Epitácio
Rodrigues da Silva
“Ouviu-se uma
voz em Ramá, choro e grande lamentação”:
Raquel chora
seus filhos e não quer consolação,
Porque eles já
não existem” (Mt 2,18).
O sofrimento, enquanto dor na alma,
é algo do qual o ser humano não consegue se furtar, uma vez que viver é também
está sujeito às doenças, desilusões, crises existenciais, revoltas e uma
infinidade de situações que podem ou não ter origem em uma dor física, mas que
se manifestam como um abalo psíquico e emocional que, dependendo da intensidade,
impossibilitam o individuo de fazer uma avaliação objetiva da situação e até
mesmo de retomar as rédeas da sua vida cotidiana por um certo intervalo de
tempo. Mas o sofrimento tende a ser transitório na sua duração e diminuído na
sua intensidade, não sendo a última palavra no vocabulário existência de um ser
humano: se é verdade que não podermos viver sem experimentar algum tipo de
sofrimento, não é verdade também que viver e sofrer não se equivalem: ele tende
a diminuir de intensidade e passar com o tempo.
Isso não significa que esperar seja
a única opção. Pois, o ser humano carrega a crença otimista de que pode
intervir, seja na intensidade, seja na abreviação do sofrimento das pessoas que
padecem de algum tipo de dor na alma. A dor do outro frequentemente tem o poder
de intimar o ser humano a sair da indiferença, despertando-lhe um sentimento de
solidariedade, na maioria das vezes, revestida sob a forma de consolo: ação de
ir ao encontro de quem sofre com palavras que se propõem auxiliar no alívio da
sua dor.
A arte de consolar carrega uma
pretensão humilde. Quem consola sabe que não irá extinguir a dor, mas apenas a
atenuá-la. Essa consciência, ao que tudo indica, existe desde as sociedades
mais antigas. Os gregos, por exemplo, para descrever a ação de consolar, usavam
a palavra paramytheomai, que
significa: “falar de modo positivo e
benevolente para uma pessoa; aliviar,
encorajar, exortar, dirigir palavras de
ânimo”. Essa palavra foi criada juntando os termos para - perto de, junto de; e mytheomai (verbo derivado de mythos - conversa, diálogo, conselho...) que indica a ação de falar, conversar. Para
eles, portanto, era claro o entendimento de que consolar é colocar-se junto de alguém que sofre e dirigir-lhes
palavras de ânimo, encorajamento e de alívio da sua dor.
Mas a maior dificuldade das pessoas
diante de alguém que sofre é justamente saber o que lhe dizer. Quais palavras
que, uma vez pronunciadas, atenuarão a sua dor? Muita gente deixa de visitar
uma pessoa querida quando ela está enferma ou perdeu um ente querido por acreditar
não saber o que dizer diante do seu sofrimento. Realmente palavras vazias não
realizarão a função do consolo. Lembro-me uma vez num velório numa comunidade
pequena de zona rural que uma senhora havia perdido o filho num acidente
trágico e chorava desoladamente. Um senhor aproximou-se dela e disse: “não
chore não, morreu acabou!” ao ouvir essas palavras, ela esbravejou umas três
vezes seguidas: “acabou não! A intenção daquele homem do campo era boa, mas a
crença daquela piedosa senhora entrava em choque com aquelas palavras. Por
isso, é fundamental saber quem é a pessoa, quais suas crenças, sua visão da
vida e seus valores mais fundamentais. Porém, quando não se conhece a pessoa o suficiente,
vale lembrar que o diálogo, plataforma do consolo, é um movimento de fala e
escuta. Se não sabe o que dizer, não diga nada. Mas sempre escute o sofrimento
do outro. Tenho visto situações em que as pessoas se ocupam tanto em falar coisas
e não são capazes de ouvir o sofrimento do outro. Estar presente é uma forma de
falar de sua solidariedade; um jeito de dizer que se importa com a pessoa. Pois,
o maior problema diante do sofrimento de alguém não é o silêncio, mas a
indiferença.
O consolo é um modo de solidariedade,
no qual alguém, diante do sofrimento de outrem, se propõe restabelecer-lhe o
chão da existência, mediante uma palavra encorajadora ou de alívio de uma dor.
Mas o mais fundamental é que fazendo isso, ela mostra que se importa com a dor
daquela pessoa e espera de encontrar alguma palavra que lhe ajude a se reanimar
e encarar com mais serenidade o sofrimento que lhe é inevitável.
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