sábado, 7 de janeiro de 2012

Ainda há espaço para crer em Deus?

Entrevista publicada na edição nº 409, agosto de 2010.
Se na nossa sociedade “a felicidade consiste na acumulação de bens”, Deus se torna inútil. Vivemos um materialismo que nos leva a um ateísmo prático.
Para onde estamos indo? Aonde isto nos levará? Como isso repercute na vida do jovem?
Manfredo Araújo de Oliveira,
professor de Filosofia na Universidade do Ceará.
Endereço eletrônico: manfredo.oliveira@uol.com.br

Mundo Jovem: Aqueles que se dizem ateus são poucos, mas existe um ambiente de indiferença em relação a um deus?
Manfredo Araújo de Oliveira: Eu acho que tem que situar esta questão no contexto da cultura contemporânea. Por um lado, a nossa tradição religiosa faz com que certas pessoas não se sintam bem em se declarar ateias, porque se sentem como pessoas estranhas à nossa sociedade, que ainda é majoritariamente cristã, católica e evangélica das diversas confissões.
Por outro lado, toda a nossa cultura contemporânea leva, no fundo, a um ateísmo prático. Não é um ateísmo elaborado a partir de justificações teóricas, mas é um ateísmo prático: a vida se reduz a acumular bens. É fundamental o conhecimento científico, para o qual a hipótese de Deus não tem significado. Então, as pessoas são formadas, por um lado, num ofício que, por razão, elimina a questão de Deus, que não está dentro do seu âmbito. E, por outro lado, uma sociedade para a qual Deus se tornou inútil, porque as preocupações de sentido da vida humana já estão estabelecidas.
Mundo Jovem: E qual é esse sentido da vida, hoje?
Manfredo Araújo de Oliveira: O sentido da vida humana, a felicidade humana, a realização humana é a acumulação de bens. Então essas grandes questões, as questões últimas de sentido, como vida, morte etc. são de certa maneira recalcadas para um fim que ninguém sabe quando. E as pessoas vão vivendo. Nesse sentido há um ateísmo generalizado. Não é expresso, mas vivido. Deus se tornou algo inútil. E isso a gente vê que marca fortemente os jovens.
Mundo Jovem: Então estamos diante de uma idolatria do consumo?
Manfredo Araújo de Oliveira: A idolatria do consumo é exatamente o ateísmo: você idolatra, substitui Deus por um falso deus. Se você quiser outro Deus, não há lugar para ele. E se a felicidade humana consiste na acumulação de bens, isso pode implicar inclusive na exploração dos outros. O sentido da justiça desaparece; são só meus interesses, minhas aspirações, meus desejos que valem. Os outros que se virem. E esse consumismo está intimamente ligado ao individualismo. Nessa perspectiva, qualquer instância que esteja além dos interesses do indivíduo já é uma frustração para ele. O indivíduo consome para satisfazer as suas aspirações e torna-se totalmente indiferente à dor humana. E aí a justiça desaparece. Esse mundo individualista tira qualquer interesse pelo sofrimento do outro e as grandes questões da justiça passam para segundo plano. O próprio relacionamento humano, a sexualidade humana, tudo fica atrapalhado, deixa de ser uma interrelação de conhecimento, de afeto, de amor: vira “lorota”, não existe.
Mundo Jovem: Desse jeito, para onde nós vamos? Há alguma esperança?
Manfredo Araújo de Oliveira: Estamos vendo que, seguindo nesse projeto, estamos diante de duas grandes tragédias: o apocalipse ecológico e o apocalipse social. Está sendo construída uma sociedade que caminha para a destruição de si mesma, enquanto relação humana. Porque apenas uma parte pequena da sociedade participa dos benefícios. Bilhões de pessoas no mundo vivem com menos de dois dólares por dia, o que é um fracasso gigantesco nesta civilização. E mais a tragédia da possibilidade da autodestruição coletiva da humanidade e da vida toda no planeta. Eu acho que ameaças como essa põem em questão os grandes valores dessa civilização, e dão chance de as pessoas refletirem.
Para os jovens, que têm condições de perceber o novo desafio, é uma questão de vida e morte serem confrontados com isso, porque são coisas muito reais. É preciso fazer com que os jovens se confrontem com as realidades degradantes para que se choquem. Porque o choque faz as pessoas se darem conta, não dos grandes feitos da civilização moderna, mas de ver o outro lado da medalha. A custo de que possuímos este mundo? Como chegamos aí? Que grandeza é essa do ser humano, que foi capaz de construir um mundo fantástico, jogando fora grande parte da população?
Mundo Jovem: Neste contexto é possível falar em valores, em ética?
Manfredo Araújo de Oliveira: Claro que sim. É absolutamente possível. Isso não quer dizer que, em última instância, a referência a um absoluto não esteja embutida em qualquer ética. Mas a ética, em primeiro lugar, é uma elaboração da razão humana, tanto que os problemas éticos se põem indiferentemente da religião. Por exemplo, a discussão no Brasil sobre o que fazer com os embriões humanos. Se eu creio ou se eu não creio, a questão se põe de qualquer jeito. Tratase da possibilidade da existência de um ser humano, e como é que devo tratar o ser humano. Evidentemente, para quem crê, essas questões são radicalizadas, porque aí a relação com o absoluto se faz explícita.
Mundo Jovem: Se quisermos enfrentar o ateísmo prático devemos ter argumentos ou mostrar o contrário na prática?
Manfredo Araújo de Oliveira: As duas coisas. Nós vivemos num mundo que é cada vez mais marcado pela ciência. Isso significa que valoriza a argumentação. Onde as pessoas vão crescendo no mundo da argumentação, certamente é preciso saber argumentar, dar razões à sua fé. Por outro lado, é claro que é preciso que se veja que a fé é capaz de transformar os seres humanos. Portanto uma ação, seja individual ou coletiva, como fermento no mundo, que traga sentido ao mundo e à vida das pessoas. E isso se vê em primeiro lugar pela coerência de vida. Quando a fé é de tal maneira forte que é capaz de transformar a maneira de pensar, agir, estabelecer as relações com os outros e com a natureza, aí as pessoas vão dizer: “por trás disso tem alguma coisa séria”.
Mundo Jovem: Em que espaços as pessoas podem despertar o espírito de religiosidade?
Manfredo Araújo de Oliveira: A primeira responsabilidade é daquelas pessoas que estão mais envolvidas com a formação, que são os pais e professores. Mas acho que, hoje, na interação entre jovens, a descoberta da fé num movimento comum tem mais importância, talvez por causa da diferença muito forte de cultura em relação às gerações passadas. O processo cultural humano se acelerou muito. Na ciência, quem se forma hoje, cinco anos depois está atrasado. No passado as coisas caminhavam muito mais devagar. O que a Europa fez em 200 anos, nós fizemos em dez, quinze anos. Isso é uma revolução cultural. Então os jovens têm uma tendência de olhar as gerações passadas como resquícios de um mundo que não é mais o deles. Por isso a vivência da fé entre os jovens é muito importante.
Mundo Jovem: Mas existem muitas crianças que crescem sem nenhuma referência religiosa.
Manfredo Araújo de Oliveira: Isso, em parte, é um problema dos países que cresceram no sentido do desenvolvimento científico, tecnológico, que é a grande referência do mundo de hoje. Nós somos uma sociedade urbana industrial. Aqui no Brasil, tanto a igreja católica quanto as igrejas evangélicas pescaram dos Estados Unidos certas tendências religiosas de experiências carismáticas, pentecostais, como eram chamadas no princípio. Isso, de certa maneira, inclusive numa perspectiva muito rígida, consegue colocar muitas pessoas em contato com o absoluto. Especialmente pessoas que não tinham outra forma de experiência religiosa.
Estas experiências estão conseguindo dar uma certa orientação à vida de adultos e à vida de jovens, inclusive. De certa maneira se conseguiu fazer uma barreira ao mundo moderno. Mas aí é que está o problema: são tendências que separam os crentes do mundo moderno. Há uma reação meio psicodélica, porque de um lado eles se utilizam de toda a parafernalha tecnológica para divulgar suas igrejas, são as igrejas midiáticas, que empregam os meios mais modernos possíveis de comunicação, porém, numa visão de mundo, têm uma teologia que rejeita fundamentalmente este mundo moderno. Até onde vão poder viver nesta tensão? É uma forma de esses grupos religiosos se “salvarem” do materialismo difuso que marca a sociedade contemporânea.


Afinal, que sentido tem tudo isso?

O que os jovens veem nos pais e em outras pessoas é que a religião aparece como uma espécie de castração, e não como uma instância de apuração de sentido para a vida. Eu vejo isso na Europa com muita força. As igrejas não têm nada de novo a dizer aos jovens. Aquilo que é dito nas igrejas não toca o jovem. As pregações e as orientações não dão uma luz para a existência dele no dia a dia.
Neste sentido, a importância fundamental da espiritualidade é articular uma chave de compreensão da própria vida. Muitas pessoas desvinculam Deus, a espiritualidade da vida como um todo. Na realidade isso não tem o menor sentido. As próprias palavras de Jesus dizem: “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não anda nas trevas”. Isso significa dizer que aqui se articula um sentido global para a vida, que é absolutamente importante. Ainda mais numa sociedade fragmentada como a nossa, que separou os diversos segmentos da vida. E as pessoas estão por aí perdidas se perguntando: “Afinal, de onde eu vim, para onde eu vou? O que fazer na vida? Que sentido tem tudo isso?” As religiões têm esta tarefa, só que parece que elas não estão sabendo fazer isso. Preocupam-se mais em transmitir certas formas de ritos, que foram importantes no passado, mas que não falam mais para as pessoas de hoje. E não sabem mais como falar para os jovens, até porque eles vivem noutro mundo, onde não se tem religião.
O ateísmo ou a religiosidade das pessoas também sofrem influências dentro dos sistemas sociais. Os atuais países que saíram da cortina de ferro, do socialismo real, têm uma grande parte da sua população sem qualquer referência religiosa, porque não existe nenhuma formação neste sentido. Se olharmos a Alemanha Oriental, entre os que foram de natureza socialista real não existe qualquer formação religiosa, por parte das massas. No Ocidente, houve primeiro uma crítica radical à religião por parte das ciências, por parte da Filosofia, e houve um materialismo radical da vida, ou seja, a vida aí se rege por princípios materialistas, e não é só em relação à religião, mas é em relação a qualquer coisa. Uma sociedade que se concentrou na materialidade, como dizia João Paulo II, deixou um enorme vazio na vida humana, não respondido. Afinal de contas, que sentido tem tudo isso? Minha vida, minha relação com a natureza e com os outros seres humanos, a história humana, os progressos da ciência, o não progresso, as grandes questões? Tudo isso conduz a quê? Esse é o grande vazio da sociedade moderna.

O que fez com que as pessoas dissessem que as religiões não têm sentido é que as religiões não foram capazes de falar nesse vazio, ou seja, dizer que aqui está o sentido procurado, que Deus é este sentido. E as religiões se tornam uma espécie de resquício de um mundo que passou, um museu. Lembro que no tempo do socialismo real, num país totalmente organizado culturalmente, depois do regime do ateísmo, como era a Rússia, muitos russos gostavam de ir às igrejas ortodoxas não por causa da fé, mas para lembrar o passado russo. A religião era uma espécie de memória de um mundo que já passou!
Disponível em: http://www.pucrs.br/mj/entrevista-08-2010.php: acesso: 07/01/2012

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A SOCIOLOGIA BRASILEIRA



Desde a chegada, em 1500, dos primeiros europeus a estas terras, denominadas posteriormente Brasil, a cultura que aqui se estabeleceu e produziu era importada e/ou influenciada da Europa. Por outro lado, ordens religiosas praticamente detinham o monopólio cultural no Brasil colonial.
Esse panorama durou muito tempo; contudo, a partir do século XVIII, período da mineração no Brasil, esta colônia portuguesa começou a dar alguns sinais de mudanças sociais.
O ciclo de mineração impulsionou a economia e fez surgir novas ocupações. Nessa época, com o movimento Barroco, elaboram-se as primeiras manifestações artísticas nacionais, ainda que tímidas. Contudo, culturalmente, a colônia ainda estava alienada a Portugal e, consequentemente, à cultura europeia. A inconfidência Mineira representa uma tentativa de valorização nacional.
Somente no final do século XIX e inicio do século XX surge um nacionalismo mais propriamente dito, despertando o repúdio ao aspecto colonialista ainda restante em nossa cultura. Nessa época, o pensamento cultural, bem como social e histórico, revolucionou-se, dando origem a um novo modo de pensar.
Diversos acontecimentos das primeiras décadas do século XX representam a transformação cultural e a visão nacionalista na qual o país mergulhou: fundou-se o Partido Comunista no Brasil, surgiram movimentos revolucionários como o Tenetismo e a Coluna Prestes, os jovens artistas se reuniram e resolveram romper coma tradição européia.
Na década de 1920, o advento da semana de Arte Moderna marcaria para sempre a cultura brasileira, propiciando inovação na linguagem e na temática da arte nacional.

A Semana de Arte Moderna
A Semana de Arte Moderna foi um evento cultural ocorrido na cidade de São Paulo, no Teatro Municipal de São Paulo, entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922. Foi aberta com a conferência “A emoção estética da arte moderna”, do escritor Graça Aranha.
O evento reuniu representantes de diversos segmentos artísticos: música, artes plásticas, literatura e dança. O evento contou com a presença dos escritores Oswald de Andrade, Cassiano Ricardo, Antonio de Alcântara Machado, Mário de Andrade e Manuel Bandeira; contou também com os pintores Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Osvaldo Goedi e os músicos Villa-Lobos, Ernani Braga, Antão Soares, Guiomar Novaes e outros.
A Semana de Arte Moderna representou uma tentativa de liberdade de criação artística, buscando-se uma arte genuinamente brasileira, além de uma renovação de linguagem e a ruptura com o passado e a influencia europeia. Foi a expressão do total descontentamento com as regras de arte vigentes e um apego às nossas raízes.
Diversos acontecimentos históricos precederam a Semana de Arte Moderna, dentre eles:
·  Fundação por Oswald de Andrade do jornal O Pirralho, no qual a pintura nacional é criticada;
·  Pintura expressionista de Lasar Segall;
·  Exposição de obras de Anita Malfatti, em 1917, duramente criticada pelo escritor e editor Monteiro Lobato;
·  Influência de diversos movimentos culturais ocorridos no Ocidente, desde 1905.
A semana de Arte Moderna inaugurou o Modernismo ou movimento modernista no Brasil e representou uma ruptura com o conservadorismo artístico e cultural até então predominante, permitindo às futuras gerações novos caminhos, além da valorização da arte brasileira.
O movimento, além de representar um grande avanço cultural, inovou o pensamento social brasileiro. Como o nacionalismo que passou a predominar e a crença na ciência, a sociologia, a partir da década de 1930, tomou um grande impulso no Brasil.

Geração de 1930

A década de 1930 é um marco transformador na história brasileira, no campo político e também nas artes e produção intelectual.
A geração intelectual de 1930 buscou descobrir o Brasil real, opondo-se ao Brasil colonizado. Surgem preocupações políticas e sociais. O nacionalismo passa a girar em torno de uma comoção em unir as desiguais camadas sociais.
Na literatura, surgem alguns dos nomes mais relevantes do romance brasileiro, refletindo o momento histórico e as mudanças vividas pelo Brasil. Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Érico Veríssimo são alguns dos autores que produzem romances repletos de denúncias sociais, representativos da realidade brasileira e das desigualdades que o povo vivenciava.
Nessa época, surgem também notáveis intelectuais como Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre, entre outros.
A seguir, uma breve descrição da vida e obra de alguns dos intelectuais brasileiros de grande relevância para o desenvolvimento da sociologia no Brasil.

Gilberto Freyre
O sociólogo, antropólogo, escritor e pintor Pernambuco Gilberto Freyre (1900-1987) é considerado um dos mais importantes historiadores brasileiros.
Foi orientado por Franz Boas o curso de pós-graduação na Universidade de Columbia, EUA.
Sua principal obra, Casa grande e senzala, publicada em 1933, apresenta uma exaustiva e detalhada pesquisa de documentos e uma qualidade literária inestimável.
Como essa obra, Freyre revolucionou a historiografia nacional, dando importância a pequenos fatos da história. Para isso, coletou nos diários dos senhores de engenho e também em informações da vida pessoal de seus próprios antepassados a história do brasileiro, segundo ele, fruto do cruzamento de índios, africanos e portugueses.

Sérgio Buarque de Holanda
Paulistano, nascido em 1902 e falecido em 1982, Sérgio Buarque é considerado um dos mais importantes historiadores brasileiros e dos mais eminentes intelectuais do século XX. Foi um dos participantes da Semana de Arte Modernista de 1922.
Sérgio Buarque de Holanda iniciou suas atividades intelectuais mais voltado à crítica literária, dedicando-se mais tarde à historiografia pelo viés da sociologia, sobretudo pela análise social e histórica de Weber.
Em seu livro de estreia, raízes do Brasil, Sérgio Buarque faz uma crítica à formação das elites brasileiras.

Caio Prado Júnior
O paulistano Caio Prado Júnior (1907-1990) foi historiador, geógrafo, escritor, político e editor. Desde jovem, teve importante participação na conjuntura política nacional.
Suas obras apresentam uma historiografia de caráter social, identificada com o marxismo. Muitas delas têm por finalidade a tentativa de compreender o Brasil, investigando-o desde a época em que era colônia até o período histórico em que foram elaboradas.
Embora oriundo de família abastada, Caio Prado Júnior jamais se deixou seduzir pela sua classe de origem, a burguesia. Foi um revolucionário lúcido que trouxe inestimável contribuição à vida intelectual brasileira e a diversas áreas da história, sociologia e antropologia, entre outras.

Florestan Fernandes
Florestan Fernandes nasceu em 22 de julho de 1920, em São Paulo e era proveniente de uma família extremamente humilde (sua mãe era lavadeira). Florestan começou a trabalhar aos 6 anos. Por não conseguir conciliar trabalho e estudo, parou de estudar aos 9 anos, retomando os estudos somente aos 17.
Iniciou sua vida acadêmica na Universidade de São Paulo (USP), formando-se no ano de 1943 em ciências sociais. Tornou-se mestre em 1947 e doutor em 1951. Foi professor universitário e, durante a ditadura militar, foi cassado e exilado no Canadá. Faleceu aos 75 anos, em 1995.
Florestan foi um brilhante intelectual, excepcional professor, escritor e político. Foi eleito deputado federal duas vezes pelo Partido dos Trabalhadores. Em seus mandatos, preocupou-se em elaborar leis para melhorar a educação brasileira. Condenava a pedagogia tradicional, pois acreditava que ela estava muito distante da realidade brasileira e, principalmente, do processo social. Era um entusiasmado defensor da escola pública.
Como marxista, acreditava que os trabalhadores deveriam estar bem informados, o que só ocorreria através da educação.
Sempre esteve engajado na luta por um melhor ensino. Durante sua luta em defesa da escola pública, Florestan mostrou como um sociólogo pode sair do mundo acadêmico, do mundo da teoria, e partir para a prática, vinculando-se às lutas sociais. Foi um sociólogo socialista, demonstrou na teoria e na prática toda a sua preocupação com as classes menos favorecidas e combateu a desigualdade social.
Fundou a sociologia crítica no Brasil. em tudo o que fez, quer como professor, escritor, político ou sociólogo, sempre refletiu sobre as desigualdades socais e sobre qual seria o papel da sociologia em relação a isso. Acreditava que o sociólogo deveria participar ativamente para encontrar as transformações necessárias e a solução dos problemas sociais.
Com suas idéias inovadoras, Florestan possibilitou aos sociólogos um maior reconhecimento dessa profissão dentro da sociedade.

Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro nasceu em 26 de outubro de 1922, em Minas Gerais. Cursou a Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo, formando-se em ciências sociais no ano de 1946, também especializando-se em antropologia.
Homem de grande cultura, Darcy Ribeiro foi etnólogo, antropólogo, professor, educador, ensaísta e romancista.
De 1947 a 1956 foi etnólogo do antigo Serviço de Proteção ao Índio. Estudou a vida dos índios de Mato Grosso, Amazonas, Paraná e Santa Catarina. Criou o parque Indígena do Xingú e fundou o Museu do Índio. Juntamente com a Organização Internacional do Trabalho, elaborou um manual sobre os aborígenes do mundo inteiro.
Criou a Universidade de Brasília, sendo também o primeiro reitor dessa universidade. Foi Ministro da Educação em 1961 e chefe da Casa civil durante o Governo de João Goulart.
Foi exilado político no Uruguai, aos o golpe militar de 1964. De volta ao Brasil, foi preso, julgado e absolvido, e novamente exilado, dessa vez na Venezuela. Retornou ao Brasil em 1979 e passou a lecionar na Universidade Federal do Rio do Janeiro, tornando–se posteriormente secretário da cultura no Rio de janeiro, durante o governo de Leonel Brizola, e vice-governador em 1982.
Em 1990, eleito senador, defendeu vários projetos benéficos ao povo. Foi secretário de estado da Cultura e coordenador do Programa Especial de educação do Rio de Janeiro. Em 1992, foi eleito para ocupar a cadeira de número 11 da Academia Brasileira de Letras. Faleceu em 17 de fevereiro de 1997.
Darcy nos deixou uma vasta produção de livros e uma enorme contribuição para a educação brasileira. Também contribuiu com a cultura em geral por meio de diversos ensaios.
Durante toda sua existência, Darcy Ribeiro foi um grande defensor dos direitos humanos, que como antropólogo, etnólogo, educador ou político.
Em sua obra O povo brasileiro, ele escreveu:

Nós brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço, na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por séculos sem consciência de si... Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros... [...]
Meu livro mostra por que caminhos e como nós viemos, criando aquilo que eu chamo de Nova Roma com boa justificação... Roma por quê? A grande presença no futuro da romanidade, dos neolatinos é a nossa presença. Isso é o Brasil, uma Roma melhor porque mestiça, lavada em sangue negro, em sangue índio, sofrida e tropical. Com as vantagens imensas de um mundo enorme que não tem inverno e onde tudo é verde e lindo, e a vida é muito mais bela... E é uma gente que acompanha esse ambiente com uma alegria de viver que não se vê em outra parte. Esse país tropical, mestiço, orgulhoso de sua mestiçagem... Isso é que me levou muito tempo. Entender como isso se fez... Havia muita bibliografia sobre aspectos particulares, mas não uma visão de conjunto. Deixa eu contar pra vocês como isso se fez?
[...]
No Brasil a mestiçagem sempre se fez com muita alegria, e se fez desde o primeiro dia... Eu prometi contar como. Imagina a seguinte situação: uns índios colocados na praia e chamando outros: “venham ver, venham ver, tem um trem nunca visto”. E achavam que viam barcas de Deus, aqueles navios enormes com as velas enfurnadas... “O que é aquilo que vem? Eles olhavam, encantados com aqueles barcos de Deus, do Deus Maira chagando pelo mar grosso. Quando chagaram mais perto, se horrorizaram. Deus mandou pra cá seus demônios, só pode ser. Que gente! Que coisa feia! Porque nunca tinham visto gente barbada – os portugueses todos barbados, todos feridentos de escorbuto, fétidos, meses sem banho no mar... Mas os portugueses e outros europeus feiosos assim traziam uma coisa encantadora: traziam faquinhas, facões, machados, espelhos, miçangas,mas sobretudo ferramentas. Para o índio passou a ser indispensável ter uma ferramenta. Se uma tribo tinha uma ferramenta, a tribo do lado fazia uma guerra pra tomá-la.
Ao longo da costa brasileira se defrontaram duas visões de mundo completamente opostas:a selvageria e a civilização. Concepções diferentes de mundo, da vida, da morte, do amor, se chocaram cruamente. Aos olhos dos europeus os indígenas pareciam belos seres inocentes, que não produziam nada que pudesse ter valor comercial. Serviam apenas para ser vendidos como escravos. Coma descoberta de que as matas estavam cheias de pau-brasil, o interesse mudou...
Era preciso mão de obra para retirar a madeira.

Nesse livro, Darcy compara nossa história com a de outros países da América. O trecho transcrito se inicia falando da mestiçagem brasileira e mostra, de forma bastante irônica e até divertida, como o indígena percebeu a chegada dos portugueses e como o português viu o indígena; foi o choque cultural de dois povos completamente diferentes.
Em outro trecho, Darcy escreve:
Mas foi essa gente nossa, feita da carne de índios, alma de índios, de negros, de mulatos, que fundou esse país. Esse “paizão” formidável. Invejável. A maior faixa de terra fértil do mundo., bombardeada pelo sol, pela energia do sol. É uma área imensa, preparada para lavouras imensas, produtoras de tudo, principalmente de energia. A Amazônia devia ser um país, porque é tão diferente. O nordeste, até a Bahia... outro país que é diferente.a Paulistânia e as Minas Gerais juntas são outra gente... O sul, outra gente... Esse povão que está por aí pronto pra assumir como um povo em si e como um povo diferente, como um gênero humano novo dentro da Terra. É claro que eu tinha de fazer um livro sobre o Brasil que refletisse de certa forma isso. E li tudo que se falou do Brasil. então estava preparado para fazer esse livro. E gosto dele. Tenho orgulho do fundo do peito de ter dado ao Brasil esse livro. É o melhor que eu podia dar. Gosto muito disso.

Nesse livro, Darcy demonstra toda a sua paixão pelo Brasil, mostra a construção do país e sua formação étnica, além de fazer uma brilhante análise da estrutura da sociedade. Também mostra a regionalização do Brasil e analisa as classes sociais, acreditando que o país irá mudar, porém, acreditava que essa mudança viria por meio da democracia sem guerra.
No campo da sociologia e da antropologia, Darcy Ribeiro teve uma contribuição fundamental.
Darcy lutou pelos povos indígenas e denunciou como a cultura e a etnia indígena vinham e vêm sendo exterminadas.
Ele buscou explicar em sua obra, historicamente, como a questão indígena se iniciou, mas não somente explicou como, principalmente, buscou formas de resolver a situação dos indígenas.

Fernando Henrique Cardoso
Também contribuiu para a sociologia brasileira Fernando Henrique Cardoso (1931), sociólogo, professor universitário e político, que mais tarde (1995-2003) viria a ser presidente do Brasil.
É da autoria de Fernando Henrique Cardoso a obra Dependência e desenvolvimento na America Latina, na qual destaca a natureza política e social do desenvolvimento do desse continente.
Fernando Henrique contribuiu com a Teoria da dependência e foi considerado o “príncipe dos sociólogos”.

Josué de Castro
O pernambucano Josué de Castro (1908-1973) também trouxe contribuição à sociologia brasileira, quando, na década de 1940, escreveu a obra Geografia da Fome, mapeando a fome no Brasil e no mundo.
Josué foi médico, professor, antropólogo, geógrafo, sociólogo e político. Toda a sua obra revela preocupação com o tema da fome e da exclusão social.

Cristovam Buarque
Nascido em Recife no ano de 1944, o professor universitário e político Cristovam Buarque é autor da obra A segunda abolição, publicada em 1999, na qual trata do problema da pobreza no Brasil, contribuindo na evolução da sociologia brasileira.

(Fonte: VASCONCELOS, Ana. Base do Saber: sociologia. São Paulo: Rideel, 2009, pp. 107-122).

Ensaio SOBRE A OPINIÃO

“Ah, como uma cabeça banal se parece com outra! Elas realmente foram todas moldadas na mesma forma! A cada uma delas ocorre a mesma ide...