Epitácio Rodrigues
Que somos nós? De
onde viemos? Para onde vamos? Qual o sentido da nossa existência? O que significa
viver? Qual o valor da vida frente à eminência da morte? Essas são questões que
acompanham o ser humano desde o momento em ele que tomou consciência do seu ser-no-mundo.
Como as repostas nem sempre são simples, não raro tendemos a escolher o caminho
mais curto e mais fácil a ser trilhado. Nesse sentido, tornou-se famoso, desde a
antiguidade, o adágio: “comamos e bebamos porque amanhã morreremos”(Cf.
Is. 22,13; ICor. 15,33 ). Essa apologia do prazer
imediato e descomprometido com o futuro como um projeto de vida feliz tende a acarretar
uma frustração pela própria natureza do prazer como algo fugaz e provisório,
exigindo uma inventividade e superação constante. O prazer experimentado ontem
deve ser mais intenso hoje ou então será mera rotina: a cada vez deve ser mais
intenso, mais fantástico sob o risco de deixar de ser prazer. Para usar uma
metáfora socrática, é uma espécie de tonel furado, quando mais se tenta
enchê-lo mais vazio lhe parece.
Outra fuga da vida é a adoção de um projeto de felicidade entendido
como um esforço para não passar privações, no qual cada dia é entendido como
momento de preparar e garantir a subsistência e prazeres futuros. A felicidade
passa a ser entendida sempre a partir de uma ótica negativa, equivalendo a um
evitar sofrimento. Nesse projeto, nos casos mais radicais, qualquer
manifestação de alegria é suprimida. Um exemplo disso pode ser ilustrado com a
prática monástica, que sob o pretexto do ora
et labora (ora e trabalha), condenavam o riso: “o riso é abundante na boca
dos estultos.”
A sintomatologia do homem e mulher hodiernos, de modo especial os mais
jovens, mostra uma dificuldade em sabem lidar com essas duas realidades
humanas, cuja administração é condição sem a qual não para uma vida
equilibrada, a saber: o sofrimento e o prazer. Isso Por que o homem ocidental,
por uma série de razões, não foi adequadamente educado para lidar com o prazer
e com o sofrimento. O filósofo Aristóteles já mostrava uma preocupação a esse
respeito, quando lembrou que a excelência das nossas ações estava relacionada
com o prazer e o sofrimento, e acrescentou: “É por causa do prazer que
praticamos más ações, e por causa do sofrimento que deixamos de praticar ações
nobres. Por isso, como diz Platão, deveríamos ser educados desde a infância de
maneira a nos deleitarmos e sofremos com as coisas certas; assim, deve ser a
educação correta” ( 2002: p. 43).
A ausência de uma educação ou de uma formação que contemple isso se
torna evidente na falta de parâmetros racionais e consistentes para avaliar e
valorar, seja as experiências de sofrimento, seja as de prazer. Somos,
frequentemente, incapazes de extrair de ambas alguma aprendizado que nos torne
um ser humano melhor e mais preparado para a própria vida. A consequência disso
é que as nossas experiências de prazer e também as de sofrimento, não raro, nos
conduzem ao mesmo ponto: a infelicidade.
O filósofo Sócrates dedicou parte de sua
vida a exortar o ser humano ao autoconhecimento em busca de uma vida feliz. Ele
acreditava que o ser humano é essencialmente a sua psique/alma, ou seja, a
razão enquanto sede da atividade pensante e eticamente operante.[1] Por
isso, esse filósofo assumiu como sua missão nas andanças que realizava convencer
aos jovens e velhos de que o foco do cuidado humano devia estar voltado à alma e
não tanto ao corpo e às riquezas e demais coisas exteriores. O corpo, segundo
ele, era apenas um instrumento do qual se servia a psique/alma, então quando
afirmava repetidas vezes: “conhece-te a ti mesmo”, ele estava exortando cada
pessoa um mergulho na sua interioridade, pois, como deixa muito claro na
Apologia “a vida sem exame não é digna de ser vivida”.
A expressão “conhece-te a ti mesmo” não
é de autoria do filósofo, mas uma das máximas que se encontravam no
frontispício do tempo de Apolo, em Delfos. O mesmo templo no qual seu amigo e
discípulo Querofonte, indaga à sacerdotisa a respeito de quem era o homem mais
sábio, ao qual ele responde: “Sócrates!” Convicto da necessidade do
autoconhecimento, Sócrates apropria-se da máxima para deixar claro o seu
projeto. Dainezi, comentando a frase, esclarece: “é a vida que dispõe do olhar
para si, do exame das atitudes, das ações, do constante duvidar, da constante
busca do bem” [2].
O velho Sócrates provocou uma verdadeira
revolução axiológica, na medida em que defendeu ser os verdadeiros valores não aqueles
ligados às coisas exteriores, como o poder, a fama, a riqueza e muito menos
aqueles referentes ao corpo como a vida, a beleza, o vigor, a saúde física, mas
sim os valores da psique/alma, que em última instância, reduzem-se ao
conhecimento. Os valores atribuídos às coisas exteriores e ao corpo, quando
dissociados do conhecimento, tornam-se grandes males. Nesse sentido, é
compreensivo a ênfase dada à máxima: “conhece-te a ti mesmo”, pois a ausência
desse conhecimento leva ao erro, ou seja, o erro é proveniente da ignorância,
do desconhecimento. Percebe-se, portanto, que há identidade entre verdade e
bondade, entre o ser, o conhecer e o agir. Pode-se questionar tal entendimento
a partir da observação cotidiana, repleta de situações nas quais as pessoas,
sabendo o que é certo a ser feito, fazem o que sabem ser errado. Mas não há aí
uma interpretação superficial da questão? Conhece-te a ti mesmo não se reduz ao
encontro racional com suas emoções e reações, mas um mergulho naquilo que é a
constituição fundamental do ser humano: o verdadeiro ser humano é fundamentalmente
bom, por isso a necessidade de um conhecimento verdadeiro de si mesmo.
No conhece-te a ti mesmo na há receita
de felicidade, mas uma exortação a se por a caminho de si mesmo.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. São Paulo: Martin
Claret, 2002,
REALE,
Giovanni & ANTISERI, Dario. História da Filosofia, Vol. I 7ª ed.. São
Paulo: Paulus, 2005;
DAINEZI,
Gustavo. Conhece-te a ti mesmo. In: Filosofia: ciência e vida, ano VI, nº 71,
junho; 2012, pp. 14-22.
PLATÃO
Apologia de Sócrates. São Paulo: Nova
Cultural, 1999.p. 52. Col. Os Pensadores.
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