismo, em um prazer perene e permanente, que coincida
com toda ausência de dor.
Temor à dor. Como
dissemos antes, o prazer fugaz só acentua mais ainda a dor e a infelicidade no
homem. Mas esse não é o verdadeiro prazer. O prazer perfeito não é mais que o
cessar de todo desejo e de necessidades, o que só se obtêm limitando as
necessidades, único meio para conseguir a calma, a imperturbabilidade (ataraxia)
e a ausência de toda dor (aponía), que o sábio deve perseguir. Mediante
este domínio o homem é capaz de renunciar a um prazer que não é mais que fonte
de dor, e transformar um mal que é fonte de prazer perene. Neste domínio o
homem chega à contemplação da verdade.
2.
Estoicismo
Zenão de Citio
(336-263 a.C ) fundou a Escola do pórtico (stoá). Professa uma física panteísta
(A Razão é a alma do mundo). Por conseguinte, a regra suprema é viver conforme
a natureza e procurar a apatia ou
insensibilidade frente a bens e males. Esta escola teve famosos discípulos
latinos: Sêneca (4 – 65 d.C.), o preceptor de Nero, Epicteto (50-138 d.C.),
escravo liberto, o imperador Marco Aurélio (121-180 d.C.).
O homem, na filosofia estóica, é apenas um órgão
desse imenso organismo chamado universo, um ser a mais dentre os seres da
natureza, e sua alma é apenas uma centelha ou faísca da manifestação da alma
divina ou Razão universal. Por isso, a sua liberdade consiste exatamente em
compreender e conformar suas ações e vontade às leis da Razão universal, que é
a razão perfeita. O estóico deve aceitar e seguir serenamente e com alegria
interior a razão universal. Daí a máxima estóica “segue a natureza que é teu
guia”. Epitecto, filósofo estóico, resume essa concepção de liberdade, afirmando:
“Até hoje não houve coisa alguma que me trouxesse impedimento ou coação. Por
quê? Porque sempre dispus minha vontade segundo a Vontade de Deus. Quer Deus
que eu tenha febre? Também eu quero”. Ou seja, o ideal de liberdade consiste em
compreender essa inexorabilidade do universo regido segundo as leis do Logos ou
Razão universal e colocar-se em harmonia com ela, numa atitude de profunda
resignação da vontade.
Como a ética estóica defende a felicidade como fim que dá sentido à
vida e ao agir humano, ela é considerada finalista e eudemonista. Porém, a
vinculação da ética a uma cosmologia monista e materialista[8], dá
ao homem e o seu ideal de felicidade uma compreensão, em muitos aspectos,
diferente da aristotélica. Para os estóicos, a vida feliz consiste numa
disposição da vontade para aceitar, com serenidade, as coisas como elas são.
Isso não significa uma anulação da liberdade, pois além da heróica aceitação da
natureza, a ética defende que o homem pode ser livre, basta saber distinguir
quais coisas e acontecimentos independem de sua vontade e que, portanto, ele
não tem poder sobre elas, por exemplo: sua saúde, morte, etc.. que devem ser
tratadas como realidades indiferentes. Mas, pode decidir sobre suas paixões e
seus juízos. As paixões são consideradas irracionais e nos afastam da vida
segundo a razão, por isso, o homem sábio é aquele capaz de viver a apatheia – apatia, no
sentido filosófico estóico -, isto é, a indiferença em relação às emoções e as paixões e, através
dela, alcançar a ataraxia, ou seja, o ideal de serenidade ou imperturbabilidade da alma alcançada quando se
domina ou elimina as paixões e emoções.
3.
Ceticismo
“O termo cetiscismo vem do sképsis, que significa “investigação”, “procura ele quer indicar
mais precisamente que a sabedoria não consiste no conhecimento da verdade, mas
na sua procura. De fato, o ceticismo sustenta que o homem não pode conhecer a
verdade, mas somente procurá-la.
Conhecer a
verdade compete a Deus; investigá-la, ao homem. Existem, pois, duas espécies de
sabedoria: uma divina, e outra que consiste na investigação da verdade.
Antes de Platão
e Aristóteles, já se desenvolvera a Grécia uma orientação filosófica
essencialmente cética, o famoso movimento dos sofistas. Ele se revigorou e se
difundiu largamente durante o período do helenismo, principalmente depois que
se tornou a doutrina oficial da escola de Platão, a Academia.
Os principais
expoentes do ceticismo são Pírron, Carnéades e Sexto Empírico.
Pírron é
considerado geralmente como fundador do movimento; viveu entre 360 e 270 a.C.
depois de participar, como cavaleiro, da campanha de Alexandre Magno no
Oriente, voltou para Elís, sua pátria, onde fundou uma escola de Filosofia.
Ensinou uma forma de ceticismo radical.
Partindo do
princípio de que as coisas são inatingíveis ao conhecimento humano, Pírron
conclui que para o homem a única atitude cabível é a suspensão (epoché) total do juízo; não se pode
afirmar de coisa alguma que seja verdadeira ou falsa, justa ou injusta, e assim
por diante.
Essa suspensão
do juízo leva a considerar todas as coisas como indiferentes ao homem e,
consequentemente, anão dar preferência a uma coisa em relação à outra.
De modo que a
suspensão do juízo já é, por si mesma, uma ataraxia,
ausência de qualquer perturbação e paixão. A felicidade consiste, portanto, na
suspensão do juízo.
As doutrinas de
Pírron tiveram larga acolhida na Academia. Isto aconteceu quando os platônicos,
persuadidos da validade das críticas de Aristóteles, abandonaram a teoria das
Ideias. Tirada a base sobre a qual se apoiava a confiança de Platão no
conhecimento humano, não restava aos platônicos outra saída senão refugiar-se
no ceticismo.
Para distinguir
a escola platônica que permaneceu fiel aos ensinamentos do mestre de que,
abandonando a teoria das idéias, aceitou a posição cética, a primeira foi
chamada Velha Academia, e a segunda, Nova Academia. Os principais expoentes
desta última são Carnéades e sexto Empírico.
Carnéades
(214-129 a.C.) tempera o ceticismo radical de Pírron, admitindo para o homem a
possibilidade de conhecer o que é provável, apesar de não lhe reconhecer o
poder de atingir a verdade. Para ele, o sábio é aquele que, embora sabendo que
a verdade é inatingível, não desiste de procurá-la assiduamente. Na vida
prática, o sábio segue o que lhe parece mais próximo da verdade e do bem, o que
tem a seu favor mais razões para ser considerado como válido, mesmo que não se
manifeste como absolutamente certo e indiscutível.
Sexto empírico
(século II d.C) dá ao ceticismo a exposição mais sistemática e rigorosa. Por vários
motivos julga ele que o único sistema filosófico possível é o ceticismo. Os
principais são os dois seguintes: a) o profundo desacordo entre os filósofos em
relação a qualquer problema; b) os enganos dos sentidos: o conhecimento varia
segundo as condições do sujeito (circunstâncias, saúde), segundo as condições
do objeto (distancia, posição, ambiente, massas corpóreas) e segundo as
relações (freqüência dos acontecimentos).
Com Sexto
Empírico o ceticismo fecha-se em uma posição fenomenística que faz mais do que
anular a própria possibilidade do saber, porque limita o conhecimento aos
fenômenos e às suas relações experimentáveis, eliminando toda indagação em
torno das coisas transcendentes, inverificáveis. Toda indagação metafísica é
considerada vã porque fundada no princípio de causalidade e no processo
silogístico. Ora, Sexto empírico contesta, ao princípio de causalidade,
sucessão de fatos concomitantes ou consecutivos. Quanto ao silogismo, ele o
considera um exercício formalístico vazio, que encerra o pensamento num
círculo-vicioso. Sexto Empírico não reconhece o valor da lógica apodítica de
Aristóteles e se abandona à contigência dos acontecimentos.” (MONDIN, Battista,
p.166-118)
4.
O Ecletismo
A palavra
ecletismo vem do grego ekléktikós de eklegein: esconder). Hilton Japiassú e
Danilo Marcondes definiram o ecletismo como um “método filosófico que consiste
em retirar dos diferentes sistemas de pensamento certos elementos ou teses para
difundi-los num novo sistema.” (Dicionário Básico de Filosofia, p. 81). Noutras
palavras, o ecletismo era uma mistura de proposições e teorias filosóficas, não
raro de modo superficial, na qual se buscava captar o melhor dos sistemas
filosóficos.
Nas palavras que
seguem apresentaremos uma caracterização do ecletismo feita pelo historiador da
filosofia Battista Mondin: “entende-se por ecletismo
a atitude filosófica para qual a procura da verdade não se esgota em apenas uma
forma sistemática e dedica-se por isso a coordenar e harmonizar entre si
elementos de verdade escolhidos em diversos sistemas.
O ecletismo
desenvolve-se durante o período alexandrino como reação ao cepticismo.
Diante do
desacordo cada vez mais grave e profundo entre os filósofos, os cépticos, como
vimos, tinham perdido totalmente a confiança na capacidade da razão humana em
atingir a verdade. Já os ecléticos, diante dessa situação, não julgam correto
perder o ânimo, por que, segundo eles, o desacordo é sinal de incapacidade da
razão não para atingir a verdade, mas para abranger a verdade com um único olhar.
Para eles, o desacordo dos filósofos deve-se ao fato de que, não podendo a
fraca mente humana abarcar toda a verdade com um só olhar, um filósofo limita a
sua investigação a um aspecto e outro filósofo a outro aspecto. Assim,
estudando aspectos diferentes da realidade, é natural que cheguem a conclusões
diferentes. Por isso, para se chegar uma compreensão adequada das coisas, não
se deve confiar em um só filósofo, mas é necessário reunir as conclusões das
pesquisas dos melhores entre eles. É o que procuram fazer os ecléticos do
período helenístico: para organizarem um sistema filosófico mais completo,
reúnem os melhores aspectos das doutrinas de Platão, Aristóteles, Epicuro e
Zenão de Citio.”(Curso de Filosofia, p. 118).
Um dos maiores
representantes e expoente do ecletismo foi o filósofo romano Cícero, rejeitando
o Epicurismo, adere ao pensamento platônico, aristotélico e estóico. Também, os
padres da Igreja, apesar da ênfase dado ao platonismo, na construção do
pensamento cristão, usam elementos vindos também o estoicismo. Também O
Ecletismo foi uma corrente filosófica que mais influenciou os pensadores
brasileiros no surgimento das primeiras manifestações filosóficas no Brasil.
A FILOSOFIA CRISTÃ
O que era a fé
no pensamento cristão Medieval?
Pode-se dizer
que a Fé era uma “crença irrestrita ou uma adesão incondicional às verdades
reveladas por Deus aos homens. Essas verdades estavam expressas nas Sagradas
Escrituras (Bíblia) e interpretadas pela autoridade da igreja.”
Segundo a
Doutrina Católica, a fé era o ponto mais alto das verdades relevadas. Nada
poderia se contrapor ao ensinamento da Sagrada Escritura. Nenhuma doutrina ou
pensamento poderia contestar o ensinamento ou a autoridade da Igreja. Dentro
deste contexto surge a discussão feita pelos grandes intelectuais do período
Medieval: a relação entre Fé e Razão, entre Teologia e Filosofia.
Fides et Ratio –
Fé e Razão
Dentro do grande
embate entre fé e razão, muitos foram os intelectuais que
defenderam um dos pontos de vista. Santo Ambrósio, por exemplo, afirmava que
“toda verdade, dita por quem quer que seja, é de Espírito Santo.”
Isso significava
dizer que nenhum conhecimento poderia se sobrepor ou contrapor às verdades
relevadas por Deus e interpretadas pela Igreja. Buscar a verdade passaria a ser
uma atividade em extinção, uma vez que toda a verdade havia sido revelada por
Deus aos homens. “Já que o próprio Cristo havia dito ‘‘ego sum veritas.” “eu
sou a verdade”. O que se poderia no máximo era demonstrar racionalmente as
verdades da fé.
Pensadores ainda
mais radicais que Santo Ambrósio, como foi o caso de Tertuliano, dispensaram
até mesmo essa comprovação racional da fé. Esses religiosos se posicionaram
contra toda a doutrina grega, ou seja, viam no pensamento de Sócrates, Platão e
Aristóteles, por exemplo, um descaminho para fé ou uma abertura para o pecado,
a dúvida e consequentemente para a heresia.
Se de um lado
encontravam-se pensadores que defendiam a exclusão do pensamento grego, de
outro lado existiram filósofos que buscaram na filosofia grega os argumentos
necessários que permitissem a Igreja enfrentar os descrentes e vencer os
hereges.
Nesse contexto,
a filosofia Medieval pode ser dividida em quatro momentos: O dos padres
Apostólicos, o dos padres Apologistas, o da Patrística e o da Escolástica.
Daremos destaque neste escrito à Patrística e à Escolástica, por serem os dois
momentos mais importantes.
1.
A filosofia Patrística
No período de
decadência do Império romano, quando o Cristianismo se expande a partir do séc.
II – ainda na Antiguidade surge a filosofia dos padres da Igreja, conhecida
como Patrística. Esses primeiros Padres foram os responsáveis pela elaboração
de diversos textos sobre a Fé e a revelação Cristã. Esses textos tinham como
finalidade apresentar ás autoridades Romanas e ao povo em geral os preceitos da
Igreja.
O principal
pensador desta época foi Santo Agostinho que buscou unir seus argumentos a
partir da filosofia grega de caráter efetivamente platônico.
Santo Agostinho: o pecado é o
afastamento de Deus
Aureliano
Agostinho (354-430) nasceu em Tagaste, província romana situada na África, e
faleceu em Hipona, hoje localizada na Argélia. Nessa última cidade ocupou o
cargo de bispo da Igreja Católica.
Ate completar 32
anos, no entanto, Agostinho não era cristão. Havia tido até então uma vida
voltada aos prazeres do mundo e, de uma ligação amorosa ilícita para a época,
nascera-lhe o filho Adeodato. Havia sido também professor de Retórica em
escolas romanas.
Em sua formação
intelectual, Agostinho despertou primeiramente para a Filosofia com a leitura
de Cícero. Posteriormente, deixou-se
a influenciar pelo maniqueísmo,
doutrina persa que afirmava ser o universo dominado por dois grandes princípios
opostos, o bem e o mal, mantendo uma incesssante luta entre si.
Mas tarde, já
insatisfeito com o maniqueísmo, viajou para Roma e Milão, entrando em contato
com o ceticismo e, depois, com o neoplatonismo, movimento filosófico do
período grego-romano, desenvolvido por pensadores inspirados em Platão, que se
espalhou por diversas cidades do Império Romano, sendo marcado por sentimentos
religiosos e crenças místicas.
Cresceu e se
aprofundou, então, em Agostinho uma grande crise existencial, uma inquietação
quase desesperada em busca de sentido para a vida. Foi nesse período crítico
que ele se encontrou com Santo Ambrósio, bispo de Milão, sentido-se
extremamente atraído por suas pregações. Pouco tempo depois, converteu-se ao
cristianismo, tornando-se seu grande defensor pelo resto da vida.
A Supremacia da
Alma Sobre o Corpo
Em sua obra, Agostinho
argumenta em favor da superioridade da alma humana, isto é, a supremacia do espírito sobre o corpo, a
matéria. Para ele, a alma teria sido criada por Deus para reinar sobre o corpo,
para dirigir-lo à prática do bem.
O homem pecador,
entretanto, utilizando-se do livre-arbítrio, costumaria inverter essa relação,
fazendo o corpo assumir o governo da alma. Provocaria, com isso, a submissão do
espírito à matéria, o que seria, para ele, equivalente à subordinação do eterno
ao transitório, da essência à aparência.
A verdadeira
liberdade estaria na harmonia das ações humanas com a vontade de Deus. Ser
livre é servir a Deus, diz Agostinho, pois o prazer de pecar é a escravidão.
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. 16ª ed.
reform. e ampl. São Paulo, Saraiva, 2008, pp. 109-110)
A Teoria da
Iluminação Divina
A doutrina de
Santo Agostinho sobre iluminação pode ser concebida como a substituição da
teoria das idéias de Platão. Segundo Platão, as almas humanas contemplaram e
habitaram o mundo das idéias antes de encarnarem nos corpos e lá elas estiveram
em contato com as idéias das coisas, assim na experiência concreta a alma
relembra ou recorda da idéia das coisas.
Já Agostinho,
diferentemente, afirma que a suprema verdade de Deus é uma espécie de Luz que
ilumina a mente humana no ato do conhecimento, permitindo-a captar as idéias,
compreendidas como as verdades eternas e inteligíveis presentes na própria
mente divina.
Segundo
Agostinho, antes de Deus criar o mundo ele já tinha a idéia em sua mente. Pode-se
dizer que a teoria agostiniana é a doutrina platônica transformada com base no
criacionismo e na mensagem cristã, que é, segundo Agostinho, a luz que ilumina
a mente humana.
Quando cria o
mundo do nada, Deus cria junto com o mundo o próprio tempo. Como o tempo está
diretamente ligado ao movimento, então antes da criação do mundo não existiria
o tempo, uma vez que não havia movimento antes do mundo. Deus então criou o
mundo conforme a razão e, portanto, criou cada coisa conforme um modelo que ele
próprio produziu com o seu pensamento, e as ideias são necessariamente estes
pensamentos – modelos de Deus, e como tais são verdadeira realidade, ou seja,
eternas e imutáveis e, por participação delas, existem todas as coisas. (REALE,
2003:95)
A Vontade, A Liberdade, A Graça.
Se voltarmos um
pouco à filosofia grega, vamos nos lembrar do intelectualismo socrático que
afirmava ser impossível conhecer o bem e fazer o mal. Agostinho se contrapõe a essa
teoria, pois, para ele, a liberdade é própria da vontade e não da razão, pois essa
pode conhecer bem, mas a vontade pode rejeitá-lo. A vontade tem uma autonomia
própria em relação à razão, embora seja a ela ligada. A razão conhece e a
vontade escolhe, podendo escolher até mesmo o irracional. Assim, o homem usa o
seu livre-arbítrio para escolher uma vontade má, mesmo sabendo que tal ação é
pecado. Por isso, o homem não pode ter autonomia em sua vida moral, pois mesmo
quando procura viver retamente valendo-se unicamente de suas próprias forças,
sem ajuda da graça divina libertadora, ele facilmente pode ser vencido pelo
pecado. Daí a necessidade da Graça Divina.
A Cidade Terrena
é a Cidade Divina
O mal é amor a
si mesmo (soberba), o bem é amor Deus. Essas palavras são aplicadas tanto para
o indivíduo quanto para a comunidade. O conjunto dos homens que tem como fim de
sua ação Deus constitui a cidade celeste. Como diz o próprio Agostinho “Dois
amores diversos geram as duas cidades: o amor a si mesmo, levado até o desprezo
por Deus, gerou a cidade terrena; o amor a Deus, levado até o desprezo a si
mesmo, gerou a cidade celeste. A cidade terrena é aquelas dos que vivem segundo
o homem; a divina é a daqueles que vivem Segundo Deus.” (Cidade de Deus, p.169)
2. A Filosofia
Escolástica
Mais do que um conjunto de doutrinas,
entendemos por Escolástica a filosofia e a teologia que eram ensinadas nas
escolas medievais. Essas escolas foram criadas primeiramente por Carlos Magno,
rei dos francos coroado imperador do Ocidente em 800 pelo Papa Leão III. A
partir do Séc. XIII o aristotelismo penetra profundamente no pensamento
escolástico. Isso se deve principalmente pela descoberta de muitas obras de
Aristóteles e a idéias entre tradução para o latim de algumas delas diretamente
do grego.
O que ocorreu foi o seguinte: antes da
descoberta destas obras, os europeus só tiveram contato com o aristotelismo
devido à tradução feita pelos Árabes Avicena e Averróis. Por isso, no meio
cristão olhava-se com restrição e desconfiança o pensamento de Aristóteles.
O que permitiu aos Árabes terem contato
com as obras de Aristóteles foram às guerras religiosas no Séc. VI para
difundir o Islamismo.
A questão fé e razão não se diluiu
com o fim da Patrística, pelo contrário, manteve-se como questão basilar da
Escolástica. A Escolástica pode ser dividida em três momentos:
Primeira
fase: (Séc. IX ao fim do Séc. XII) – Fé e Razão mantêm uma perfeita harmonia.
Segunda fase: (Séc. XIII e principio do
Séc. XIV) – Surgimento dos grandes sistemas filosóficos, destacando-se os
escritos de Tomás de Aquino. Aqui Fé e Razão passam ter sua harmonia obtida
apenas de maneira parcial.
Terceira fase: (Séc. XIV até o Séc. XVI)
– Decadência da Escolástica e surgimento de novas teorias que realçam as
diferenças entre Fé e Razão.
Santo Tomás de Aquino
Tomás de Aquino
(1226-1274) nasceu em Nápoles, sul da Itália, e faleceu no convento Fossanuova,
próximo de sua cidade natal, aos 49 anos de idade. É considerado um dos maiores
filósofos da escolástica medieval.
A filosofia de
Tomás de Aquino (o tomismo) parece
que nasceu com objetivos claros: não contrariar a fé. De fato, sua finalidade
era organizar um conjunto de argumentos para demonstrar e defender as
revelações do cristianismo.
Assim, Tomás de
Aquino reviveu em grande parte o pensamento aristotélico em busca de argumentos
que explicassem os principais aspectos da fé cristã. Enfim, fez da filosofia de
Aristóteles um instrumento a serviço da religião católica, ao mesmo tempo em
que transformou essa filosofia numa síntese original.
Princípios
básicos
Retomando as ideias
de Aristóteles sobre o ser e o saber, Tomás de Aquino enfatizou a importância
da realidade sensorial. Em relação
ao processo de conhecimento dessa realidade, ressaltou uma série de princípios
considerados básicos, dentre os quais se destacam: Principio de Não-Contradição
· Principio da não-contradição – o ser é ou não é. Não existe nada que
possa ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo ponto de vista;
· Princípio da substância - na existência
dos seres podemos distinguir a substância
(a essência, propriamente dita, de uma coisa, sem a qual ela não seria aquilo
que é) do acidente (a qualidade
não-essencial, acessória do ser);
· Principio de causa eficiente – todos os seres
que captamos pelos sentidos são seres contingentes,
isto é, não possuem, em si próprios, a causa eficiente de suas existências.
Portanto, para existir, o ser contingente depende de outro ser que representa a
sua causa eficiente, chamado ser necessário;
· Principio de Finalidade – todo ser
contingente existe em função de uma finalidade, de um objetivo, de uma “razão
de ser”. Enfim, todo ser contingente possui uma causa final;
· Principio do ato e da potência – todo ser
contingente possui duas dimensões: o aro e a potência. O ato representa a existência atual do ser, aquilo que está realizado
e determinado. A potência representa
a capacidade real do ser, aquilo que não se realizou mas pode realizar-se. É a
passagem da potência ao ato que explica toda e qualquer mudança.
Distinção Entre
Ser e Essência
Apesar de esses
princípios terem vindos do pensamento aristotélico, não se pode dizer que Tomás
de Aquino tenha apenas adaptado a filosofia de Aristóteles ao cristianismo. O
que o filósofo escolástico empreendeu foi uma sistematização da doutrina cristã
que se apóia em parte na filosofia aristotélica, mas que contém muitos elementos
estranhos ao aristotelismo: o conceito de criação do mundo, a noção de um deus
único, a idéia de que o vir-a-ser (a passagem da potência ao ato) não é
autodeterminismo, mas procede de Deus.
Mas que isso,
Tomás de Aquino introduziu uma distinção entre o ser e a essência, dividindo
a metafísica em duas partes: a do ser em
geral e a do ser pleno, que é Deus. De acordo com essa distinção, o
único ser realmente pleno, no qual o ser e a essência se identificam, é Deus.
Para o filósofo, Deus é o ato Puro. Não há o que se realizar ou se atualizar em
Deus, pois ele é completo. Tomás de Aquino dirá que Deus é Se, e o mundo tem ser.
Ou seja, Deus é o Ser que existe como fundamento da realidade as outras
essências que, uma vez existentes, participam de seu ser.
Isso equivale a
dizer que, nas outras criaturas, o ser é diferente da essência, pois as
criaturas são seres não-necessários. É Deus que permite às essências
realizarem-se em entes, em seres existentes.
As provas da
existência de Deus
Outro aspecto
importante da filosofia tomista são as provas da existência de Deus. Em um de
seus mais famosos livros, a Suma
teológica, Tomás de Aquino propõe cinco provas da existência de Deus
1. O primeiro Motor – tudo aquilo que se
move é movido por outro ser. Por sua vez, este outro ser, para que se mova,
necessita também que seja movido por outro. E assim sucessivamente. Se não
houvesse um primeiro ser movente, cairíamos num processo indefinido. Logo
conclui Tomás de Aquino, é necessário chegar a um primeiro ser movente que não
seja movido por nenhum outro. Esse ser é Deus.
2. A causa eficiente – todas as coisas
existentes no mundo não possuem em si próprias a causa eficiente de suas
existências. Devem ser consideradas efeitos de alguma causa. Tomás de Aquino
afirma ser impossível remontar indefinidamente à procura das causas eficientes.
Logo, é necessário admitir a existência de uma primeira causa eficiente,
responsável pela sucessão de efeitos. Essa causa primeira é Deus.
Ser necessário e ser contingente – esse
argumento é uma variante do segundo. Afirma que todo ser contingente, do mesmo
modo que existe, pode deixar de existir. Ora, se todas as coisas que existem
podem deixar de ser, então, alguma vez, nada existiu. Mas, se assim fosse,
também agora nada existiria, pois aquilo que não existe somente começa a
existir em função de algo que já exista. É preciso admitir, então, que há um
ser que sempre existiu, um ser absolutamente necessário, que não tenha fora de
si a causa da sua existência, mas, ao contrário, que seja a causa da
necessidade de todos os seres contingentes. Esse ser necessário é Deus.
Os graus de perfeição – em relação à
qualidade de todas as coisas existentes, pode-se afirmar a existência de graus
diversos de perfeição. Assim, afirmamos que tal coisa é melhor que outra, ou
mais bela, ou mais poderosa, ou mais verdadeira etc. Ora, se uma coisa possui
“mais” ou “menos” determinada qualidade positiva, isso supõe que deve existir
um ser com o máximo dessa qualidade, no nível da perfeição. Devemos admitir,
então, que existe um ser com o máximo de bondade, de beleza, de poder, de
verdade, sendo, portanto, um ser máximo e pleno. Esse ser é Deus.
A finalidade do ser – todas as
coisas brutas, que não possuem inteligência própria, existem na natureza
cumprindo uma função, um objetivo, uma finalidade, semelhante à flecha dirigida
pelo arqueiro. Devemos admitir, então, que existe algum ser inteligente que
dirige todas as coisas da natureza para que cumpram seu objetivo. Esses ser é
Deus.
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. 16ª ed.
reform. e ampl. São Paulo, Saraiva, 2008, pp. 117-119)
[1]
Id. Temas de Filosofia,
77-78
[3]
ARANHA & MARTINS, Filosofando,
p.95
[4]
Ética a Nicômaco, 1106 b, 37 e 38
[5]
Ibid., 1107 a-b.
[6]
Política, 1253 a, 27-29.
[7]
Ibid., 1254 a, 23 e 24.
[8]
Fala-se em monismo estóico por considerar que para esta escola o cosmo é uno,
ou seja, há uma identificação entre a Razão universal, o universo e cada ser
existente, enquanto manifestação concreta desse Logos ou Razão universal que
cria e dinamiza o mundo. É materialista porque entende toda a realidade como
material. Para eles, até o Razão universal, é material, apesar de considerá-la
uma realidade sutilíssima e capaz de penetrar todas as coisas. Os estóicos
usavam a imagem do fogo para expressar seu caráter sutil e ao mesmo tempo
material.