sábado, 28 de maio de 2016

MACHISMO NÃO SE COMBATE COM NOTA DE REPÚDIO


Epitácio Rodrigues da Silva


O machismo é uma ideologia que ganha visibilidade através de comportamentos, opiniões, atitudes, valores e ações e que tem como tese fundamental a afirmação da superioridade masculina em relação à feminina.

Essa ideologia está impregnada nas raízes culturais da sociedade e influencia no sistema econômico, religioso, na mídia, na política e na organização familiar. Em todas essas instituições, à mulher é relegado um papel de submissão e inferioridade, às vezes, com aspectos eufemistas como “sexo frágil”, “emotividade”, “ternura”. Ficando aos homens as representações simbólicas de força, racionalidade, firmeza.

Essa divisão hierárquica da sociedade não leva em conta as diferenças reais, mas hierarquicamente ideologizadas. E muitas das ações absurdas praticadas por homens, são imputadas à mulher a culpa. No caso do estupro, que é uma violência em todos os aspectos condenáveis, é possível achar quem defenda ideologicamente que ele decorre de um “ato feminino de provocação e sedução”, como já denunciou inúmeras vezes Marilena Chaui nos seus escritos.

Agora, quando a gente olha o fato ocorrido no Rio de Janeiro, na semana passada, e que ganha repercussão ainda hoje, vê-se que as falas de muitos protagonistas no atual cenário político não se coadunam às suas atitudes.
Na verdade, há uma contradição nessa postura, quando em situações que ganham repercussão manifesta-se nota de repúdio, mas, paradoxalmente, mediantes ações políticas deliberadas, minam as políticas públicas voltadas ao combate da violência contra a mulher nas suas mais multifacetas manifestações.

Tenho muita dificuldade em entender como setores dessa sociedade dizem abominar o estupro e o machismo, e, ao mesmo tempo, ovacionam um parlamentar que se sentiu à vontade para dizer, inclusive na Tribuna do Congresso, a uma parlamentar a seguinte fala, que foi reproduzida em vários jornais de grande circulação no país: "Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece. Fica aqui pra ouvir" (09/12/2014). Numa sociedade que se diz indignada com a prática do estupro, como é possível um parlamentar fazer um discurso desse na Tribuna do Congresso e nada acontecer. Não quero minorar as reações de vários movimentos sociais, mas alguns setores que tinham poder pra fazer mais adotaram com reação mais comum apresentar uma nota de repúdio, aqui e ali.

Vamos lembrar também das repercussões negativas, sob forma de críticas e sarcasmos, contra o tema da redação do Enem de 2015, que trazia como proposta “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira". Na mesma ocasião, podia se lê a seguinte manchete no Estadão: “Deputados acusam Enem de ‘Doutrinação’ por abordar feminismo” (26, 10.2015). Essa reação noticiada em vários jornais foi seguida por uma verdadeira “onda” (se quiserem podem fazer uma ligação como filme) de comentadores de plantão demonizando a discussão, acusando o MEC de doutrinação feminista.

E agora, frente ao fato amplamente noticiado, o compromisso do interino pode ser medido pela maneira como ele se manifesta: uma nota no seu twitter. O “ministro interino” da Justiça publica uma nota de repúdio no facebook. O mais estranho é que esse mesmo governo interino, e amplamente considerado golpista, ao montar seu ministério não se lembrou das mulheres. Não havia ministério onde elas pudessem continuar “belas, recatadas e do lar”. E não faltaram apologias nem no meio político, nem nas colunas de jornais, nem nos telejornais da meia-noite para respaldar a sua atitude. Seus defensores argumentavam, imponentes, que não se tratava de questão de gênero, mas de competência. Aqui também surgiram algumas notas de repúdio.

E por que não falar no projeto Escola Sem Partido, que diferentemente do que dizem seus arautos, na verdade objetiva apenas silenciar, entre as classes populares, a discussão a respeito das questões da manipulação política, defendendo não a neutralidade, mas ignorância acerca do papel da juventude nesse processo; além de ser uma tentativa desesperada de evitar que se fale do protagonismo a ser exercido pelas mulheres na política, no trabalho e na sociedade e também de combate às questões ligadas a orientação sexual.

Sobre os casos de estupro, a solução proposta pelo interino é criar um departamento na Policia Federal. Ainda não entendeu que o estupro não pode ser combatido apenas com ações pontuais e repressoras após os fatos. Basta vê que no Rio acontecem em média 12 casos por dia, como estão noticiando os jornais. O estupro, enquanto uma das configurações violentas dessa ideologia machista incrustada na nossa cultura, cobra um compromisso maior de um intenso trabalho de reeducação do modo de entender o mundo, de revisões de valores distorcidos e das relações de poder autoritárias e misóginas.

Do contrário, vamos continuar vendo essas práticas de violência contra a mulher ser combatida com nota de repúdio.

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