segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Informação, filodoxia e dogmatismo

Epitácio Rodrigues - Filosofia
O advento das novas tecnologias, incontestavelmente, abre um horizonte de possibilidades de acesso às informações e até uma variada opção de lazer antes nem imaginadas. Não poderíamos viver numa época melhor. Os acontecimentos no mundo inteiro podem ser conhecidos quase em tempo real. As notícias são instantâneas e as reações também são imediatas. Os internautas podem ainda participar ou expressar suas emoções, indignação, aprovação etc... Assim, espaço virtual tornou-se um grande fórum interativo onde as pessoas se posicionam, independentemente da idade, sexo, etnia ou religião, desde que tenham acesso às novas tecnologias. Os blogs, a internet móvel, o celular, a teleconferência são apenas alguns dos recursos já popularizados e que estão ao alcance de um grande número de pessoas no mundo inteiro. Vivemos, indubitavelmente, num mundo da informação e da interatividade.
Frente a essa velocidade de interação a própria atividade docente começa a ser questionada. O que significa estudar hoje? Por que um aluno deve passar horas sentado numa sala ouvindo, fazendo leituras e anotações sobre conteúdos que estão disponíveis? Parece mesmo que estudar não tem mais sentido, pois tudo que precisamos saber podemos fazer uma consulta instantânea nos sites de busca. Não precisamos mais aprender conteúdos, informações, fatos, fórmulas, teorias, visto que tudo está à mão, disponível na rede.
O paradoxo desse discurso e dessa realidade como um todo é que apesar de tanta informação, ainda continuamos refém, mais do que nunca da praga da filodoxia e do dogmatismo. Chamo de Filodoxia, o gosto ou amor pela opinião, entendido aqui como um posicionamento fundado numa superficialidade do saber, o que no popular chama-se frequentemente de “achismo”. As enquetes, os comentários, os bate-papos, são apenas isso (quando não frases de extrema vulgaridade). Não é a quantidade de conteúdo, mas a qualidade da sua manipulação. Não se estuda para ser uma enciclopédia ambulante, mas para ser mais livre, mais autônomo, mais autêntico.
O acesso aos conteúdos disponíveis na rede é apenas o primeiro passo, que deve ser seguido por uma avaliação mais criteriosa da sua veracidade e dos interesses aos quais ela está vinculada. O que se percebe, porém, é uma adesão imediata é irreflexa do que está na rede, como verdades absolutas. Ou seja, temos acesso a um grande volume de informações e ironicamente nos tornamos mais dogmáticos do que os que nos precederam.

domingo, 8 de janeiro de 2012

O MESMO É O SER E O PENSAR


Epitácio Rodrigues (professor de Filosofia)

Se pudéssemos classificar o ser humano em termos de identidade conceitual por onde deveríamos seguir? O texto que ora apresento é um delírio imaturo e raso, gestado no ócio dominical, mas não me parece de todo infundado. Por isso, peço que leia e o enriqueça.
Quero começar esse diálogo rememorando uma frase do filósofo Parmênides, tomada aqui livremente. Para esse filósofo, “o mesmo é o ser e o pensar”. A identificação do pensamento com a realidade nessa sentença é um convite à reflexão sobre o modo como cada pessoa constrói o seu mundo e a sua própria identidade. Porém, como existe muita divergência a respeito do que é pensar, usarei esse conceito no sentido mais amplo identificando-o às afirmações de Descartes, quando se define como uma coisa pensante (res cogitans):

Mas o que sou eu, portanto? Uma coisa que pensa. O que é uma coisa que pensa? É uma coisa que duvida, que concebe, que firma, que nega, que quer, que não quer, que imagina também e que sente. Certamente não é pouco se todas essas coisas pertencem à minha natureza” (1996, p. 270)

As palavras do filósofo parecem apontar para um entendimento do pensar como algo mais complexo do que um simples um exercício da razão. Trata-se de uma forma abrangente de entender o mundo, na qual estão envolvidas a razão, a vontade, a imaginação e a sensibilidade humana. Nesse sentido, podemos afirmar que o ser é uma construção do pensar, na medida em que o meu modo de entender o mundo e a mim mesmo cria a minha própria identidade. Por isso, a pergunta “quem sou eu?” só pode ser respondida levando-se em conta o que penso sobre o mim mesmo, visto que sou uma construção teórica estruturada a partir de uma experiência concreta de mundo.
- Quem sou eu? 
- Sou um conceito de mim mesmo. - respondo! 
Porém, uma vez que o conceito é uma construção teórica e existencial, resultante da amálgama de sentidos e significados unificados em torno de uma realidade, cada pessoa cria uma resposta de acordo com as experiências vitais que servem de suporte para a construção conceitual de sua identidade. Assim, algumas pessoas se entendem como portadoras de uma identidade essencial e imutável: são essencialistas. Quem nunca ouviu a frase: “eu sou assim e quem quiser gostar de mim vai ter que me aceitar como eu sou”. Essa postura é profundamente dogmática e, em termos relacionais, intransigente. É um entendimento fechado de si mesmo. Para esses essencialistas, os demais é que devem se adequar a sua identidade, nunca o contrário. Uma boa elucidação dessa forma de entendimento do mundo pode ser encontrada no famoso personagem da mitologia, Procusto (etimologicamente "o esticador"), que moravando numa serra da cidade de Elêusis, distante cerca de 30 km ao noroeste de Atenas, tinha em sua casa uma cama de ferro que media o seu tamanho, na qual ele convidava os hóspedes a se deitarem. Caso o hóspede fosse muito alto e passasse do tamanho da cama, era amputado o excesso ajustando o tamanho da pessoa ao tamanho de sua cama. Quando o hóspede era de pequena estatura, era esticado até se ajustar ao tamanho da cama”.
Uma característica desse conceito essencialista de si mesmo é o egocentrismo, que gera relações interpessoais débeis, a partir da principio: “eu sou o ser, os outros o não ser”. São exemplos eloquentes desse esquema conceitual a relação: europeus conquistadores e índios conquistados, os civilizados e os selvagens.
Outras pessoas, entendem a si mesma e a realidade de uma forma maniqueísta, ou seja, alicerçada sobre dois princípios de poderes equivalentes: o princípio do bem e o princípio do mal. Assim, o mundo, a divindade e as relações interpessoais são vistas como bipolares e contraditórias. Bipolar também é a compreensão de si mesmo. Nas relações interpessoais, as pessoas que estão a sua volta ou são amigas ou inimigas, ou estão do seu lado ou contra. Quem vê o mundo a partir de polaridades torna-se a sua imagem e semelhança. São ambíguas, ora amigas, ora inimigas, ora do lado de alguém, ora contra. Não raro, desenvolvem uma mania de perseguição: "têm sempre alguém conspirando contra ela." Para essas pessoas, criar oposições é  uma conditio sine qua non para o sustento da identidade e do sentido da sua própria existência, pois só se reconhecem na oposição a outrem. Não raro, ignoram que entre os inimigos e amigos situam-se os indiferentes, os colegas, diplomáticos, os egoístas, interesseiros e muitas outras pessoas para quais a sua existência não representa praticamente nada em termos de significados existenciais.
Por fim, existem algumas pessoas que se entendem como uma construção aberta. São os existencialistas. Para estas, a existência é pro-jeto, uma construção constante, aberta e complexa. Para elas, as palavras do filósofo Sartre ganha um eco bem especial:
O homem é antes de mais nada um projeto que se vive subjetivamente[...] nada existe anteriormente a este projeto; e o home será antes de mais nada o que tiver projetado ser [...] quando dizemos que o homem se escolhe a si, queremos dizer que cada um de nós se escolhe a si próprio; mas com isso queremos também dizer que, ao escolher-se a si próprio, ele escolhe todos os homens[...] (p. 94-95)
E mais adiante acrescenta o filósofo:

O que queremos dizer é que um homem nada mais é do que uma série de empreendimentos, que ele é a soma, a organização, o conjunto das relações que constituem esses empreendimentos (p. 109)
Para que desenvolve essa forma de compreensão conceitual do mundo e de si mesma, a liberdade aparece como valor fundamental. A existência surge como um complexo de possibilidades, a partir das quais a escolha inevitável a cada instante é que constrói a identidade, sempre aberta, sempre livre, sempre projeto em construção de si mesmo. Assim, viver é uma postura de constante aprendizado e mudanças, alicerçada na consciência de que o existir precede o ser e que eu sou plenamente no momento em que morro, visto que aí nada mais pode ser acrescentado ao meu ser identitario.
Para terminar esse breve delírio, quero deixar claro que essas compreensões não possuem  caráter absoluto e isolado, falo de compreensão conceitual predominante em cada indivíduo, mas deixando claro que as três formas de auto-entendimento estão presentes em todos nós, em maior ou menor intensidade.

Bibliografia:
SARTRE, Jean Paul. O existencialismo é um Humanismo. In: Sartre: vida e pensamento. São Paulo: Martin Claret, 1998;
DESCARTES, Meditações. In: DESCARTES, Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
Os pensadores originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito (texto e tradução). 3ª ed. Petrópolis, Vozes: 1999.

Ensaio SOBRE A OPINIÃO

“Ah, como uma cabeça banal se parece com outra! Elas realmente foram todas moldadas na mesma forma! A cada uma delas ocorre a mesma ide...