terça-feira, 7 de junho de 2011

O PENSAMENTO DE PLATÃO


(TEXTO DE FILOSOFIA: 1º ANO DO ENSINO MÉDIO, 2º BIMESTRE)

Platão (428-347 a.C.) viveu em Atenas, onde fundou uma escola denominada Academia.
Para melhor sintetizar as idéias de Platão, recorremos ao Livro VII de A República, onde seu pensamento é ilustrado pelo famoso “mito da caverna”. Platão imagina uma caverna onde estão acorrentados os homens desde a infância, de tal forma que, não podendo se voltar para a entrada, apenas enxergam o fundo da caverna. Aí são projetadas as sombras das coisas que passam às suas costas, onde há uma fogueira. Se um desses homens conseguisse se soltar das correntes para contemplar à luz do dia os verdadeiros objetos, quando regressasse, relatando o que viu aos seus antigos companheiros, esses o tomariam por louco, não acreditando em suas palavras.
A análise do mito pode ser feita pelo menos sob dois pontos de vista: o epistemológico (relativo ao conhecimento) e o político (relativo ao poder).
Segundo a dimensão epistemológica, o mito da caverna é uma alegoria a respeito das duas principais formas de conhecimento: na teoria das idéias, Platão distingue o mundo sensível, dos fenômenos, e o mundo inteligível, das idéias.
O mundo sensível, acessível aos sentidos, é o mundo da multiplicidade, do movimento, e é ilusório, pura sombra do verdadeiro mundo. Assim, mesmo se percebermos inúmeras abelhas dos mais variados tipos, a idéia de abelha deve ser uma, imutável, a verdadeira realidade. Com isto Platão se aproxima do instrumental teórico de Parmênides e, aliando-o aos ensinamentos de Sócrates, elabora uma teoria original.
Do seu mestre aproveita a noção nova de logos, e continuando o processo de compreensão do real, cria a palavra idéias (eidos), para referir-se à intuição intelectual, distinta da intuição sensível.
Portanto, acima do ilusório mundo sensível, há o mundo das idéias gerais, das essências imutáveis que o homem atinge pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos.
Sendo as idéias a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que participa do mundo das idéias, do qual é apenas sombra ou cópia. Por exemplo, um cavalo só é cavalo enquanto participa da idéia de “cavalo em si”. Trata-se da teoria da participação, mais tarde duramente criticada por Aristóteles.
Para Platão há uma dialética que fará a alma elevar-se das coisas múltiplas e mutáveis às idéias unas e imutáveis. As idéias gerais são hierarquizadas, e no topo delas está a idéia do Bem, a mais alta em perfeição e a mais geral de todas: os seres e as coisas não existem senão enquanto participam do Bem. E o Bem supremo é também a Suprema Beleza É o Deus de Platão.
Se lembrarmos o que foi dito a respeito dos pré-socráticos, podemos verificar que Platão tenta superar a oposição instalada pelo pensamento de Heráclito, que afirmava a mutabilidade essencial do ser, e a posição de Parmênides, para o qual o ser é imóvel. Platão resolve o problema: o mundo das idéias se refere ao ser parmenídeo, e o mundo dos fenômenos ao devir heraclitiano.
Mas como é possível aos homens ultrapassarem o mundo das aparências ilusórias? Platão supõe que os homens já teriam vivido como puro espírito quando contemplaram o mundo das idéias. Mas tudo esquecem quando se degradam ao se tornaram prisioneiros do corpo, que é considerado o “túmulo da alma”. Pela teoria da reminiscência, Platão explica como os sentidos se constituem apenas na ocasião para despertar nas almas as lembranças adormecidas. Em outras palavras, conhecer é lembrar. No diálogo Menon, Platão descreve como um escravo, ao examinar figuras sensíveis que lhe são oferecidas, é introduzido a “lembrar-se” das idéias e descobre uma verdade geométrica.
Voltando ao mito das cavernas: o filósofo (aquele que se libertou das correntes), ao contemplar a verdadeira realidade e ter passado da opinião (doxa) à ciência (episteme), deve retornar ao meio dos homens para orientá-los.
Eis assim a segunda dimensão do mito, a política, surgida da pergunta: como influenciar os homens que não vêem? Cabe ao sábio ensinar a governar. Trata-se da necessidade da ação política, da transformação dos homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida pelo modelo ideal contemplado.
(ARANHA, M. Lúcia & MARTINS, M. Helena P. Filosofando 2ª ed. Rev. São Paulo: Moderna, 1993, pp. 95-96)

A utopia platônica: A República
No livro VII de A República, Platão ilustra o seu pensamento como o famoso mito da caverna [...]. Vimos que o mito pode dar margem a uma interpretação epistemológica, pela qual se explica a teoria das idéias platônica. Segunda ela, o filósofo, representado por aquele que se liberta das correntes ao contemplar a verdadeira realidade, passa da opinião à ciência e deve retornar ao meio dos homens para orientá-los.
Deriva daí a segunda interpretação do mito da caverna, que resulta da dimensão política surgida da pergunta: como influenciar os homens que não vêem? Cabe ao sábio ensinar e dirigir. Trata-se da necessidade da ação política, da transformação dos homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida pelo modelo ideal contemplado.
É nesse sentido que Platão imagina uma cidade utópica, a Callipolis (Cidade Bela). Etimologicamente, utopia significa “em nenhum lugar” (em grego, ou-topos). Platão imagina uma cidade que não existe, mas que deve ser o modelo da cidade ideal.
Partindo do princípio de que as pessoas são diferentes e por isso devem ocupar lugares e funções diversas na sociedade, Platão imagina que o Estado, e não a família, deveria se incumbir da educação das crianças. Para isso, propõe estabelecer-se uma forma de comunismo em que é eliminada a propriedade e a família, a fim de evitar a cobiça e os interesses decorrentes dos laços afetivos, além da degenerescência das ligações inadequadas.
O Estado orientaria as formas de eugenia para evitar casamentos entre desiguais, oferecendo melhores condições de reprodução e, ao mesmo tempo, criando creches para a educação coletiva das crianças.
A educação promovida pelo Estado deveria, segundo Platão, ser igual para todos até os 20 anos, quando dar-se-ia o primeiro corte identificando as pessoas que, por possuírem “alma de bronze”, têm a sensibilidade grosseira e por isso devem se dedicar à agricultura, ao artesanato e ao comércio. Estes cuidariam da subsistência da cidade.
Os outros continuariam os estudos por mais dez anos, até o segundo corte. Aqueles que tivessem a “alma de prata” e a virtude da coragem essencial aos guerreiros constituiriam a guarda do estado, os soldados que cuidariam da defesa da cidade.
Os mais notáveis, que sobrariam desses cortes, por terem a “alma de ouro”, seriam instruídos na arte de pensar a dois, ou seja, na arte de dialogar. Estudariam filosofia, que eleva a alma até o conhecimento mais puro e é a fonte de toda verdade.
Aos cinquenta anos, aqueles que passassem como sucesso pela série de provas estariam aptos a ser admitidos no corpo supremo dos magistrados. Caberia a eles o governo da cidade, o exercício do poder, pois apenas eles teriam a ciência da política. Sua função seria manter a cidade coesa. Por serem os mais sábios, também seriam os mais justos, uma vez que justo é aquele que conhece a justiça. A justiça constitui a principal virtude, a própria condição das outras virtudes.
Se para Platão a política é “a arte de governar os homens com o seu consentimento” e o político é precisamente aquele que conhece essa difícil arte, só poderá ser chefe quem conhece a ciência política. Por isso a democracia é inadequada, pois desconhece que a igualdade deve se dar apenas na repartição dos bens, mas nunca no igual direito ao poder. Para que o Estado seja bem governado, é preciso que “os filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos”.
Platão propõe um modelo aristocrático de poder. No entanto, como já vimos, não se trata de uma aristocracia da riqueza, mas da inteligência, em que o poder é confiado aos melhores, ou seja, é uma sofocracia.
O rigor do Estado concebido por Platão ultrapassa de muito a proposta de educação. Se a virtude suprema é a obediência á lei, o legislador tem de conseguir o seu cumprimento pela persuasão em primeiro lugar, aguardando a atuação consentida dos cidadãos livres e racionais. Caso não o consiga, deve usar a força: a prisão, o exílio ou a morte. Da mesma forma, a censura é justificável quando visa manter a integridade do Estado.
As formas de governo
Com a utopia, Platão critica a política do seu tempo e recusa as formas de poder degeneradas. A aristocracia, por exemplo, pode se corromper em timocracia, quando culto da virtude é substituído pela forma guerreira; ou em oligarquia, quando prevalece o gosto pelas riquezas, e o censo é a medida de capacidade para o exercício do poder.
No Livro VIII de A República, Platão explica como essas formas degeneradas podem fazer surgir a democracia. Como vimos, a democracia não corresponde aos ideais platônicos porque, por definição, o povo é incapaz de possuir a ciência política. Quando o poder pertence ao povo, é fácil prevalecer a demagogia, característica do político que manipula e engana o povo (etimologicamente, “o que conduz o povo”). Platão critica a noção de igualdade na democracia, pois para ele a verdadeira igualdade é de ordem geométrica, porque se baseia no valor pessoal que é sempre desigual (já que uns são melhores do que outros), não considerando todos igualmente cidadãos.
Por fim, a democracia levaria fatalmente à tirania, a pior forma de governo, exercida pela força por um só homem e sem ter por objetivo o bem-comum. O tirano é a antítese do magistrado-filósofo.
(ARANHA, M. Lúcia & MARTINS, M. Helena P. Filosofando 2ª ed. Rev. São Paulo: Moderna, 1993, pp. 193-194)

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