(Prof.: Epitácio
Rodrigues - Resumo de sociologia 2º ano 3º bimestre)
O propósito deste trabalho é
apresentar uma revisão de alguns dos mais importantes sociólogos e filósofos
europeus para construirmos juntos um mapa
sociológico da sociedade moderna, tendo como base o texto Tempos
modernos, tempos de sociologia, organizado por Helena Bomeny
e Bianca Freire-Medeiros e como principal objetivo analisar “a vida nas
cidades, a maneira moderna de trabalhar, a luta pela sobrevivência, a busca
incessante da liberdade e da igualdade, as tentações do consumo” (p. 125).
Serão pensadores apresentados aqui: Karl Marx, Alexis de Tocqueville, Max Weber,
Émile Durkheim, Norbert Elias e Walter Benjamin.
Nosso primeiro pensador será o
filósofo, economista político, sociólogo revolucionário alemão Karl Marx. Para
ele, certamente a vida moderna avançou muito em comparação com o período
pré-industrial, abriu as portas ao desenvolvimento da ciência e ao avanço da
tecnologia, liberou homens e mulheres de preconceitos religiosos, ampliou as
possibilidades de trabalho e as oportunidades de mobilidade social – mas não
para todos! Aliás, as portas se abriram para muito poucos. E quanto mais esses
poucos acumulam, menos o capitalismo distribui a riqueza entre os demais.
Diante da modernidade que se apresentava no século XIX, ficou impressionado com
a distância profunda entre os que foram beneficiados pelo desenvolvimento do
capitalismo e os que foram deserdados de todos os ganhos. Essas duas classes,
separadas pelo que ele chama de conflito fundamental, são a burguesia e o
proletariado. Como se pode vencer a enorme distância que as separa? Marx
defende que o caminho deve ser a política: somente uma revolução – a tomada do
poder pelos operários - poderia conduzir a sociedade a uma realidade melhor,
mais justa e mais igualitária.
Mas essa leitura da realidade não
é partilhada por todos, o que nos mostra que a sociologia apenas nos oferece
perspectivas parciais da realidade social. Passemos a palavra ao filósofo,
pensador político, historiador e escritor francês Alexis de Tocqueville que,
apesar de viver no mesmo período e mesmo contexto, não partilha das mesmas
ideias de Marx. Acredita numa saída política para os novos desafios sociais,
mas não crer que a revolução seja o caminho para mudar a realidade social.
Independente de ser burguesa ou proletária. Isso porque ele carrega na memória
as marcas da Revolução Francesa de 1789. Não nega a importância da Declaração dos Direitos dos homens e do
cidadão, surgido no interior dessa revolução. Mas, também não esquecia a
violência sofrida pela sua família na Revolução Francesa, no período do “grande
terror”. Dentre os quais o avô, o Marquês de Rosanbo, que teve a cabeça
decapitada pela Guilhotina e seus pais só não morreram porque o líder jacobino
Robespierre morreu, antes disso acontecer. Em nome da Revolução, muita gente
inocente foi condenada com base em mera suspeita do líder revolucionários. Fica
então a pergunta: se a revolução não é caminho, qual é a saída, segundo a sua
visão?
Para ele, antes se deve encontrar
um caminho para conciliar o nosso desejo de liberdade com os ideais de
igualdade. Em todos os seus livros, preocupou-se com isso. Tanto é que passaram
a chamar essa questão de dilema
tocquevilliano: conciliar a liberdade individual com a igualdade coletiva.
Para encontrar uma resposta para
o problema da democracia, fundada nos princípios da liberdade e da igualdade, Tocqueville
visitou os Estados Unidos da América e analisou sua experiência democrática,
observou pormenorizadamente seus costumes e fez análises comparativas com a
experiência francesa: sacrificar a liberdade individual para garantir uma
pretensa igualdade.
Por isso, Tocqueville pensa que a
mudança não deve vir por via revolucionárias, independentemente dos rótulos -
burguesa ou proletária -, pois com muita facilidade desembocam em terror,
subtraindo a liberdade. A mudança deve vir por vias legais. Noutras palavras, o
caminho que se deve trilhar passa pelo aprimoramento das leis e do controle
sobre os governantes para que cumpram a função de conduzir responsavelmente a
sociedade.
Vamos passar às contribuições de
Max Weber - sociólogo, historiador e economista alemão - sobre o assunto. Ele
é, ao lado de Marx e Durkheim, um dos fundadores da Sociologia. Vejamos como
ele avalia, cinquenta anos depois de Karl Marx e Alexis de Tocqueville, essa
sociedade.
A sociedade pós-industrial foi
uma das grandes ocupações nas atividades de pesquisa. De modo bem especial
sempre o impressionou a maneira como foram distribuídas as funções nessa nova
organização social, o surgimento de uma ética especial que serviu de suporte
para o trabalho, a organização da produção e também seu controle.
Ele tinha consciência de que não
foi só no Ocidente que as pessoas, depois da Revolução Industrial, se dedicaram
a produzir mais para ganhar mais. Sabia também que a diferença estava na
maneira de realizar esse esforço. Então uma das suas questões quanto à produção
era: o que levou a moderna civilização ocidental a ser diferente das demais? A
reposta é muito clara: na sociedade pós-fabril as relações econômicas,
políticas, sociais, religiosas e até mesmo artísticas foram impregnadas por um jeito racional de agir.
Essa
racionalidade teve na economia seu ponto de partida. As pessoas passaram a se
preocupar em saber quanto custava produzir um bem, como obter o crédito, como
aproveitar o tempo e ser eficiente para não ter prejuízo, tudo isso se tornou
muito importante para a atividade econômica na sociedade industrial. No meu
livro A Ética protestante e o espírito do
capitalismo, transcreveu os conselhos de Benjamin Franklin (1706-1790), um
dos fundadores dos Estados Unidos da América, para mostrar as atitudes que as
pessoas passaram a valorizar nos tempos modernos como as mais adequadas para
conduzi-las ao sucesso.
Esse
comportamento racional também estava presente no campo da ciência e da
tecnologia. Na verdade, nesses campos a racionalidade alcançou o seu ponto mais
alto. As descobertas científicas e as novas invenções se tornaram possíveis
graças ao estimulo que as sociedades ocidentais deram à criação racional. A
especialização cientifica e técnica, a organização da vida com base na divisão
de tarefas e em sua distribuição ao longo do dia, dos meses, dos anos, tudo
isso foi criando uma nova mentalidade.
Além
disso, as pessoas comuns foram sendo educadas para confiar nos cientistas,
advogados, engenheiros, que estudaram os assuntos que pertencem as suas áreas
ou que lhes interessam. Palavras como especialização, competência, eficiência e
cálculo são essências para entendermos o conceito de racionalidade definido por
Weber.
No
livro A ética protestante e o espírito do
capitalismo Weber faz uma ligação entre essa mentalidade racional e a Religião.
A questão consiste basicamente em saber: o
que motiva os indivíduos a se comportarem de determinado modo? O que fazia que
as pessoas escolhessem uma ou outra maneira de agir? Weber volta a sua
atenção para os valores, para as crenças de tudo que viesse a orientar a
conduta das pessoas. Pois estava certo de que compreendendo essas condutas,
ficaria mais perto de um entendimento mais real do que é vida social. Isso o
levou ao estudo da religião e acabou descobrindo que, nas suas mais variadas
feições, ela tem como uma das suas características dominantes orientar a
conduta de seus seguidores. Por isso, dedicou muitas páginas ao estudo de
religião. Mas uma delas chamou a atenção de modo especial. Foi o cristianismo de
vertente protestante, o que se denomina protestantismo. Nele encontrou uma
ligação muito forte entre os valores que eles pregavam e o capitalismo
ocidental, entre a ética protestante e o
espírito do capitalismo.
Estudando
a mentalidade capitalista ocidental, percebeu que a orientação religiosa que
surgiu a partir da Reforma Protestante ocorrida no século XVI ajudou muito a
“fazer a cabeça” dos que a ela aderiram a respeito de como aproveitar o tempo,
como evitar a ócio, como se dedicar ao trabalho e como disciplinar a vida.
Os
fiéis protestantes, para merecer a salvação, teriam que demonstrar, nas
atividades diárias, que estavam se comportando de forma adequada. Eles foram
religiosamente educados para crer que o aperfeiçoamento no trabalho, o empenho
em fazer as atividades de rotina, o rigor com o horário e com o aproveitamento
do tempo eram qualidades que aproximavam homens e mulheres de Deus.
Assim,
o protestantismo teria, assim, facilitado o desenvolvimento de uma atitude
adequada ao “espírito” do capitalismo.
Até aqui tivemos uma apreciação
da sociedade por Marx, analisando a sociedade sob a ótica das relações sociais
e econômicas, denunciando a luta de classes, a exploração do trabalhador... Seu
contemporâneo, Tocqueville considera a relação entre política, democracia e os
costumes fazendo uma análise comparativa das sociedades francesa e americana.
Weber analisa a relação entre racionalidade, economia e os costumes, sobretudo
a religião e o capitalismo.
O nosso próximo pensador é o
sociólogo francês David Émile Durkheim, nascido
em Epinal, França, em 1858. Iniciou seus estudos filosóficos na escola Normal
Superior. É formado em Direito, Economia e Filosofia e é considerado, ao lado
de Karl Marx e Max Weber, um dos pais da Sociologia. Suas principais obras são:
Da divisão do trabalho social; as regras
do método sociológico; o suicídio; formas elementares da vida religiosa;
Educação e sociologia; Lições de sociologia.
Durkheim,
frente às leituras meramente economicista da sociedade, lembra que as pessoas fazem
mais do que apenas trabalhar e consumir. Portanto, considerar apenas a economia
é uma leitura reducionista. Para ele, a sociedade era como um corpo vivo, um
organismo cujas partes – cada instituição e cada indivíduo – cumprem papéis
determinados e existem em função do todo. A “vinculação” desses diferentes
comportamentos, tornando a sociedade possível, é possível graças ao que chamou
de solidariedade.
Nas
sociedades mais simples e mais homogêneas as tarefas são divididas ou por
gênero (por exemplo, homens caçam, mulheres plantam e colhem) ou por idade.
Nesses contextos, o tipo de solidariedade que prevalece é a mecânica. Durkheim
chama de solidariedade mecânica aquela forma de solidariedade que independe de
uma reflexão intelectual ou de uma escolha. O nível de coesão é altíssimo, e é inconcebível alguém se sentir sem um lugar
no mundo, sem direção. O “sentido de nós” é mais forte do que o “sentido do
eu”. O coletivo é que define o individual: o bem-estar do grupo é o que dá
sentido, e a tradição informa a direção a seguir.
Nessas
sociedades fazer parte de um grupo, ser membro de uma corporação, pertencer a
uma religião, ser conhecido como parte de uma família, tudo isso é mais forte
do que se apresentar como alguém que responde por seu próprio destino, sua
biografia. É o grupo que dá ao individuo a explicação de sua própria vida. Esta
se dava em grupo, tanto no trabalho como no lazer.
Esse
tipo de arranjo social, característico das sociedades pré-capitalistas, sofreu
uma mudança importante quando, paralelamente ao aumento populacional, ocorreu
um incremento das comunicações e das trocas de mercadorias e de ideias entre as
pessoas.
Se esse
é tipo de solidariedade mais característico das sociedades pré-capitalistas,
como se define a nova forma de sociedade que surge com o capitalismo
industrial? Durkheim explica que no mundo da Revolução industrial, as cidades
inchadas de gente, distâncias encurtadas pelo rádio e automóvel, ninguém mais
sabe ao certo seu lugar ou a direção a seguir. As pessoas se veem como indivíduos, portadores de
características e personalidades que os tornam únicos. Nessa nova sociedade
predomina outro tipo de elo: a
solidariedade orgânica. Ela é fruto das diferenças, que ficam claras graças
à nova divisão social do trabalho. Poder-se-ia perguntar: qual a influência
disso que Durkheim chama de divisão social do trabalho?
De
acordo com Durkheim, a nova divisão social do trabalho parece se caracterizar
pela especialização de funções econômicas, mas também à segmentação da
sociedade em diferentes esferas e ao surgimento de novas instituições como o
Estado, a escola ou a prisão. Em decorrência dessa nova divisão, os indivíduos
executam tarefas que, por serem especializadas, contribuem para o funcionamento
do organismo social.
Cada
indivíduo se vê, assim, ligado aos demais. Mas há outra razão pela qual a
divisão do trabalho produz solidariedade e coesão: ela implica regras e
princípios que conectam todos os membros da sociedade de maneira duradoura.
Nas
sociedades simples, a coesão é garantida por um conjunto de princípios - ou
seja, uma moral – e um conjunto de regras – ou seja, um direito. Este tem, no
caso, a função de punir aquele que, com sua transgressão, ofende todo o
conjunto. É o direito penal.
Nas
sociedades complexas também convivemos com regras e normas que dizem o que
devemos fazer e nos punem quando não cumprimos o estabelecido. A falta, o
rompimento da regra, não afeta o coletivo, e sim as pessoas separadamente. A
punição, portanto, será dirigida para a devolução, àquele que foi prejudicado,
de parte ou da totalidade daquilo que lhe foi retirado. É o direito restritivo – restituir é devolver, reparar um dano.
Em vez
de perceberem que uns precisam dos outros, que cada um completa o que o outro
não sabe fazer, os indivíduos passam a se ver como partes isoladas, sem
qualquer conexão com a engrenagem maior. Passam a priorizar suas próprias
vontades, e não mais os valores coletivos. É o que Durkheim chama de individualismo exacerbado: os indivíduos
só pensam em si, no seu interesse mais direto, e não se preocupam com os
outros.
A
consequência desse exagero é o que Durkheim chama de anomia moral: ausência de norma, falta de regras e de limites.
Perdem-se os valores comuns pelos quais os indivíduos podem se orientar. Os
interesses individuais e os interesses coletivos nãose comunicam mais.
Essa
situação ocorreu de fato nos primeiros tempos do capitalismo. Para Durkheim, a
saída estaria em construir no mundo do trabalho uma nova moral condizente com
os valores da sociedade industrial.
Os
seres humanos são naturalmente egoístas, e é a vida em sociedade que os obriga
a respeitar os interesses alheios e as instituições. Aprendemos a nos comportar
convivendo com nossa família, professores e colegas, vizinhos. Durkheim
acreditava fortemente que o bem-estar coletivo não pode vir da satisfação
egoísta dos interesses individuais. São as regras morais que podem garantir à
sociedade um principio. Devemos voltar a atenção para o mercado de trabalho e
de trocas. Afinal, é ali que homem e mulheres passam a maior parte do seu dia.
E se todos precisam trocar bens e serviços para garantir sua sobrevivência, é
ali que irão perceber mais claramente como é impossível viver sem a cooperação
de todos.
O mercado precisa de uma ética que deverá
ser mais forte do que a pura lógica econômica. O papel de regulador da ética do
mercado deveria ser desempenhando pelas corporações
profissionais. As corporações unificariam as diferentes categorias
interessadas no processo de produção.
Falando de Michel Foucault (1926-1984),
vale lembrar que, embora não fosse um sociólogo, marcou o campo das ciências
sociais com suas reflexões sobre a relação entre verdade e poder. Filósofo,
historiador, crítico e ativista político francês, desenvolveu uma teoria e um
método de pesquisa próprios, caracterizados por aproximar história e filosofia.
Suas ideias inspiraram e influenciaram diversas áreas, como a arte, a
filosofia, a história, a sociologia, a antropologia, dentre outras. Suas
principais obras são: História da loucura
na idade clássica (1961), As palavras
e as coisas (1966), Arqueologia do
saber (1969), Vigiar e Punir
(1975), Microfísica do Poder (1979),
o projeto inacabado História da sexualidade: A vontade de saber (1976), O uso dos prazeres (1984) e O cuidado de si (1984).
Para entender a complicada
relação entre verdade e poder, Foucault realizou pesquisou vários temas, mas um
dos temas que mais se deteve foi a questão da disciplina. Como homens e
mulheres aprendem a se comportar? O que acontece quando não se comportam de
acordo com o previsto? Em que tipo de justificativas se baseiam as regras de
comportamento? Em que lugares os ensinamentos sobre o que é socialmente
aceitável e não aceitável são transmitidos? Por que e por quem eles são
cobrados?
Para responder a essas questões,
Foucault investigou a origem e o desenvolvimento de várias instituições de
controle, entre elas os abrigos e as prisões.
As transformações trazidas pela
Revolução Industrial e a Revolução Francesa possibilitaram o surgimento de
novos hábitos e valores, novas estruturas de pensamento e práticas sociais. Seu
interesse se voltou, sobretudo, para as condições de surgimento de novos
saberes – ciências como a biologia, a economia política, a psiquiatria e a
própria sociologia – e novos dispositivos disciplinares. A influência desses
novos saberes e dispositivos por toda a sociedade levaram à consolidação de um
modelo peculiar de organização social: as “ sociedades disciplinares” dos
séculos XIX e XX.
A emergência desse novo formato
de arranjo social, com suas lógicas de controle e penalização, foi o tema
central da obra Vigiar e Punir. Nela Foucault mostra como, a partir do séc.
XVII e XVIII, houve o “desbloqueio tecnológico d produtividade do poder”,
permitindo o estabelecimento de procedimentos de controle ao mesmo tempo muito
mais eficazes e menos dispendiosos, não apenas nas prisões, mas também em
várias outras instituições, onde a vigilância dos indivíduos é constante e
necessária.
Foucault lembra que mecanismo de
disciplina e controle já existiam antes do surgimento de saberes como a
economia ou a sociologia. Na idade Média, por exemplo, todos os que fossem
tidos como “dementes”, eram confinados na “nau dos insensatos”; todos os
criminosos eram condenados à pena de morte; os deformados eram recolhidos aos
mosteiros; os que sofriam males físicos eram levados aos hospitais (“depósitos
de doentes”). Mas, foi a partir do século XVIII que se iniciou um processo de
organização e classificação científica dos indivíduos, que veio a garantir uma
nova forma de disciplinar e controlar a sociedade. Cada “anormalidade” passou a
ser identificada em seus mínimos detalhes por um saber específico e a ser
encaixada em um complexo quadro de “patologias sociais”.
O nascimento da medicina clínica
e a criação do hospital tal como o
conhecemos, por exemplo, são fenômenos historicamente recentes. Foucault toma
como exemplo o projeto de criação de hospitais surgido na França em fins do
século XVIII, em que pela primeira vez foram expostas regras minunciosas de
separação dos vários tipos de doentes. O médico – e não mais qualquer
“curandeiro” – passou a ser o responsável por essa nova “maquina de curar”, que
lembrava muito pouco aquele “deposito de doentes” medieval.
A medicina clínica passou a ter
foco o corpo do doente e como objetivo trazer esse corpo “de volta ao normal”.
Surgiram expressões como “temperatura normal”, “pulsação normal”, “altura e
pesos normais”. Esse padrão de normalidade passou a ser um parâmetro para toda
a sociedade – é claro que há componentes culturais que determinam variações
nesse padrão -, e a medicina ganhou uma dimensão política de controle.
A ideia de uma educação que não
está a cargo dos pais, e sim do Estado, que é oferecida a todos os cidadãos,
que tem um conteúdo comum e necessita do espaço da escola também é fruto dessas
transformações de que fala Foucault. Não por coincidência, a escola organizada
de acordo com parâmetros pedagógicos é uma invenção do fim do século XVIII e
início do XIX. Acreditamos que a escola tem o poder de saber quais são os comportamentos desejáveis, quais são os
conteúdos imprescindíveis e qual é a didática adequada.
O mesmo se dá com o conjunto das
instituições de justiça e punição, que encontra nas prisões seu espaço de
realização. O grupo dos “maus” desdobra-se me uma série de subgrupos de
“personalidades criminosas”, que passa a ser objetivo de um saber específico: a
criminologia. A reclusão, a partir do século XVIII, substitui em muitos países
da Europa a pena de morte. Acreditamos que o sistema judiciário tem o poder de
vigiar e punir (com a morte, se necessário) porque tem o poder de saber
distinguir entre os inocentes e os criminosos.
Foucault fez uma “arqueologia” –
uma investigação minuciosa da origem e do desenvolvimento histórico – de todos
esses saberes: da medicina clínica, da psiquiatria, da criminologia etc. e não
apenas isso como também se encarregou de formular uma crítica incisiva das
práticas disciplinadoras – de controle e adestramento – de cada uma das
instituições onde esses saberes são praticados e reproduzidos.
As formas de curar, educar e
punir não foram as únicas a ter seus princípios alterados na modernidade.
Foucault mostrar que as maneiras de produzir e os lugares da produção também
passaram por um sério processo de especialização e controle. As fábricas
reproduzem a estrutura da prisão. Colocam os indivíduos, separados segundo suas
diferentes funções, sob um rígido sistema de vigilância.
Para Foucault não podemos
entender as relações de poder reduzindo-as à sua dimensão econômica ou à esfera
do Estado. As estruturas do poder extrapolam o Estado e permeiam, de forma
difusa e pouco evidente, as diversas práticas sociais cotidianas. Ninguém é
titular do poder, porque ele se espelha em várias direções, em diferentes
instituições, na rua e na casa, no mundo público e nas relações afetivas.
Em segundo lugar, Foucault
insiste: existe uma forte correlação entre saber
e poder. Instituições como a escola,
o hospital, a prisão, o abrigo para menores etc. nem são politicamente neutras,
nem estão simplesmente a serviço do bem geral da sociedade. Nós é que
acreditamos que elas são neutras, legítimas e eficazes porque acreditamos na
neutralidade, na legitimidade e na eficácia dos saberes científicos – como a pedagogia, a medicina, o direito, o
serviço social – que lhes dão sustentação. Foucault nos ajuda a perceber,
portanto, que há relações de poder onde elas não eram normalmente percebidas. O
conhecimento não é uma entidade neutra e abstrata; ele expressa uma vontade de
poder. Se a ciência moderna se apresenta como um discurso objetivo, acima das
crenças particulares e das preferências políticas, alheio aos preconceitos, na
prática, ela ajuda a tornar os “corpos dóceis”, para usar outra de suas
expressões.
O poder, tal como Foucault o
concebe, não equivale à dominação, à soberania ou à lei. É um poder que se faz
aceito porque está associado ao conceito de verdade:
“Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercer o poder
mediante a produção da verdade”.
Para Foucault, é a crença nessa
verdade que independe das decisões humanas que nos autoriza a julgar, condenar,
classificar, reprimir e coagir uns aos outros.
Em seus últimos escritos,
Foucault dedicou-se a examinar com o poder baseado no conceito de disciplina,
surgido no século XVIII, foi se sofisticando e adquirindo contornos ainda mais
complexos ao longo do século XX. Ao poder disciplinar veio somar-se o
“biopoder”. O primeiro tem como alvo o corpo de cada indivíduo, o biopoder
dirige-se à massa, ao conjunto da população e ao seu hábitat - a metrópole,
sobretudo. Isso porque o processo de especialização, deflagrado com a divisão
do trabalho, exige cada vez mais que a população como um todo seja
racionalmente classificada, educada e controlada para ser, por fim,
transformada em força produtiva. O biopoder é exercido toda vez que, com base
na voz dos especialistas, é feito um controle do comportamento da coletividade.
Foucault não se preocupou em dizer se esse controle é positivo ou negativo.
Interessou-se pelo processo que levou as pessoas a depositar sua confiança nessas
vozes especializadas e pela maneira como isso alterou o desenho das sociedades.
O objeto do biopoder são fenômenos coletivos, como os processos de natalidade,
longevidade e mortalidade, que são medidos e controlados por meio de novos
dispositivos, como os sensos e as estatísticas.
O biopoder mede, calcula, prevê e
controla, mas processo de controle não depende necessariamente da repressão
direta do Estado. As instituições de educação, saúde, os meios de comunicação
etc passam a produzir discursos que nós introjetamos como verdades absolutas e
não como convenções e históricas e socialmente estabelecidas.
Norbert Elias, sociólogo alemão
(1897- 1990), considerado um dos mais importantes pensadores do século XX. A
partir de um intenso diálogo com a história da cultura, Elias situa os
diferentes padrões de relações sociais nos seus devidos contextos históricos e
culturais. Para ele, a vida em sociedade é composta de padrões gerados nas
interações entre indivíduos ligados por uma relação de interdependência.
Suas principais obras: O Processo Civilizador (1939), A sociedade de corte (1969), O que é sociologia? (1970), A sociedade dos indivíduos (1987).
Norbert Elias nos ensina a
perceber que há aspectos da sociedade que julgamos ter sempre existido, mas que
passaram por um longo processo de desenvolvimento até tomar a forma que
conhecemos. Isso vale para as formas de governo, para os modelos de família e
também para as boas maneiras e os costumes. Aprendemos com ele que as normas
são criadas e recriadas para conter os impulsos ou ações instintivas das
pessoas e permitir que a sociabilidade ocorra dentro de uma linguagem comum a
todos (os códigos de civilidade). Essas normas estão presentes em diversos
aspectos da vida social, como nos esportes, na arte, nas relações entre os
Estados nacionais etc. Por meio da civilidade, o individuo aprende a lidar com
os integrantes de grupos diferentes do seu.
A sociedade do presente que
interessa a Elias é a que floresceu em alguns países da Europa Ocidental e
disseminou uma maneira própria de se pensar, de se apresentar diante das
outras, de se auto-olhar. Nesses países desenvolveu-se uma ideia de civilização que obrigou homens e
mulheres a mudar sua conduta no dia-a-dia.
Quando estranhamos maneiras de
ser distintas das nossas, que aceitamos e aprovamos, podemos ser tentados a
definir nosso jeito de ser como bom, desejável, melhor, e a classificar o que é
diferente, distante, desconhecido, como “ruim”, “atrasado”, “decadente”,
“selvagem”, “rude”. Olhamos o mundo a partir do que consideramos melhor, e o
que consideramos melhor é o que nos acostumamos a ser, a ter, a saber. Quando
uma pessoa faz uma avaliação de outros grupos costumes, etc fazendo uma escala
do melhor para o pior, de seu próprio ponto de vista, e com base nele emite um
julgamento sobre outro, do ponto de vista sociológico, estamos tomando o
diferente não pelo o que o faz diferente, senão por aquilo que o distancia
daquilo que o grupo a que pertencemos considera melhor, ou mais evoluído, ou
mais desenvolvido.
A esse efeito indesejável do
processo civilizador os antropólogos chamaram de etnocentrismo (etn(o) – também presente em etnia, que quer dizer
cultura, e centrismo que indica
centro): que quer dizer: toma-se a própria cultura como centro de referência
para medir as demais por comparação. Noutras palavras, etnocentrismo é uma visão de mundo em que o próprio grupo é tomado
como centro de referência, e o diferente é visto de forma depreciativa. As
fronteiras entre os civilizados e os bárbaros (ou selvagens) foi o que marcou a
história ocidental no período moderno – é só lembrar os desdobramentos
históricos do contato entre os brancos europeus, de um lado, e os negros
africanos os indígenas americanos, os orientais e outros grupos étnicos, de
outro.
A atitude etnocêntrica implica
uma desvalorização do que é diferente da nossa própria cultura. O etnocentrismo
indica que um determinado grupo étnico se considera superior a outro, já que o
diferente é visto como inferior. Provoca uma atitude preconceituosa em relação
ao diferente, e pode mesmo gerar gestos de incompreensão diante dos modos e
comportamentos de outras culturas. A xenofobia
(aversão ao estrangeiro) e o racismo (classificação
dos povos segundo raças e defesa da superioridade de uma delas) são exemplos
desses possíveis desdobramentos.
Em geral, a atitude etnocêntrica
reduz as diferenças quando define um determinado modelo como aquele que deve
prevalecer. Além de reduzir as diferenças porque não as aceita, elege uma
determinada visão de mundo, de cultura, de jeito de ser como aquela que deve
ser universalizada, ou seja, que deve valer para todas as situações.
O etnocentrismo se apoia em outra
noção também muito poderosa: a de estereótipo.
O estereótipo possui duas características básicas: é ao mesmo tempo generalizante
e redutor. Exemplo: “todo brasileiro gosta de futebol”. Trata-se de um
estereótipo. Primeiro, porque nem todos os brasileiros gostam de futebol,
segundo porque os brasileiros não gostam apenas de futebol.
Walter Benjamin, ensaísta,
crítico literário, tradutor, filósofo e sociológico da cultura, nasceu em
Berlim, na Alemanha. Esse pensador de origem judaica deixou uma obra de difícil
classificação, uma vez que escreveu sobre temas variados, e muitos dos seus
textos não foram concluídos. Teve sua trajetória intelectual ligada à Escola de
Frankfurt, que reunia pensadores voltados para o desenvolvimento de uma teoria
crítica social. Expressões como “indústria cultural” e “cultura de massa” são
heranças diretas dos estudos da escola de Frankfurt. Entre as obras de Walter
Benjamin, as mais conhecidas são: A obra
de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (1936), Teses sobre o conceito de história
(1940), a inacabada Paris, capital do
século XIX e Passagens, compilação de escritos publicada postumamente.
Poucos pensadores sociais tiveram
igual sensibilidade para observar o cotidiano da modernidade e decifrar as
personagens da metrópole. Walter Benjamin antecipou a reflexão crítica sobre a
fotografia, o cinema, as miniaturas, os brinquedos, a poesia, o flâneur, o ópio, a prostituta – assuntos
e personagens considerados “irrelevantes” ou “indignos” por muitos de seus
contemporâneos. Além disso, escreveu vários textos em que tema capital francesa
como suporte para tratar de temas como as reformas urbanas modernizadoras, a
sociedade de massas, a indústria do entretenimento, o surrealismo, entre muitos
outros. Seu interesse era retratar Paris, não apenas como ambiente construído –
suas avenidas, monumentos, praças -, mas também como experiência urbana. Na paris do século XIX, dá-se o surgimento de
novos valores e novos padrões de convivência. Benjamin chama atenção para os
grandes eventos históricos, mas também para pequenos detalhes que são
reveladores. Observa que em 1824 somente 47 mil pessoas eram assinantes de
algum jornal em Paris; doze anos depois o número aumentou para 70 mil e, na
década seguinte, chegou a 200 mil. Para ele, o aumento significativo do número
de leitores não tornou os jornais mais autônomos. A impressa passou a depender
cada vez mais dos anúncios para sobreviver.
Benjamin observa também que o
surgimento dos cartazes que começavam a aparecer nos muros de Paris reflete uma
nova cultura urbana associada ao entretenimento e ao consumo de produtos. Esse
meio de comunicação foi uma invenção do século XIX. Antes, não existia o
conceito de “propaganda”, até porque não havia uma produção significativa de
bens de consumo. Além de associar o surgimento dos cartazes ao nascimento da
sociedade de consumidores, os vincula à chamada espetacularização da política:
“campanha publicitária” e “campanha política”. Ambas dependem, para alcançar
seus objetivos, da utilização de recursos de comunicação que atinjam as massas
urbanas. Assim, tanto as mercadorias quanto os políticos precisam “aparecer”. O
lado bom é que o aumento do número de pessoas que participam dos processos
eleitorais. É muito ruim, porém, que a política se tenha transformado em
“encenação”. A discussão dos projetos e ideias foi substituída por um desfile
de imagens produzidas para seduzir o eleitor, assim como se procura seduzir o
cliente por meio da embalagem de um produto.
Boa parte de reflexão de Benjamin
sobre a modernidade se encontra no livro Passagens
– centenas e centenas de páginas que escreveu de 1927 até as vésperas de sua
morte, em 1940. Para ele, as passagens
eram um “mundo em miniatura” em vários sentidos. Ali se concentravam diferentes
mercadorias, vindas dos lugares mais remotos, principalmente das colônias
francesas. Gente de toda parte vinha admirá-las e consumi-las. Mas também porque
permitiam perceber as várias contradições entre abundância e escassez, entre
império e colônia, entre tempo útil de um produto e o tempo descartável da
moda, entre os que podiam entrar e consumir e os que ficavam do lado de fora
sonhando. As passagens como locais de
intensas trocas materiais e culturais, verdadeiros espaços de exposição de
produtos e de corpos. Os consumidores “desfilavam” pelas galerias para ver e
serem vistos. Alguns levavam para passear tartarugas com fitas de veludo
amarradas ao pescoço! Esse hábito era uma maneira de forçar o passo lento. As
pessoas estavam sendo “treinadas” para a incorporação de um hábito novo: o de
“olhar vitrines” e assim desejar o supérfluo, a novidade por ela mesma.
Benjamin nos ajuda a perceber a
origem de uma poderosa associação: aquela entre consumo e lazer. Hoje esse par
nos parece natural. Muitas vezes vamos ao shopping
center só para “nos distrair” ou “relaxar”. Acabamos, geralmente, comprando
uma coisinha, fazendo um lanche. Ou seja, acabamos consumindo, quando a
intenção era passear. “Fazer compras” se tornou uma atividade privilegiada em
nosso tempo “livre”, o tempo do não trabalho.
As passagens parisienses eram espaços frequentados sobretudo pelas
mulheres da classe média e das elites. Não se esqueça de que durante muito
tempo – e ainda hoje nas sociedades mais tradicionais – as mulheres estiveram
associadas ao espaço doméstico. As passagens,
assim como as lojas de departamentos no início do século XX, vieram garantir às
mulheres um espaço seguro onde podiam passear e se divertir sem serem
“confundidas”. As passagens eram espaços
ao mesmo tempo de opressão e de libertação. Eram opressoras porque impunham a
ideologia do consumo. Mas também carregavam em si o que ele chamou de “utópicas
promessas de liberdade”, na medida em que apontavam para a possibilidade de se
construir uma sociedade próspera e dominada pela tecnologia, funcionando como
verdadeiras “casas de sonhos coletivos”, conforme sua expressão. “Paris era a
capital do sonho e o sonho do capital”.
Benjamin manteve uma preocupação
constante com as transformações ocorridas em nossa maneira de perceber o mundo.
Como os novos recursos tecnológicos alteraram nossa maneira de perceber o que
está ao nosso redor? No ensaio a obra de
arte na era da sua reprodutibilidade técnica, escrito na década de 1920,
afirma que o processo das técnicas de reprodução e as alterações da percepção
começaram com a fotografia e se aprofundaram com o cinema. A fotografia faz
circular a imagem de objetos, paisagens, figuras humanas, mas também obras de
arte que são únicas e que só podiam ser contempladas por poucos. Já o cinema
aprofunda as transformações trazidas pela fotografia. Com suas técnicas da
filmagem, montagem e edição, câmera lenta, flash
back etc., o cinema altera drasticamente nossa percepção do tempo. Com o
cinema, aprendemos a incorporar descontinuidades e nos exercitamos como se
estivéssemos numa verdadeira máquina do tempo. Se as galerias eram “mundos em
miniatura”, o cinema é “o mundo em pedaços”. Um mundo de fantasia, de
simulação, de reconstrução e de reapresentação da realidade. Benjamin estava
interessado em pensar sobre as alterações ocorridas não apenas nas maneiras de
produzir imagens, mas também nas formas de perceber o mundo. Graças à invenção
de novos instrumentos – espelho, gravador, microscópio, luneta, câmera
fotográfica, cinema, computador – cada época histórica altera a percepção que
os seres humanos podem ter da realidade.
As novas tecnologias interessaram
a Benjamin porque, além de oferecer respostas para múltiplas necessidades
cotidianas, contribuem para alterar a apreensão do mundo pelos indivíduos. A
fotografia, a filmagem, agravação de áudio e outras técnicas de reprodução
foram objeto de reflexão de Walter Benjamin por alterarem a produção da memória
coletiva nas sociedades modernas.
essa aula foi realmente muito boa mais falto uns dos meu favoritos que e o George Simmel....obrigada pela a aula me valeu meus pontinhos a mais no meu boletim thauuuuu........
ResponderExcluirAgradeço a gentileza de postar um comentário comunicando que o texto lhe serviu. Pretendo, nos próximos dias, postar um breve resumo sobre George Simmel.
ResponderExcluir