quarta-feira, 13 de abril de 2011

O CONCEITO DE CULTURA NUMA PERSPECTIVA FILOSÓFICA


Prof. Epitácio Rodrigues

        Por que estudar a cultura sob a ótica da Filosofia? As indagações filosóficas sobre a cultura abrem um leque de questões que contribuem para uma compreensão mais aprofundada dessa realidade, dentre as quais podemos citar: a delimitação do conceito de cultura; a relação cultura e trabalho, enquanto ação humana sobre a natureza; a capacidade simbólica do ser humano que reveste de significação a natureza e tudo aquilo que ele cria através de sua ação, ou seja, a sua capacidade de atribuir significação às coisas que o tira do mundo natural e o lança no mundo humano; e, por fim, as implicações advindas dessa capacidade de criar e recriar o seu próprio mundo, na medida em que ele mesmo se vê mergulhado num universo de significações que o modelam e dizem como ele dever ser, agir e viver. Noutras palavras, a questão de saber até onde o ser humano é livre frente ao próprio universo cultural por ele criado e no qual está inserido.
Nossa preocupação será de apresentar uma compreensão de cultura. O que não será uma coisa simples, pois o nosso vocabulário diário está impregnado de expressões que se referem à cultura com sentidos, às vezes, totalmente diferentes. Fala-se em cultura de grão, cultura nordestina, ou ainda, em pessoa culta e sem cultura. Ora, se falamos em cultura brasileira supõe-se que todos os brasileiros participam dessa cultura, portanto a possuem de alguma forma, mas quando digo que um brasileiro concreto é uma pessoa inculta, isto é, sem cultura, estou dizendo que ele tem e não tem cultura. Isso incorre numa contradição ou, no mínimo, numa grande dificuldade para se compreender o que é realmente a cultura.
Uma das formas de esclarecer essas confusões a respeito do termo é buscar a sua origem, a sua etimologia. A palavra cultura é de origem latina, vem do verbo colere, que significa “cultivar”, “criar”; “honrar”; “tomar conta” e “cuidar”.
Quando surgiu, no final do século XI,[1] a noção inicial de cultura estava relacionada ao cultivo da natureza, dando origem à palavra agricultura; à devida honra prestada aos deuses pelos homens (culto às divindades) e também ao cuidado dos adultos com as crianças (puericultura).
No período do Renascimento, por volta do século XVI, os humanistas começaram a empregar a palavra cultura com o sentido figurado de cultivo do espírito. Cultura passou a ser o desenvolvimento da capacidade intelectual e o aprimoramento das qualidades naturais dos homens.
No século XVIII, os iluministas relacionaram a expressão cultura do espírito, com as artes, ciências e letras e a partir daí passou-se a utilizar o termo cultura para designar tanto o desenvolvimento da capacidade intelectual, quanto o resultado do trabalho intelectual dos homens. Nesse período aconteceu a associação do termo cultura com o termo progresso, enquanto aprimoramento da ação humana, da autonomia individual, de domínio do homem sobre a natureza. Nas palavras de Marilena Chauí,
cultura passa a significar os resultados daquela formação ou educação dos seres humanos, resultados expressos em obras, feitos, ações e instituições: as artes, as ciências, a Filosofia, os ofícios, a religião e o Estado. Torna-se sinônimo de civilização, pois os pensadores julgavam que os resultados da formação-educação aparecem com maior clareza e nitidez na vida social e política ou na vida civil (Convite à Filosofia, 2001, p. 292).
Com o avanço das Ciências da Natureza, no século XIX, o surgimento das Ciências Humanas e a Revolução Industrial, cresce de forma assombrosa a produção material do homem. As cidades passam por mudanças rápidas e profundas, colocando em evidência as transformações e as diferenças humanas. Daí a Filosofia e as Ciências Sociais recolocarem o tema da cultura.
A Antropologia, uma das Ciências Sociais, vai apresentar um novo conceito de cultura que pode ser sintetizado no modo de vida de um povo e o que resulta da sua criação.
Nesse sentido, o antropólogo inglês Edward. B Tylor (1832-1917) afirma que cultura é: “um todo complexo que abarca conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e outras capacidades adquiridas pelo homem como integrante da sociedade” (Apud. VILA NOVA, Introdução à Sociologia,1992, p. 43)
Reinholdo Aloysio Ullmann, na sua obra Antropologia: o homem e a cultura, ao abordar o assunto, também numa perspectiva antropológica, defende que Cultura, em sentido estrito,
significa o modus vivendi global de que participa determinado povo. Está incluída aí a maneira de agir, o que implica uma concepção ética; a maneira de pensar, o modo de sentir. O sentir, pensar e agir manifestam-se na linguagem, no código de leis seguido, na religião praticada, na criação estética. É o que se chama, tradicionalmente, de cultura não-material. Ao mesmo tempo, porém, o modus vivendi se expressa nos instrumentos utilizados, bem como na maneira de obtê-los, nas vestimentas, nas habitações em que o homem busca abrigo. Cultura material é a designação que abrange esses itens. Há que dizer, para não deixar dúvidas, que todo comportamento humano-cultural não é herança genética, mas transmissão social (O Homem e a cultura, 1991, p. 84).
Como podemos perceber, a dificuldade para se entender claramente o conceito de cultura, deve-se ao longo processo de re-elaboração a que foi sujeito o termo desde o século XI até os nossos dias.
Todavia, alguns elementos estiveram sempre presentes, a saber: a cultura é sempre uma ação criativa do homem sobre a natureza. Essa ação criativa tanto pode ser de natureza imaterial ou simbólica, como valores econômicos, éticos e estéticos, crenças, leis, normas e costumes. Isso só é possível graças à capacidade cognitiva, que o permite conhecer a realidade e alterar o significado dos objetos adaptando-os à satisfação de suas necessidades. É também a capacidade cognitiva que possibilita transmissão dos conhecimentos e técnicas de produção a outras gerações, perpetuando o saber. A ação criativa do homem pode ser de natureza material. O homem age sobre a natureza e produz objetos de artes, alimentos, indumentária e artefatos de modo geral, graças a uma combinação da capacidade cognitiva com a capacidade de premer da mão humana, permitindo a manipulação da realidade e criação de instrumentos necessários à alteração da própria natureza em seu benefício.
Ou seja, a noção de cultura evoca um aspecto imaterial: modo de ser e de viver de um povo, expresso num corpo complexo de significações linguísticas criado, aceito e transmitido pelo grupo, a cultura imaterial; e também um aspecto material: produção de objetos e utensílios para a sobrevivência, conforto e organização do grupo social, a cultura material.


[1] Cf. SOUZA, Sonia Maria Ribeiro de. Um Outro Olhar: Filosofia. São Paulo: FTD, 1995, p.114)

Ensaio SOBRE A OPINIÃO

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