Epitácio
Rodrigues
Desde
o nosso nascimento, somos lançados em um mundo de coisas, seres, crenças, valores
e costumes que interferem diretamente na construção do nosso entendimento da
realidade, por isso não vivemos simplesmente, mas con-vivemos, na medida em
somos impelidos a partilhar um complexo de vivências intersubjetivas. Cada um
de nós é o resultado desses encontros e vivências e o significado que lhes
atribuímos, pois ao partilharmos a existência com outras pessoas, somos
afetados por essa teia de valores e entendimentos, mas não assimilados
passivamente por nós, pois fazemos uma síntese muito pessoal, tornando o meu
entendimento do mundo sempre diferente dos demais com os quais interajo.
O
contato interpessoal põe em evidência as diferenças e, não raro, ocasiona
conflitos de interesses, de desejos e de projetos de vida. Se não podemos viver
sozinhos, fica a indagação de como devemos lidar com as diferenças? Se por um
lado, não é possível vivermos na solidão, no máximo momentos de isolamento
físico, já que o ser-com-os-outros é parte da nossa constituição
fundamental, também não podemos obrigar os outros a se tornarem iguais a nós à
Procusto. Resta-nos apenas aprender a con-viver com mais excelência. Isso
significa que se a sociabilidade faz parte da nossa constituição, a
socialização saudável é fruto de um aprendizado, é resultado de uma pedagogia
da con-vivência. Mas, interagir de modo significativo com outras pessoas supõe
a decisão de cultivar alguns valores indispensáveis, dente eles, o respeito.
Estamos acostumados a pensar o respeito como sinônimo de temor em relação a
alguém, mas conforme lembram Aranha e Pires, a palavra respeito deriva do latim
respicere, cujo
significado básico é “olhar para”. Assim, respeito indica, no sentido mais
preciso, a capacidade de ver a pessoa como ela é, reconhecendo-a na sua
individualidade singular (1993, p. 321). Respeito, portanto, é ver o outro como
outro.
Ver
uma pessoa na sua alteridade não é muito fácil, pois normalmente reduzimos as
pessoas ao que pensamos ou imaginamos dela e não percebemos que uma coisa é o
que pensamos dele e outra bem diferente o que ele é de fato. Para ver as
pessoas como são a primeira exigência é nos darmos conta de que o outro, no sentido
mais preciso, nos escapa. Mas então, como evitar ou ao menos minorar uma
compreensão equivocada do outro pela nossa inteligência? A resposta é simples:
“ver” e “ouvir” o outro. A orientação pode parecer simplória, mas às vezes, o
fundamental é o mais óbvio, o que não significa que seja o mais fácil. Ver e ouvir são exigências inerentes ao
conceito de pessoa humana. De fato, a origem da palavra pessoa, na tradição
latina deriva de persona, que por sua vez traduz a palavra grega prosopon
(mascara/face). Prosopon “é originariamente formado de duas outras
palavras: pros, 'em direção de' e ops, 'olho', e o seu sentido
mais preciso é: 'aquilo que atrai o olhar'” (RODRIGUES, 2013, p. 45). A palavra
tem, portanto, uma ligação intrínseca com a experiência do olhar. Eu reconheço
o outro voltando o meu olhar atento para ele, com o propósito de vê-lo como ele
é. Não podemos esquecer o aspecto dialético da experiência: revelação –
indicado pelo rosto – e o velamento sugerido pela máscara. Outro é revelação e
mistério. O respeito é ver o outro como pessoa: alguém que mostra que o ser é
transfenomenal, ou seja, ultrapassa o que o meu olhar capta. Mas prosopon
tem também uma relação com a comunicação. Algo que é mais bem elucidado pela
tradução latina, persona (de per- para; sonare – soar):
literalmente “para soar mais perfeitamente”. O prosopon ou persona era
originariamente uma mascara teatral que servia para caracterizar o rosto e a
identidade do ator, se trágico ou cômico, mas também para ampliar o som da sua
voz, tornando-a audível e compreensível pelo auditório. Assim, ouvir o falar do
outro, como uma forma de revelação de si. Diálogo (diá- entre; logos – palavra,
ideia, conceito) significa o processo de interação no qual uma palavra/logos se
coloca entre dois. É através do diálogo, no face-a-face, que o outro se revela
a nós como outro. Assim, é pela escuta do outro como outro, no face-a-face da
proximidade, que ele se mostra como fenômeno e transfenomenal.
Referência
bibliográfica:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda &
PIRES, Maria Helena Martins. Filosofando. 2ª ed. rev. e atual. São
Paulo: Moderna, 1993.
COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário
Filosófico. São Paulo: wmfmartinsfontes, 2011.
DUSSEL, Enrique. Ética Comunitária.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1986.
RODRIGUES, Epitácio. Do Ninguém à
Pessoa. In: RODRIGUES, Epitácio & CARVALHO, Elieldo Duarte. As
Portas do Tempo nos Muros da Vida. Juazeiro do Norte-CE: 2013.
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