quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Por que estudar Filosofia no Ensino Médio?




Epitácio Rodrigues
Professor de Filosofia

Já encontrei várias vezes essa mesma indagação e também várias respostas diferentes. Mas percebo que existe um certo romantismo e uma tentativa de justificar o caráter não utilitário da Filosofia no contexto atual. A questão precisa ser respondida com muita serenidade e a partir do foco certo. O jovem do Ensino Médio não deve estudar Filosofia porque ela vai ajudá-lo a desenvolver o senso crítico, como se ela fosse a única forma de saber capaz de fazê-lo pensar criticamente. Aqui devo até deixar muito claro que a Filosofia pode sim fazer-nos pensar criticamente, mas ela também pode ser usada para justificar ideologicamente certas posições políticas. Não é somente por uma questão de formação da consciência crítica, pois o jovem do Ensino Médio pode ser levado a pensar de acordo com interesses ideológicos viciados também.
Quando se diz que a Filosofia é um saber voltado à formação do jovem para a cidadania, devemos lembrar que isso é uma responsabilidade de todo o processo de educação formal. Ademais fica sempre no ar uma indagação sobre o que se pensa por cidadania nos setores da educação do estado Brasileiro. Noutras palavras, a formação da consciência crítica e a formação para o exercício da cidadania são razões plausíveis, porém ainda muito românticas e pouco esclarecidas. Elas são razões insuficientes para justificar a presença obrigatória da filosofia no ensino médio.
Outro engano é querer que a Filosofia seja a cura do mal de não pensar. Aliás, quando se ouve falar em filosofia para jovens, passa-se, comumente, a impressão equivocada de que os jovens não pensam. Essa é uma forma infeliz de se apresentar essa nova proposta que é, inegavelmente, de grande valor formativo. Porém, o que precisa ser esclarecido é que se trata de uma proposta de reeducação - não de domesticação - da construção de raciocínio dos jovens, na qual se procure romper com a prática reflexiva dispersa, assistemática e acentuadamente funcional que nos condiciona a pensar apenas as tarefas do dia-a-dia. O resultado disso é uma compreensão confusa, fragmentada e superficial da nossa existência e da nossa própria situação.
A importância da Filosofia para os jovens educandos não é tirá-los da ignorância, como se eles fossem incapazes de pensar, mas ajudá-los a usar o seu potencial intelectivo de um modo menos assistemático e mais profundo. Quando se utiliza o pensamento ordenada e conscientemente, ganha-se tempo, chega-se a conclusões mais acertadas e resolve-se melhor os desafios que fazem parte da nossa vida.
A juventude é um tempo de transição, por isso mesmo marcada por descobertas. É também o momento em que a conjuntura social começa a cobrar-lhes responsabilidade pelos seus atos. Ora, a Filosofia, como instrumento de re-educação do pensamento conceitual, pode ajudar os jovens entender melhor a realidade e os tornar mais livres. Afinal, cada vez mais cedo o jovem é instigado a se posicionar frente a fatos ou situações que envolvem interesses de toda a sociedade. Por isso, simplesmente dizer “sim” ou “não”, sem uma avaliação mais criteriosamente dos possíveis impactos, não é liberdade, mas inconseqüência.
Diante da pergunta: por que estudar Filosofia no Ensino Médio? A resposta deve ser muito clara. Pela mesma razão que se deve estudar História, Geografia, Matemática etc. Ou seja, a educação é um processo de transmissão e reelaboração de conhecimentos social e historicamente construídos pelo ser humano, tendo em vista o desenvolvimento das condições materiais de sua própria sobrevivência na terra. Noutras palavras, estuda-se história porque somos seres históricos e por isso desenvolvemos uma forma de construção de conhecimento que nos possibilite situar-nos tempo, preservando a nossa memória como elemento fundamental de construção de nossa identidade social no tempo. Estudamos Geografia porque somos seres que existem dentro de um espaço complexo e simbólico que chamamos de espaço geográfico, e por essa razão desenvolvemos um modo de pensar e construir conhecimentos dentro de uma representação de espacialidade física e humana. Por que estudamos Matemática? Porque, para nossa sobrevivência, temos a necessidade de quantificar a nossa própria relação com o espaço, com os seres e com os objetos em geral. Ou seja, a realidade é marcada pela unidade e pela pluralidade e, para nos relacionarmos com outros indivíduos e com a natureza como um todo, somos obrigados a desenvolver um modo de pensar e compreender a realidade a partir das referências quantitativas.
Assim, a História, a Geografia, a Matemática e todos os outros modos de conhecimentos resultam de uma necessidade existencial: o provimento das condições epistemológicas e materiais que garantam a nossa sobrevivência na terra. Essas ciências são apenas sistematizações de conhecimentos humanos desenvolvidos para a satisfação das nossas próprias necessidades e nascem da condição humana de provedor das suas condições simbólicas e materiais de existência. Surge então a indagação: como a Filosofia se insere nessa dinâmica? A Filosofia, dentro desse processo, se justifica pela intrínseca necessidade que temos de encontrar sentido nas coisas. Nas palavras de Severino(2007):

Todo esforço da consciência filosófica da realidade é um fim em si mesma na exata medida em que a existência humana como um todo é sua meta! Todo esforço da consciência filosófica na busca do sentido das coisas tem, na verdade, a finalidade de compreender de maneira integrada o próprio sentido da existência do homem! Temos, então, de fato, uma nova pragmaticidade: o homem não consegue viver e existir apenas como um fato bruto, ele sente necessidade inevitável de compreender sua própria existência. Portanto, o esforço despendido pela consciência no seu refletir filosófico não é só mero diletantismo intelectual, nem puro desvario ideológico, nem tentativa de representação do mundo para fins pragmáticos. É antes a busca insistente do significado mais profundo da sua existência, sem dúvida alguma para torná-lo mais adequada a si mesmo! (p.24-25).

Ou seja, a Filosofia, no seu aspecto global e originário, nasce da necessidade humana de encontrar ou construir o sentido da sua própria existência, para além das experiências imediatas e pragmáticas do dia-a-dia. Ela tem, portanto, a dimensão de busca às respostas mais teleológicas para o que somos, o que fazemos, o que pensamos, o que dizemos e o que esperamos. Isso, por si só, explica e justifica a razão de ser da própria Filosofia. Mas fica a indagação: quem não filosofa não tem uma vida com sentido? Seria uma injustiça afirmar tal coisa. Porém, o que se explicita aqui é que a Filosofia nasce de um esforço para fundamentar a nossa própria existência sobre uma base conceitual quando os discursos míticos, as explicações religiosas e o dogmatismo ingênuo do senso comum se mostraram insatisfatórios aos espíritos mais aguçados e ávidos de uma fundamentação coerente, consistente e racional da sua própria razão de ser-no-mundo. Com isso, já aponto para uma justificação plausível à presença da Filosofia no Ensino Médio. Essa busca de uma fundamentação racional das diversas dimensões do ser humano, alicerçada sobre uma base conceitual, gerou um modo de pensar que não está presente em nenhumas das outras disciplinas estudadas no Ensino Médio. Ou seja, existe uma forma de pensar e construir conhecimentos que somente a Filosofia dispõe e que pode auxiliar os jovens a lançar as bases para uma compreensão da realidade que seja menos reativa e naturalizante e passe a ter uma postura mais problematizadora, mais crítica, mais analítica e que se habitue a buscar o fundamentos das ideias, dos discursos e das práticas humanas, entendendo-as como expressões de posições políticas e ideológicas.
Em resumo, podemos dizer que a razão para se estudar Filosofia, de modo geral, nasce da humana necessidade de dar sentido à existência como ser-no-mundo. Depois, aos jovens, o estudo da Filosofia se justifica porque essa busca pelo sentido das coisas gerou um modo de construção de conhecimento conceitual da realidade que possui inegável valor para a formação integral do ser humano e que eles, portanto, merecem e têm o direito de ter acesso a essa forma de saber elaborado e sistematizado chamado Filosofia.

Um comentário:

  1. Ao contrário de muitos, acho que a filosofia deve ter mais espaço em nossas escolas, pois, a história da humanidade é indissolúvel da mesma.

    Robertinho Alves

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