segunda-feira, 26 de maio de 2014

CONHECE-TE A TI MESMO

Epitácio Rodrigues

Que somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? Qual o sentido da nossa existência? O que significa viver? Qual o valor da vida frente à eminência da morte? Essas são questões que acompanham o ser humano desde o momento em ele que tomou consciência do seu ser-no-mundo. Como as repostas nem sempre são simples, não raro tendemos a escolher o caminho mais curto e mais fácil a ser trilhado. Nesse sentido, tornou-se famoso, desde a antiguidade, o adágio:comamos e bebamos porque amanhã morreremos(Cf. Is. 22,13; ICor. 15,33 ). Essa apologia do prazer imediato e descomprometido com o futuro como um projeto de vida feliz tende a acarretar uma frustração pela própria natureza do prazer como algo fugaz e provisório, exigindo uma inventividade e superação constante. O prazer experimentado ontem deve ser mais intenso hoje ou então será mera rotina: a cada vez deve ser mais intenso, mais fantástico sob o risco de deixar de ser prazer. Para usar uma metáfora socrática, é uma espécie de tonel furado, quando mais se tenta enchê-lo mais vazio lhe parece.
Outra fuga da vida é a adoção de um projeto de felicidade entendido como um esforço para não passar privações, no qual cada dia é entendido como momento de preparar e garantir a subsistência e prazeres futuros. A felicidade passa a ser entendida sempre a partir de uma ótica negativa, equivalendo a um evitar sofrimento. Nesse projeto, nos casos mais radicais, qualquer manifestação de alegria é suprimida. Um exemplo disso pode ser ilustrado com a prática monástica, que sob o pretexto do ora et labora (ora e trabalha), condenavam o riso: “o riso é abundante na boca dos estultos.”
A sintomatologia do homem e mulher hodiernos, de modo especial os mais jovens, mostra uma dificuldade em sabem lidar com essas duas realidades humanas, cuja administração é condição sem a qual não para uma vida equilibrada, a saber: o sofrimento e o prazer. Isso Por que o homem ocidental, por uma série de razões, não foi adequadamente educado para lidar com o prazer e com o sofrimento. O filósofo Aristóteles já mostrava uma preocupação a esse respeito, quando lembrou que a excelência das nossas ações estava relacionada com o prazer e o sofrimento, e acrescentou: “É por causa do prazer que praticamos más ações, e por causa do sofrimento que deixamos de praticar ações nobres. Por isso, como diz Platão, deveríamos ser educados desde a infância de maneira a nos deleitarmos e sofremos com as coisas certas; assim, deve ser a educação correta” ( 2002: p. 43).
A ausência de uma educação ou de uma formação que contemple isso se torna evidente na falta de parâmetros racionais e consistentes para avaliar e valorar, seja as experiências de sofrimento, seja as de prazer. Somos, frequentemente, incapazes de extrair de ambas alguma aprendizado que nos torne um ser humano melhor e mais preparado para a própria vida. A consequência disso é que as nossas experiências de prazer e também as de sofrimento, não raro, nos conduzem ao mesmo ponto: a infelicidade.
O filósofo Sócrates dedicou parte de sua vida a exortar o ser humano ao autoconhecimento em busca de uma vida feliz. Ele acreditava que o ser humano é essencialmente a sua psique/alma, ou seja, a razão enquanto sede da atividade pensante e eticamente operante.[1] Por isso, esse filósofo assumiu como sua missão nas andanças que realizava convencer aos jovens e velhos de que o foco do cuidado humano devia estar voltado à alma e não tanto ao corpo e às riquezas e demais coisas exteriores. O corpo, segundo ele, era apenas um instrumento do qual se servia a psique/alma, então quando afirmava repetidas vezes: “conhece-te a ti mesmo”, ele estava exortando cada pessoa um mergulho na sua interioridade, pois, como deixa muito claro na Apologia “a vida sem exame não é digna de ser vivida”.
A expressão “conhece-te a ti mesmo” não é de autoria do filósofo, mas uma das máximas que se encontravam no frontispício do tempo de Apolo, em Delfos. O mesmo templo no qual seu amigo e discípulo Querofonte, indaga à sacerdotisa a respeito de quem era o homem mais sábio, ao qual ele responde: “Sócrates!” Convicto da necessidade do autoconhecimento, Sócrates apropria-se da máxima para deixar claro o seu projeto. Dainezi, comentando a frase, esclarece: “é a vida que dispõe do olhar para si, do exame das atitudes, das ações, do constante duvidar, da constante busca do bem” [2].
O velho Sócrates provocou uma verdadeira revolução axiológica, na medida em que defendeu ser os verdadeiros valores não aqueles ligados às coisas exteriores, como o poder, a fama, a riqueza e muito menos aqueles referentes ao corpo como a vida, a beleza, o vigor, a saúde física, mas sim os valores da psique/alma, que em última instância, reduzem-se ao conhecimento. Os valores atribuídos às coisas exteriores e ao corpo, quando dissociados do conhecimento, tornam-se grandes males. Nesse sentido, é compreensivo a ênfase dada à máxima: “conhece-te a ti mesmo”, pois a ausência desse conhecimento leva ao erro, ou seja, o erro é proveniente da ignorância, do desconhecimento. Percebe-se, portanto, que há identidade entre verdade e bondade, entre o ser, o conhecer e o agir. Pode-se questionar tal entendimento a partir da observação cotidiana, repleta de situações nas quais as pessoas, sabendo o que é certo a ser feito, fazem o que sabem ser errado. Mas não há aí uma interpretação superficial da questão? Conhece-te a ti mesmo não se reduz ao encontro racional com suas emoções e reações, mas um mergulho naquilo que é a constituição fundamental do ser humano: o verdadeiro ser humano é fundamentalmente bom, por isso a necessidade de um conhecimento verdadeiro de si mesmo.
No conhece-te a ti mesmo na há receita de felicidade, mas uma exortação a se por a caminho de si mesmo.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002,
REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da Filosofia, Vol. I 7ª ed.. São Paulo: Paulus, 2005;
DAINEZI, Gustavo. Conhece-te a ti mesmo. In: Filosofia: ciência e vida, ano VI, nº 71, junho; 2012, pp. 14-22.
PLATÃO Apologia de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1999.p. 52. Col. Os Pensadores.



[1] Cf. REALE & ANTISERI, p. 87
[2] DAINEZI, G. p. 18.

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